A possibilidade da OMC adotar um “plano b” para a Rodada de Doha, com exclusão dos subsídios agrícolas pelos países desenvolvidos, não surpreendeu o setor agropecuário nacional. Uma nova estratégia já foi traçada por entidades que representam os produtores rurais para diminuir os efeitos dos subsídios.
Se um acordo, através da Rodada de Doha, parece distante, uma das saídas, acreditam os ruralistas, são as ações no varejo na Organização Mundial do Comércio (OMC). A prática, argumentam os produtores, já mostrou que pode ser eficiente, como no caso da condenação inédita na OMC dos subsídios dados pelos Estados Unidos ao setor de algodão.
As novas opções para enfrentar os subsídios ganharam força depois que, pela primeira vez desde que as negociações da Rodada Doha começaram, há uma década, a OMC admitiu que seus 153 membros irão discutir abertamente uma alternativa. Nesse novo modelo, mais light, seriam eliminadas questões como as taxas e subsídios sobre produtos agrícolas e a redução de tarifas sobre máquinas, carros e outros bens industriais. Seriam mantidos itens de acordo factível, como padrões alfandegários comuns e limites para os subsídios à pesca. Esse capítulo da negociação já estaria praticamente concluído, com novas regras para facilitar o comércio, acelerar e harmonizar trâmites burocráticos e ainda tornar exportação e importação mais transparentes.
Desta forma, os países emergentes, entre eles o Brasil, serão os grandes prejudicados. Por isso, o setor defende a elaboração de estratégia para enfrentar de forma equilibrada as vantagens oferecidas pelos países desenvolvidos.
Uma das entidades que promete adotar a estratégia é a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica). Segundo Marcos Jank, presidente da entidade, as ações na OMC contra as taxas de importação foram intensificadas desde 2008, e, em 2010, com a negativa dos Estados Unidos em reduzirem a sobretaxa ao etanol brasileiro, a entidade prepara a uma série de consultas à entidade. “Acreditávamos no bom andamento da Rodada Doha, mas, com o fracasso, precisamos agir em outras frentes”, comentou, ressaltando que a entidade “apoia totalmente uma ação do governo brasileiro na OMC”. “Não foi possível solucionar a questão através do diálogo, portanto a ida à OMC é o caminho que nos resta”, ressalta.
Outro que defende mudança na postura do País é Cesário Ramalho, da Sociedade Rural Brasileira. Para ele, é essencial que as autoridades brasileiras, além de dar suporte ao setor, comecem a pensar também em formais mais práticas de combate aos subsídios. “É preciso garantir ao menos isonomia para os produtores brasileiros”, disse.
Análise
Para o economista Vicente Golfeto, especialista do setor agrícola paulista, a percepção do fracasso já vinha sendo sentida há alguns anos na agricultura, mas houve pouca pressão para que o governo buscasse rumos alternativos à Rodada Doha. “Os produtores não colocaram todas as suas fichas nas negociações, mas o governo acabou não buscando novas alternativas”, explicou. Golfeto concorda que ações na OMC são a opção mais viável no momento. “Não se pode esperar uma resolução de um processo que se arrasta há dez anos. É preciso dar uma resposta mais rápida aos produtores”, afirmou. O economista ressalta que embora as queixas na OMC gerem um desgaste político para qualquer governo, esta é a saída para tentar equilibrar o jogo. “O governo não vai gostar, mas a regra é: se você ganha o recurso, as sanções comerciais são a única opção”, comenta.
Mudança radical
O presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), entidade que congrega 117 cooperativas e 178 mil produtores paulistas Edivaldo Del Grande defende uma atitude mais agressiva do governo brasileiro para proteger a agricultura, com a adoção de subsídios. Na sua opinião, o governo brasileiro deveria deixar de lado as negociações da Rodada Doha e garantir, por conta própria, condições de competitividade aos agricultores brasileiros.
“Durante todo esse tempo, os produtores europeus e americanos estão exportando subsídios e roubando mercado que poderia ser dos brasileiros. É urgente que o governo deixe a conversa de lado e aja no sentido de preservar nossos produtores agrícolas. Se depois quiserem continuar a conversa, ótimo, porque ai haverá igualdade de condições”, disse. A Ocesp também acredita que as ações na OMC não devem ser o foco principal para tentar minorar o problema dos subsídios. “É enxugar gelo. A briga dura anos e, depois, o subsídio continua a ser aplicado, sob uma nova forma”, ressalta. Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína, concorda. “É preciso iniciar outras negociações comerciais. É preciso atuar em diversas frentes simultaneamente”, ressalta.
Já o ministro Wagner Rossi, no entanto, ainda prefere acreditar no avanço das negociações. “Acredito que a perspectiva volta a se abrir com as negociações e que haverá avanços”, disse ele.
Mas na OMC, o caminho parece ser mesmo o plano b à Rodada de Doha. Na entidade, a estimativa é de que um acordo aduaneiro representaria ganhos de 5% do valor total do comércio mundial, de US$ 16 trilhões. Pelas contas da entidade, o custo da burocracia e transporte no comércio consome 10% do total das importações e exportações pelo mundo. Com o novo acordo, esses custos seriam reduzidos pela metade.