Especialistas veem como cada vez mais provável um racionamento de energia elétrica ainda este ano no País. Os índices pluviométricos de março podem até adiar a decisão, mas não vão acabar com a apreensão entre consumidores. Como o nível dos reservatórios da região Sudeste está em torno de 20% numa época tradicional de chuvas, não é provável que ele suba justamente nos meses mais secos do outono e inverno. Antes que a escassez seja oficializada, estudiosos aconselham empresas e famílias a buscarem formas de economizar, seja investindo em eficiência ou mudando seus hábitos.
O professor de Engenharia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro do Grupo de Economia da Energia Luciano Losekann classifica a situação atual brasileira de “assustadora”. O fato de janeiro deste ano ter sido o pior da história em termos de precipitações desde 1931 torna o comportamento das chuvas no ano imprevisível, segundo ele. Seu grupo de pesquisadores, que reúne também professores da UFRJ, criou modelo matemático para avaliar o risco de racionamento. Se as barragens do Sudeste chegarem a novembro com no mínimo 10%, a restrição ao consumo de energia poderia ser evitada. Para tanto, bastaria chover até lá 80% da média histórica do período. “Não é tão difícil, mas tendo em vista as chuvas de janeiro, tudo é imprevisível. O que está acontecendo assusta. Por isso, acredito que há uma tendência de racionamento”, afirma o pesquisador.
Guilherme de Azevedo Dantas, pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, acredita que o governo pode empurrar a decisão até o fim de abril, quando termina o período chuvoso nas bacias dos reservatórios mais críticos. “Embora as chuvas em fevereiro tenham sido razoavelmente boas, a possibilidade racionamento é cada vez mais concreta. Apenas chuvas acima da média em março e abril poderiam mitigar esta possibilidade”, prevê o pesquisador. Para Dantas, as autoridades perderam o “timing”, pois já deveriam ter iniciado no ano passado uma campanha de conscientização para um consumo mais racional nesses tempos de crise. A sociedade precisaria estar logo preparada para uma redução de 10% do gasto. “Em termos de cartas na manga, nos parece que não existe nenhuma a ser implementada de imediato, exceto medidas pontuais como incentivar geração distribuída por parte de estabelecimentos que possuem geradores”, avalia Dantas.
O presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Salles, também acredita que há um descompasso entre as medidas tomadas pelo governo e os dados do setor. Segundo ele, não só uma campanha deveria ter sido lançada logo no ano passado, como um plano de racionamento era para já estar sendo exposto para a sociedade. “Torna-se absolutamente necessário o governo preparar um racionamento, devido ao uso total do parque térmico e do atual nível dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste”, critica Salles. Se o racionamento se mostrar inevitável, será preciso assim como em 2001, ajustar os contratos com as distribuidoras e estabelecer regras de incentivo e penalidades para consumidores. Se tomadas de uma hora para outra, as medidas poderiam não dar certo, com brigas judiciais e falta de cooperação da população.
Ricardo Savoia, diretor da consultoria Thymos, acredita que o adiamento da decretação do racionamento é ainda mais prejudicial. A imprevisibilidade que o País vive em relação à oferta futura de energia já teria gerado prejuízo acima de R$ 100 bilhões para o setor produtivo. “A previsão da Thymos é de que o risco de racionamento é da ordem de 77% para cortes de carga em até 1%, conforme risco déficit divulgado ao final de fevereiro. Se de fato for necessário um racionamento, deve ser anunciado entre abril e maio, início do período seco”, avalia Savoia.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, vinculado ao Ministério de Minas e Energia, respondeu ao Ambiente Energia que o sistema “apresenta-se estruturalmente equilibrado”. Segundo o órgão, “avaliações conjunturais do desempenho do sistema e de riscos de déficit associados devem ser feitas de forma cuidadosa. Dado que as afluências verificadas em janeiro foram baixas nas regiões Sudeste/Centro-Oeste e Nordeste e as de fevereiro mostraram importante reação, as afluências nos próximos meses serão relevantes para a avaliação da adequação das condições de suprimento em 2015, o que reforça a necessidade de um monitoramento permanente”. Portanto, a oferta de energia depende crucialmente das famosas “águas de março”. Mas chuvas fortes num único mês, por outro lado, não garantem o abastecimento. A questão é saber até quando o País viverá momentos de incerteza.