Redação (16/12/2008)- A evolução do cooperativismo depende sempre de referências concretas, que sirvam de norte ao setor. Num cenário de dificuldades, com rigor extra na liberação de crédito e mercados instáveis, boa orientação é ainda mais essencial. O presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Márcio Lopes de Freitas, defende que iniciativas como o Prêmio Cooperativa do Ano cumprem esse objetivo. Na entrevista a seguir, ele conta como as cooperativas estão enfrentando a crise internacional. No meio da turbulência, há espaço para discutir responsabilidade social e compromisso com o ambiente.
Que mudanças o Prêmio Cooperativa do Ano traz ao setor?
O que o Prêmio tenta é trazer os bons exemplos a público e abrir possibilidades de mudanças através de bons exemplos. Quando premia essas boas iniciativas, acaba dando uma aula, passando informação para todo o cooperativismo brasileiro. É o que se chama de benchmarketing, a busca das melhores práticas que levam a um desempenho superior. Faltava um reconhecimento ao esforço do cooperativismo brasileiro.
Nos 11 projetos premiados, vimos casos exemplares. Respeito ao meio ambiente, compromisso social, gestão rigorosa do dinheiro das cooperativas. Essas práticas ainda são exceções?
Não são exceções, são tendências. Estamos trabalhando muito forte a questão da governança das cooperativas. A questão meio ambiente está entre nossas principais preocupações há pelo menos sete anos. O Prêmio destaca os bons exemplos dessas tendências.
Em quais dos setores premiados o sistema mais precisa avançar?
A boa governança cooperativa, a transparência, a responsabilidade, o compromisso entre o associado e a cooperativa. O principal é a responsabilidade de todos com a sustentabilidade do sistema, da comunidade e do próprio planeta. O desenvolvimento das cooperativas é reflexo da boa governança, da transparência. Naturalmente, essas práticas são mais usadas onde o sistema é mais estruturado, na Região Sul do país. Depois no Sudeste e no Centro-Oeste.
Seis dos onze prêmios foram entregues a quatro cooperativas do Paraná. Isso é um diferencial ou deve-se às concentração de cooperativas no estado?
Temos mais cooperativismo no Paraná, enquanto ideologia, princípio, valor. O cooperativismo está mais arraigado na cultura da população do Sul. A boa cooperativa é uma conseqüência disso. O cooperativismo do Paraná vem se destacando todos os anos, com experiências exemplares também nos demais estados.
As cooperativas se industrializaram e agora têm responsabilidade social maior. Há como avançar neste sentido sem perder competitividade?
Sem dúvida. A cooperativa tem responsabilidade sobre a sociedade em que está inserida. Com o cooperado, tem obrigações. Tem que ter responsabilidade com a comunidade e os funcionários. Nas indústrias, há uma relação de trabalho, entre empregador e empregado. É natural que haja algumas divergências. Quem paga acha que paga muito. Quem recebe, acha que é pouco. Temos um levantamento do Ministério do Trabalho que mostra que as cooperativas pagam até 40% mais que empresas do mesmo setor aos funcionários. O valor pago a mais pelas cooperativas é substancial. Eu acho que isso tem que ser feito, a cooperativa tem que trabalhar muito nisso. É por isso que a maioria dos nossos prêmios está nessa área. É justamente para forçar nossas cooperativas a assumirem a responsabilidade que têm com a sociedade.
Qual a importância da reforma na legislação do cooperativismo em trâmite no Congresso? Haverá definição em 2009?
Esse projeto tramita desde 1988, mas já chegamos a um ponto importante nessas discussões. Nós temos uma lei (5.764, de 1971) que não é tão ruim. Se estivesse criando problemas mais sérios, já teria sido abandonada, trocada. Depois desses 20 anos, chegamos ao consenso de que precisamos de uma reforma e não de uma lei nova. Esse é o projeto do senador Osmar Dias (PDT-PR) – o PLS 3/2007 – que moderniza a legislação cooperativista, dá um tratamento mais adequado à questão tributária. Tínhamos tudo para avançar mais em 2008, mas pelo ambiente desfavorável aos trâmites em geral no Congresso, fomos prejudicados. Em 2009, podemos caminhar mais, e aprovar a proposta.
Como será o desempenho das cooperativas no ano que vem? As contas vão ficar apertadas?
Minha bola de cristal está sem pilha. Mas, sabemos que 2009 vai ser um ano duro. A questão da crise de credibilidade internacional está refletindo internamente. Nossos grandes mercados consumidores estão sendo afetados. Nós perdemos mercado e os preços internacionais caíram, além de o crédito ter se tornado fruta rara. A credibilidade tem sido colocada em xeque – comprovar que você tem capacidade de tomar crédito está cada vez mais difícil. As cooperativas, acredito, vão superar essas dificuldades. Estão cortando despesas, se ajustando. Mas resta saber quanto tempo vão durar essas dificuldades. Tem gente que acha que seis meses, outros falam em quatro anos, esperamos que passe rápido.
Os projetos de investimento suspensos devem ser retomados? É possível prever quando?
O investimento das cooperativas em 2008 é de cerca de R$ 12 bilhões, como estava previsto. Isso inclui todos os setores, começando na área rural – silos, reforma de secador, abatedouro novo na cooperativa de frango, indústria de leite em pó, hospital da Unimed. Esse valor está dentro da realidade de um setor que faturou cerca de R$ 70 bilhões neste ano e que tem um PIB de R$ 120 bilhões. Naturalmente, com a crise no horizonte, o pessoal tratou de pôr os pés no chão. É hora de investir onde é estritamente necessário para o bom desempenho das cooperativas. Se não for essencial, deve-se adiar. Não dá para arriscar dizer quanto as cooperativas vão investir em 2009. Todo mundo vai pensar mais em ter caixa e capital de giro.