O dólar continua recuando, 3% em apenas seis dias, o fluxo cambial fechou o semestre com um saldo líquido de quase US$ 40 bilhões e o ministro da Fazenda afirma que novas medidas podem ser contidas para conter a valorização do real. Há duas correntes de opiniões entre os analistas. Uma, olha com reserva esse cenário que não é novo. Ao contrário, vem se repetindo no correr dos últimos seis meses, mesmo sem o aumento de liquidez proporcionado pelas emissões diretas ou indiretas do banco central americano. A coluna se inclina por essa.
A outra corrente não anula a primeira, a complementa. O problema tem origens mais remotas e profundas. Dólar a R$ 1,55 é desastroso para a produção industrial, mas para reverter essa situação é preciso ir aos preços relativos. O “grande mal” é a excelente performance da economia brasileira que criou condições para atrair investimentos e capitais financeiros externos. A velha história de exportar imposto enquanto eles exportam subsídios. Um câmbio menor ajuda, mas não resolve, diz essa segunda corrente.
A nova diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, em sua primeira entrevista, assinalou a distorção provocada pelo afluxo excessivo de dólares para as economias emergentes, um desafio a enfrentar com urgência, mas afirmou que isso vai depender de cada país.
Mesmo dólares, mais real. É culpa do Fed, que andou inundando o mercado com mais de US$ 1 trilhão de dólares? Antes, até se poderia dizer que sim. Agora, não. O Fed não jogou mais dólares no mercado, e o real continuou se valorizando. O dólar e o euro também não se desvalorizaram muito no exterior diante de uma cesta de moedas, mas no Brasil, sim. O mesmo ocorre com o yuan, sem grandes mudanças.
Alex Agostini, professor e economista-chefe da Austin Rating, se integra na segunda corrente. Em conversa com a coluna, ele afirma que só mexer no câmbio não resolve. Ele lembra que o ministro Guido Mantega voltou a reforçar sua preocupação com a moeda nacional e declarou que é possível que haja novas medidas para tentar conter a valorização em curso. Agostini afirma que cambio não é tudo.
Miopia cambial. O governo tem tomado as medidas cabíveis para tentar conter a valorização do real. “Mas parece sofrer de miopia cambial. Ele acredita que o que está havendo é de fato uma valorização do real e, portanto, medidas focadas nesse mercado serão suficientes para neutralizar e, talvez, reverter o saldo deficitário das transações correntes. O que há de verdade, no entanto, é uma mudança estrutural e quase silenciosa que ocorre há mais de três décadas no eixo da economia mundial. Isso afeta de forma significativa a economia brasileira.”
Ao revisitar os dados da evolução da formação do PIB mundial e da composição do comércio exterior global desde a década de 1960, verifica-se que as forças econômicas estão mudando, com transferência dos países desenvolvidos para os chamados emergentes. “No caso do Brasil, tal reflexo na moeda tem sido mais intenso apenas nos anos recentes em decorrência dos diversos anos debaixo de crises econômicas, bem como um comércio exterior extremamente fechado.”
Agostini lembra que no caso da formação do PIB global as economias desenvolvidas (apenas considerando o G-7) reduziram sua participação de 67,1% na década de 1980 passando para 57,4% na década de 2000. Já os emergentes tiveram sua participação elevada de 16,5% na década de 1980 para 25,6% na década de 2000. Nas exportações mundiais, a comparação é ainda pior, diz o economista-chefe da Austin. Enquanto os países desenvolvidos perderam 10,8 pontos porcentuais entre a década de 1980 e 2000, os países emergentes aumentaram sua fatia em 16,3 pontos porcentuais no mesmo período. Deve-se reconhecer que o Brasil mudou de patamar. Porém, a velocidade de mudanças nas relações comerciais e seus reflexos sobre o câmbio não são fatores apenas circunstanciais e, tampouco, medidas burocráticas serão suficientes para alterar o fortalecimento do real. Essa é uma realidade que veio para ficar.