É tempo de colheita de grãos no “Brasil profundo”, e o movimento nas estradas que levam às fazendas começa antes do alvorecer. Nos campos de Minas Gerais, Goiás e Bahia, produtores e agrônomos monitoram as lavouras e grandes máquinas vão e voltam capturando a matéria-prima que sustentará famílias e cidades nos próximos meses. O comércio se anima.
Apesar dos problemas pontuais de sempre, as comunidades sabem que esta é uma safra lucrativa, e a expectativa é crescente. Com bons volumes e preços elevados, nas áreas de produção mais desenvolvidas as margens proporcionadas por soja e milho serão recordes. Em algumas, é difícil conter a euforia. Quem enfrentou problemas, lamenta o que deixará de ganhar. Poucos perderão dinheiro.
A convite da Agroconsult, que há oito anos organiza a expedição “Rally da Safra”, o Valor visitou 51 lavouras de soja (41) e milho (dez) de 15 localidades mineiras (quatro), goianas (cinco) e baianas (seis) entre 14 e 19 de março. Nesse roteiro, um dos dez do rally – que começou em janeiro -, a reportagem participou de trabalhos de campo e conversou com agricultores, confirmando o cenário extremamente positivo desenhado há meses por órgãos oficiais e especialistas, apesar de algumas adversidades climáticas.
Segundo André Debastiani, analista da Agroconsult e coordenador do Rally da Safra, o horizonte para as margens está até mais favorável ao milho em todos os principais Estados produtores do país. No Paraná, por exemplo, a rentabilidade média das lavouras de alta tecnologia deverá superar R$ 2 mil por hectare neste ciclo (2010/11), sendo que no anterior ficou abaixo de R$ 800. Em Minas, superará R$ 2,3 mil, enquanto em 2009/10 também foi inferior a R$ 800. As contas são preliminares, fechadas a partir de apurações realizadas até o início de março.
No caso da soja, a Agroconsult estima a margem média sobre o desembolso em mais de R$ 1,3 mil por hectare no Paraná, quase o dobro do apurado na temporada anterior. Em Mato Grosso, onde a safra foi “abençoada”, conforme Debastiani, as contas passam de R$ 448 para R$ 849 por hectare. “É um cenário que tende a motivar a ampliação de investimentos em 2011/12”, disse ele em encontro com produtores em Unaí, em Minas, na quarta-feira.
Nessa região específica, porém, problemas climáticos derivados do fenômeno La Niña limitarão os ganhos. É o que conta o agrônomo Leonardo Mundim, gerente da Fazenda Capão Grande, situada em Cristalina, Goiás. Ali, onde Mundim, de 35 anos, estabeleceu-se há 11 anos, um veranico entre janeiro e fevereiro e as chuvas diárias que não dão trégua desde antes do Carnaval reduziram a produtividade e provocaram alguma decepção, ainda que o lucro esteja garantido.
Pertencente ao grupo Fazenda Figueiredo, a Capão Grande cultivou 1,2 mil hectares de soja e 800 de milho nesta safra. Na soja, perderá 4 sacas por hectare, em boa medida em razão da elevada umidade trazida pelas chuvas recentes. Na semana passada os grãos de soja eram colhidos com até 23% de umidade, que na entrega aos clientes seria descontada do peso. Para não ter desconto, o percentual teria de ser de 13%.
Mesmo assim, os produtores da região acreditam que, na soja, o lucro vai girar em torno de R$ 800 por hectare. André Debastiani diz que os estragos causados pelas chuvas são mais agudos no sudoeste de Goiás, no Triângulo Mineiro e em Mato Grosso do Sul; mas destaca pelo lado positivo, além de Mato Grosso, a excepcional produtividade das lavouras de soja no Rio Grande do Sul.
Segundo as estatísticas mais recentes da Conab, a produção brasileira de soja alcançará o recorde de 70,3 milhões de toneladas em 2010/11, 2,3% a mais que em 2009/10. A Agroncosult ainda trabalha com 72 milhões de toneladas, mas reforça que o número está sujeito a alterações. Já a colheita da safra de verão de milho é projetada pela Conab em 33,1 milhões de toneladas, 3% menor que a do ano passado.
No trecho percorrido pelo Valor, o panorama climático foi melhorando conforme a expedição se aproximava do oeste da Bahia, onde as chuvas, fortes, têm sido diárias, mas ainda não preocupam no caso dos grãos. As colheitas de soja e milho ainda estão no início. Para o algodão, cultura mais forte – e lucrativa – da região, esses trabalhos só vão começar a ganhar força em mais ou menos 60 dias. Mas já se sabe, de acordo com relato do produtor Clovis Ceolin, de São Desidério, que as lavouras de algodão plantadas mais cedo foram afetadas e perderão produtividade.
Os custos do algodão são bem maiores que os de soja e milho, mas com os bons preços atuais a margem sobre o desembolso dos produtores mais eficientes vai ultrapassar a marca de R$ 3 mil por hectare, segundo estimativas de agrônomos que conhecem bem a área. Ainda que o algodão venha “roubando” espaço das demais lavouras no Cerrado do oeste baiano, as rotações de culturas realizadas pelos agricultores safra após safra terminam por beneficiar as alternativas, justamente pelo elevado nível de adubação.
Em Luís Eduardo Magalhães, na vizinha Barreiras e em São Desidério, principais polos da região, a reportagem encontrou os primeiros grupos estrangeiros (como o americano Brazil Iowa Farms, por exemplo) de todo o percurso, ainda que a tendência tenha perdido força diante das discussões, em Brasília, sobre limites a compras de terras por estrangeiros no país.
Também na área foram avistadas as primeiras colheitadeiras zero quilômetro da expedição, indicativo de que pelo menos uma boa parte do lucro obtido na safra passada e dos ganhos esperados na atual temporada estão de fato sendo aplicados em tecnologias para melhorar o rendimento das plantações, e não apenas em bens pessoais, como destacava André Debastiani, da Agroconsult.
E as perspectivas para essa região com jeitão de Mato Grosso melhoraram um pouco mais a partir do anúncio, na semana passada, de que o grupo chinês Chong Qing Grain vai começar a colocar em prática um projeto de R$ 4 bilhões no setor de agronegócios. Como informou ontem o Valor, os planos chineses envolvem a construção de um complexo para o processamento de soja em Barreiras – o terceiro da região -, além de uma fábrica de fertilizantes e um sistema de armazenagem. O algodão não perderá seu reinado, mas a soja poderá ganhar força.
Preços ainda resistem às turbulências no exterior
Os resultados obtidos pelos agricultores no trecho percorrido pelo Valor no Rally da Safra decorrem da combinação entre altos preços e bons volumes de produção, apesar da perda de eficiência provocada por adversidades climáticas em algumas áreas. Em um cenário não tão comum, devido às sazonalidades naturais da atividade, os preços remuneradores mantiveram-se firmes desde o início do plantio de grãos, em setembro – o que incentivou uma semeadura com elevados níveis de tecnologia (insumos), até a colheita, que começou em janeiro no Brasil, por Mato Grosso.
Cálculos do Valor Data apontam que, nos últimos 12 meses, os contratos futuros de segunda posição de entrega de soja e milho negociados na bolsa de Chicago acumulam valorizações de 41,62% e 79,9%, respectivamente, enquanto no caso do algodão, negociado em Nova York, a alta atinge 128,45% na mesma comparação. É verdade que as turbulências no Oriente Médio e no norte da África e a tragédia no Japão tiraram parte da sustentação desses mercados – as principais referência globais para as cotações desse produtos -, mas nem assim houve, até agora, quedas expressivas nos níveis de negociação.
Neste mês, apesar dos tombos expressivos que se seguiram ao acidente japonês, algodão e milho apresentam variações negativas acumuladas, de 0,7% e 5,13%, respectivamente, enquanto a soja ainda aparece com ganho de 0,6%. Em 2011, apenas a soja registra baixa acumulada (2,14%), enquanto algodão e milho, graças a valorizações no segundo bimestre, sobem 38% e 8,96%. E muitos analistas também não veem muito espaço para novos aumentos consideráveis, uma vez que os importadores já começam a pensar duas vezes em pagar os atuais.
No que depender exclusivamente do quadro global de oferta e demanda, André Debastiani, da Agroconsult, prevê que o apetite da China seguirá guiando as oscilações – o que também deverá acontecer no algodão. Conforme ele, o gigante asiático deverá importar 57,9 milhões de toneladas da oleaginosa na safra 2010/11 para atender a um consumo doméstico de 68,9 milhões. No mercado de milho, no qual a China também se faz presente, a sede americana para a ampliação da produção de etanol deverá cumprir o mesmo papel.