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Economia

Regime cambial mantido

Ação do governo não abala pilares do regime cambial. Economistas insistem que valorização é movimento global.

A tormenta que sacode as moedas no planeta e já levou o governo brasileiro a adotar medidas de controle de fluxo de capitais provoca reação nos mercados e mobiliza investidores, mas está longe de ameaçar o regime de câmbio flutuante. Especialistas alertam que o processo de valorização do real deve ser visto efetivamente como parte de um movimento global. E o Brasil age porque precisa e deve.

“A alteração que se vê nos mercados cambiais é subproduto da política monetária americana. Os EUA fazem política econômica olhando para o seu umbigo. O resto que se dane”, avisa o professor Ricardo Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp, para quem o câmbio flutuante não está necessariamente em xeque com a adoção das medidas anunciadas pelo governo, inclusive, porque elas são bem localizadas. “O governo está tentando restringir a mobilidade do capital de curto prazo. Não há nada que impeça o câmbio flutuante. Na prática, a tendência é colar a flutuação da moeda mais na conta corrente e nos fluxos de capitais de longo prazo. E deveria ser assim mesmo.”

Mônica de Bolle, da PUC-Rio e diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças, diz que não há questionamento sobre o câmbio flutuante. “As autoridades brasileiras veem perspectiva de valorização contínua do real por causa de desequilíbrios nos EUA e na política cambial chinesa e seguem a lógica que é agir. E os mercados, no Brasil e no exterior, interpretam as ações de governo exatamente como elas são: tentativas de evitar valorização excessiva do real. Não há muita alternativa frente a um movimento global dessa magnitude. É necessário um entendimento entre EUA e China que parece quase impossível. E isso parece estar muito presente na cabeça das autoridades brasileiras que estão tendo um posicionamento muito lúcido. O governo não pode ficar sentado simplesmente observando porque o resultado é uma imensa dificuldade de gerenciamento de política interna”, avalia a economista que é sócia da Galanto Consultoria.

Para Carlos Eduardo Gonçalves, professor da FEA/USP, o câmbio flutuante não está em xeque. “O governo nem seria louco de colocar o câmbio flutuante em xeque. O governo vai seguir operando com a ‘flutuação suja’ [que implica em intervenções] dentro dos limites institucionais do regime.”

A perspectiva de o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) partir para outra rodada de flexibilização monetária quantitativa – comprando ativos para forçar a queda de juros de longo prazo com o objetivo de ativar o consumo – indica mais valorização do real e de outras moedas. Mônica explica que o afrouxamento monetário nos EUA inevitavelmente leva ao enfraquecimento do dólar. “Embora essa não seja a política declarada do Fed, o fato é que a moeda enfraquece. O outro lado dessa ação, particularmente complicado para o Brasil e emergentes, é o fato de em oposição aos EUA estar a China, que tem sua moeda atrelada ao dólar e com uma participação enorme na economia mundial. Se o dólar vai enfraquecer e a China não vai deixar sua moeda apreciar em contrapartida, a valorização vai sobrar para alguém como já está sobrando agora. Para quem? Para as economias emergentes. O Brasil não está sozinho nesse barco”, lembra.

Ricardo Carneiro pondera que os EUA não devem desistir da política monetária expansionista que será pouco eficiente. “Portanto, os desequilíbrios vão persistir, impondo custos de ajustes no mundo inteiro. Se não existir um acordo global, as medidas de controle de fluxo de capital serão ampliadas. O livre fluxo de capital será restringido. O risco é uma reação em cadeia, colocando em xeque o sistema monetário internacional.”

Quando o Fed inunda a economia de dinheiro, diz o professor da Unicamp, há uma migração para ativos que estão nos EUA e no mundo e os principais candidatos a receber o dinheiro são os países que estão crescendo mais e com remuneração atraente de capital. “O dinheiro ficará no curto prazo nos EUA ou em outro lugar e isso altera as taxas de câmbio. E o que não é uma brutalidade por lá, vira uma brutalidade nos demais países com economias e mercados bem menores.”

Mônica acrescenta que o Brasil vai ficar recebendo uma enxurrada de capital que vai alimentar alguns excessos de crédito que já se vê na economia brasileira e ainda vai continuar apreciando o câmbio, agravando a deterioração das contas externas. “Que tipo de medida se adota nessa situação? Entre as opções estão comprar mais reservas, vender swap reverso ou tributar as operações com o Imposto sobre Operações Financeiras. E penso que o governo preferiu essa alternativa para mandar um recado. Quando ocorre compra de reservas quem paga o custo do diferencial de juros interno e externo é o Banco Central. Se a atuação é feita via IOF, o governo sinaliza que o problema não é exclusividade do Brasil. É um problema também do resto do mundo e não é o Brasil quem vai pagar a conta sozinho. Quem quiser botar dinheiro aqui vai ter que dividir o custo.”

A economista entende que o governo tem um arsenal de medidas a tomar, mas lembra que a eficácia dos instrumentos diminui ao longo do tempo. “O país não está livre da possibilidade de os aumentos de IOF perderem efeito. O governo pode, portanto, vir a tomar outras medidas como obrigar a permanência de capital estrangeiro no país, o que também é uma forma de taxar implicitamente o dinheiro que chega. O BC também pode retomar os swaps reversos. Vai arcar com um custo de carregamento das reservas? Vai. Mas é assim mesmo.”

Gonçalves, da USP, também considera que medidas que impactam fluxos de capitais tendem a perder eficácia no médio e longo prazos. “Os agentes sempre encontram mecanismos de contornar o imposto, por exemplo. E, quando as intervenções ocorrem pela compra de reservas com o BC esterilizando os reais emitidos, o diferencial de juros permanece o mesmo e a ação sobre o comportamento [da taxa de câmbio] pode até ter efeito contrário.”

A saída para conter a apreciação do real, diz o economista, é uma política fiscal forte que poderia levar a um corte, também forte, da taxa de juro. Gonçalves frisa, porém, que está havendo “muita onda sobre os efeitos do câmbio no crescimento econômico. Não há nenhuma evidência estatística que confirme que a apreciação cambial afeta o crescimento”.