Redação (30/03/06)- Sem russos no mercado, preços desabam, não há espaço para armazenagem e produtores abatem e enterram animais.
As exportações de carne suína recuaram 40% na primeira quinzena deste mês em relação às do mesmo período de fevereiro. As demais carnes -de frango e bovina- também seguem tendência de queda.
Os estoques crescem e os armazéns especiais para estocagem já não têm mais espaço. As carnes começam a ser estocadas em contêineres de carretas. Essa redução nas exportações das três carnes provoca forte disputa pelo consumidor interno. Ganha o frango, que já é comercializado por menos de R$ 1 por quilo, no varejo.
Essa situação é provocada quase que exclusivamente pelo embargo russo, segundo Pedro Camargo Neto, presidente da Abipecs (Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína).
O excesso de carnes suína e bovina no mercado interno se deve aos embargos em decorrência da febre aftosa em Mato Grosso do Sul e no Paraná. No caso do frango, o excesso se deve à redução das exportações devido ao avanço da gripe aviária pelo mundo, reduzindo o consumo da ave.
Para Camargo, “o embargo russo não tem lógica e sua continuidade desestabilizará o setor, principalmente o de carne suína, que cresceu exatamente para atender à demanda russa”.
Para o presidente da Abipecs, o embargo não tem consistência técnica. Ele cita o exemplo do Rio Grande do Sul, mercado que nunca poderia ter sido fechado pelos russos, não só pelas regras da OIE (Organização Mundial de Saúde Animal) e da OMC (Organização Mundial do Comércio), mas também devido ao protocolo sanitário assinado por Brasil e Rússia.
Camargo diz que os russos prejudicam o Brasil e que só o governo poderia enfrentá-los, mas “ele [o governo] não se mexe”.
Odilson Ribeiro, diretor do Departamento de Assuntos Sanitários e Fitossanitários do Ministério da Agricultura, não concorda com Camargo. Ele diz que o governo tem estado em contato diariamente com os russos para tentar reverter esse embargo. “Muitas vezes temos recebido respostas que não nos agradam, mas não podemos forçar e ir além do razoável”, diz Ribeiro.
Ele acredita, no entanto, que as negociações possam avançar com a vinda do primeiro-ministro russo ao Brasil em abril. Além dos esforços políticos do governo, tem havido troca de informações também na área técnica, diz Ribeiro.
A ausência da Rússia praticamente inviabiliza o mercado brasileiro de carnes. Dos 4,9 milhões de toneladas exportadas no ano passado, um quinto foi para os russos. As receitas do setor somaram US$ 7,8 bilhões, sendo que US$ 1,6 bilhão veio da Rússia.
O setor mais dependente é o de suínos. Das 625 mil toneladas exportadas em 2005, 404 mil (65%) tiveram como destino a Rússia.
A capacidade de armazenagem do país é de 300 mil toneladas e já está toda ocupada, segundo José Roberto Moreira Leite, ex-presidente da Abiaf (Associação Brasileira da Indústria de Armazenagem Frigorificada).
Com a falta de compradores e as dificuldades de armazenagem, alguns produtores de frango já suspendem a produção, abatem e enterram os animais, afirma Leite. A crise deve chegar ainda mais forte na produção, segundo o ex-presidente da associação. Para Leite, vários investimentos no setor estão sendo interrompidos devido à insegurança dos produtores.
No caso da carne suína, os Estados do Sul são os mais prejudicados. O Rio Grande do Sul, que já tem 60 mil toneladas de carne estocadas -o normal é ter apenas 15 mil- vive a maior crise desde 1978, quando ocorreu a peste suína. Em vista dessa dificuldade, os gaúchos vão solicitar ao governo uma linha de crédito de R$ 150 milhões a R$ 200 milhões.
Com a porteira externa fechada, os preços desabam. Acompanhamento diário da Folha mostra que, do início de 2005 até agora, o preço da carne suína caiu 60% no mercado paulista; o da de frango, 56%; e o da bovina, 23%.