Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Economia

Reunião dos Bric ignora câmbio chinês

A subvalorização da moeda chinesa provoca perda de milhares de empregos industriais no Brasil.

A subvalorização da moeda chinesa provoca a perda de milhares de empregos industriais no Brasil, mas esse não foi um tema relevante na pauta da reunião de cúpula dos Bric, que trouxe ontem a Brasília o presidente Hu Jintao.

Esta semana, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, esteve aqui em Washington para participar de uma reunião de cúpula de segurança nuclear. Foi uma oportunidade para questionar se o Brasil pretende fazer algo a respeito da manipulação do câmbio chinês.

“Claro, mas talvez não com essas palavras”, respondeu Amorim, rejeitando a expressão “manipulação do câmbio”, muito usada pelos industriais e sindicalistas americanos para designar a desvalorização artificial do yuan, a moeda chinesa. O Congresso dos Estados Unidos ameaça retaliar a China com tarifas mais altas, mas o Brasil prefere levar o assunto na base da negociação. “Cada um tem sua maneira de agir”, diz o ministro. “A gente prefere mostrar como foi bom para o Brasil a experiência de câmbio flutuante, como isso ajudou também a combater a inflação.”

Muito realista, o ministro acha que os chineses, por si só e para atender pressões de sua própria economia interna, terão que valorizar o câmbio mais cedo ou mais tarde. A China cresce rápido demais, e uma taxa de câmbio mais valorizada pode ajudar a conter pressões inflacionárias.

O câmbio subvalorizado da China faz com que o Brasil exporte menos produtos industrializados ao país asiático e se especialize em produtos básicos, além de sofrer a concorrência desleal de produtos chineses no mercado interno e também no comércio com outros países que compravam nossos bens manufaturados, como nossos vizinhos da América do Sul.

“Também não é assim”, protesta Amorim. “Não dá para dizer que o Brasil virou um celeiro de ´commodities´. Exportamos aviões, temos os investimentos da Marcopolo na China…” Mas ele reconhece que é preciso avançar na diversificação da pauta de exportações para a China, já que, em sua opinião, o volume de negócios dos negócios com a China é adequado.

Nos Estados Unidos, a manipulação do câmbio pelos chineses é o mais importante tema da agenda econômica internacional. Alguns cálculos apontam que ele leva a uma perda de cerca de 2,5 milhões de empregos industriais. Há muita pressão da opinião pública para que o Departamento do Tesouro declare que a China manipula a moeda, e parlamentares apresentaram projetos de lei que permitem subir tarifas de importações de produtos chineses.

A China deu os primeiros sinais de que pode valorizar um pouco sua moeda, algo como 3% neste ano, percentual que talvez seja muito tímido para acalmar a opinião publica americana. Usando diferentes metodologias, os economistas calculam que a subvalorização do câmbio chinês em relação ao dólar esteja entre 20% e 40%.

No Brasil, surpreende que o assunto não tenha maior relevância. O Peterson Institute, um influente centro de estudos de Washington, calcula que o yuan esteja 40,7% subalorizado em relação ao dólar. Já o real brasileiro estaria valorizado em 15,7% em relação ao dólar. Tudo somado, o yuan estaria mais do que 50% subvalorizado em relação à nossa moeda.

Depois da crise financeira internacional, os Estados Unidos estão corrigindo um pouco de seu déficit externo e, porque a moeda chinesa é mantida artificialmente desvalorizada, o Brasil acaba sofrendo mais. A carga do ajuste da moeda americana, que deveria ser dividida com os chineses, está sendo carregada por países com taxas de câmbio flexível, como o Brasil. Visto de outra forma: os americanos estão consumido menos e exportando mais. Como os chineses impõem uma barreira cambial às exportações americanas, os Estados Unidos fazem seu ajuste externo despejando uma carga maior de produtos no Brasil.

Os prejuízos causados pelos chineses ao Brasil são um pouco obscurecidos pelo fato de que a nossa própria taxa de câmbio está sobrevalorizada. O real sobrevalorizado é um erro, que deveria ser corrigido com um aperto fiscal, mas um erro não justifica o outro.

Ironicamente, uma eventual apreciação do câmbio chinês significará, para o Brasil, uma taxa de câmbio ainda mais apreciada. Com uma moeda mais forte, a China ampliará a demanda por commodities exportadas pelo Brasil. Também permitirá à industria brasileira competir com os chineses com um pouco mais de igualdade tanto no nosso mercado interno como em outros mercados no exterior. A combinação desses dois fatores é o aumento dos dólares disponíveis no nosso mercado de câmbio, que levariam ao um real ainda mais forte.

Se é para ter um câmbio ainda mais apreciado, vale a pena o Brasil brigar por um câmbio chinês mais justo? Claro que sim. Hoje, a apreciação do câmbio é causada sobretudo pelo fluxo de capitais estrangeiros ao país. Mas o Brasil registra déficit em conta corrente, estimado em US$ 50 bilhões pelo mercado para este ano, e em US$ 60 bilhões no ano que vem. Se os chineses deixarem de manipular sua moeda, esse déficit tende a diminuir, deixando a nossa economia menos vulnerável a paradas súbitas no fluxo de capitais.

Com tantos interesses estratégicos em jogo em torno da moeda chinesa, é irônico que o principal assunto da agenda econômica na reunião com os Bric foram os mecanismos para substituir o dólar como moeda nas transações de países do grupo. Por enquanto, a ideia é apenas desenvolver os sistemas de pagamento em moedas locais, mas no longo prazo há a ambição de substituir o dólar como principal moeda de reserva internacional. Não há dúvida que, em algum momento, será adequado achar uma moeda mais estável e mais sólida do que o dólar para lastrear as relações econômicas internacionais. Mas é improvável que a solução vá nascer de entendimentos com um país que manipula sua própria moeda para tomar empregos de outras economias.