O governo divulgou ontem mais uma rodada de alterações nas normas de câmbio, conforme decisões do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, para simplificar os procedimentos relativos ao capital estrangeiro no País. Os 60 normativos que tratavam do tema foram reunidos em uma única Resolução (3844), que trata exclusivamente do registro de fluxos de investimentos diretos, créditos externos, royalties, transferências de tecnologia e arrendamentos mercantis externos. Outras 320 normas foram revogadas.
O BC destacou que, com as medidas, tanto as transferências financeiras para o exterior como a entrada de capital estrangeiro no País passam a seguir as regras gerais aplicáveis ao mercado de câmbio brasileiro. Com isso, elimina-se a necessidade de autorizações específicas ou manifestações prévias do BC para que uma empresa faça uma operação cambial. Somente no ano passado, a autoridade monetária recebeu mais de 17 mil consultas sobre o tema. Os agentes também foram dispensados de divulgar informações que o próprio BC pode obter de outras fontes.
O BC vai permitir que as empresas financeiras que realizem o lançamento de recibos de ações em bolsas no exterior (depositary receipts) possam manter os recursos captados no exterior. Pela regra atual, essas companhias teriam que fechar o contrato de câmbio no prazo de cinco dias. A medida (Resolução 3485) é similar ao que foi feito para as empresas exportadoras.
Em outra medida importante, o CMN ampliou de 360 para 750 dias o prazo com que o Tesouro Nacional pode comprar dólares para quitar dívidas vincendas, equiparando o prazo ao das instituições do mercado interbancário. Por fim foi dada a permissão para que distribuidoras e corretoras de câmbio possam manter mais de uma conta em moeda estrangeira na mesma cidade brasileira.
O BC também vai dispensar de contratos simultâneos de câmbio os pagamentos de prêmios e indenizações vinculadas a empresas de resseguro internacionais. Portanto, essas companhias poderão ter contas em moeda estrangeira no País sem que tenham que fazer contrato de câmbio simultaneamente.
O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, afirmou, ao anunciar ontem esse conjunto de iniciativas, que o objetivo é apenas a modernização dos mercados, seguindo o trabalho que já vinha sendo pelo BC e o CMN, a exemplo do que já havia sido feito com as normas cambiais, em 2005. Esses trabalhos, em estudo há alguns anos, foram interrompidos pela crise global, mas retomados no fim do ano passado.
Ele negou que as medidas na área cambial tenham objetivo de influenciar o preço ou o fluxo de moeda, que está negativo em US$ 2,345 bilhões em março, até dia 19. “Já se foi o tempo em que se faziam normas para influenciar a taxa. Isso era herança de um passado de escassez de moeda estrangeira, que se era forçado a tomar decisão para alterar o fluxo de moeda.”
Meirelles não quis afirmar se a medida vai mexer na cotação do dólar, pois, segundo ele, “o BC não faz projeção de taxa de câmbio”, mas disse que “a modernização do mercado, a diminuição de custos e o aumento da agilidade” trazem maior eficiência. “Quanto mais eficiente, melhor a formação de preço, sem distorção”, disse.
O presidente do BC citou como exemplo as remessas para o exterior, que antes poderiam ficar presas no Banco Central aguardando aprovação, e era um dos pontos que poderia distorcer os preços. De toda forma, essas medidas reduzem a possibilidade de controle do câmbio por meio da burocracia, como se fazia no passado.
Meirelles disse que não há mudança na política cambial e que o BC vai “continuar acumulando reservas por ser uma medida benéfica, que aumenta a blindagem do País em época de crise”.
Quanto perguntado se já havia tomado a decisão de deixar o Banco Central, ele falou que ainda vai ter “um fim de semana inteiro” para pensar. “Em suma, tenho muito tempo para pensar”. Ele vai se reunir com o presidente Lula na próxima semana, mas não revelou o teor da conversa.
O pacote de medidas de ontem foi mais modesto do que se chegou a estudar nos últimos meses e não atendeu às reivindicações do sistema financeiro que opera no Brasil nem às demandas das bolsas de valores. Concentrou-se basicamente na conta de capitais do balanço de pagamentos.
De toda forma, as decisões de ontem representam modificações importantes na regulamentação do mercado de câmbio, que vão dar maior liberdade às operações com moeda estrangeira e, consequentemente, reduzir os custos das transações nessa área.
Pacote de exportação” vira conjunto de medidas paliativas – Incapaz de conciliar as necessidades de garantir superávit nas contas públicas com o desejo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de lançar um pacote robusto de apoio à exportação, a equipe econômica decidiu, ontem, um conjunto de medidas paliativo para dar maior competitividade às vendas externas brasileiras.
No pacote, que deve incluir o anúncio de uma nova subsidiária do BNDES para funcionar como um Eximbank brasileiro, a medida potencialmente de maior impacto será a inclusão de mais empresas na categoria de “preponderantemente exportadora”, com direito a isenção de tributos. Em outra iniciativa destinada a estimular exportações, o governo permitirá que pequenas e micro empresas continuem enquadradas no Simples mesmo que as receitas obtidas com exportações façam o faturamento dessas firmas ultrapassar os limites de enquadramento no sistema de impostos simplificado.
Empresas preponderantemente exportadoras, com direito a suspensão de PIS e Cofins na compra de matéria-prima, produtos intermediários e embalagens, são aquelas que obtém das vendas ao exterior pelo menos 80% de sua receita bruta. O governo pretende reduzir esse limite a 40% (embora a Secretaria da receita Federal tenha tentado, até ontem, limitar em 50% esse percentual).
O pacote de exportação, segundo informou ao Valor o secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, incluirá mudanças no sistema de drawback integrado, pelo qual empresas podem importar ou comprar no mercado interno insumos sem impostos para produção de bens destinados a exportação – sem que precisem agregar no produto nenhum componente importado. Hoje, os produtores tem até um ano para exportar mercadorias onde usam os insumos comprados com suspensão de impostos. Esse prazo será elevado para dois anos.
Outras medidas de simplificação e facilitação de comércio farão parte do pacote, como a ampliação do número de empresas autorizadas a operar a “linha azul”, sistema de procedimentos facilitados de importação e importação, hoje restrito a grandes empresas. Serão criados níveis diferenciados, com facilidades maiores quanto maior o número de exigências para habilitação das empresas.
Até ontem, o Ministério do Desenvolvimento insistia com a equipe do Ministério da Fazenda para incluir no pacote a principal – e mais eficaz – reivindicação dos exportadores, um sistema de crédito automático de tributos para compensar a cobrança indevida de impostos sobre mercadorias destinadas à exportação. Além da resistência da Receita Federal, nas últimas semanas um novo obstáculo desencorajou até os que, no Ministério da Fazenda, cobravam da Receita maior flexibilidade: a exigência de superávit fiscal de 3,3% do Produto Interno Bruto para reduzir as pressões sobre o financiamento da dívida pública e conter a necessidade de aumento nos juros.
Na discussão entre os ministérios, chegou-se a apelar para a necessidade de submeter o pacote à decisão do presidente da República. Mas os argumentos em defesa da meta de superávit acabaram ganhando a disputa. Pesou também o argumento de que um dos maiores custos indevidos sobre as exportações é hoje o imposto estadual, o ICMS, cobrado indevidamente e não devolvido aos exportadores. A solução para essa cobrança indevida requer decisão do Confaz, que reúne os secretários da Fazenda dos Estados, que têm se mostrado pouco dispostos a mudar or regime de tributos, mesmo sabendo que ele reduz a competitividade das mercadorias brasileiras nos mercados externos.
A criação do Eximbank, como subsidiária do BNDES, deve reunir na mesma instituição os principais mecanismos de financiamento e de garantia às exportações, segundo o modelo defendido pelo presidente do BNDES, Luciano Coutinho. A intenção original de Coutinho era incluir no Eximbank também os mecanismos de seguro às exportações, que serão, porém, operados por uma empresa específica, ainda em estudos.