Os acusados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que atuavam na administração da Aracruz e da Sadia durante o episódio com derivativos em 2008 ficarão agora sujeitos ao julgamento da autarquia, uma vez que a proposta de termo de compromisso foi recusada. A pena máxima prevista pela Lei das Sociedades por Ações, caso fique provada a culpa dos envolvidos nos casos, é de multa de R$ 500 mil e inabilitação para atuação em companhias abertas por um prazo de até 20 anos.
Todos foram acusados de infringir a lei ao não empregarem a diligência necessária na gestão das empresas. A semelhança entre os casos está no fato de, em ambos, a autarquia ter concluído que os administradores – incluindo os conselheiros de administração e respectivos membros dos comitês de auditoria e finanças – foram negligentes, o que fundamentou as acusações.
A CVM encontrou indicações de que as reuniões desses órgãos deliberativos e fiscalizadores não ocorriam com a frequência que deveriam, muitas vezes eram meramente protocolares e seus participantes não se preparavam adequadamente para os debates. Tais informações constam do relatório da Superintendência de Processos Sancionadores e da Procuradoria Federal da CVM, utilizados como base para as decisões do Comitê de Termo de Compromisso, que recomendou ao colegiado a recusa da proposta de encerramentos dos processos mediante pagamento de uma quantia.
A recomendação do corpo técnico da CVM ao colegiado, órgão máximo das deliberações internas, não considerou nem o valor das propostas feitas pelos acusados nem a defesa apresentada pelos advogados. Todos os 24 acusados de ambas as companhias ofereceram o pagamento de R$ 200 mil cada um, com exceção do então presidente e diretor financeiro da Aracruz, Carlos Aguiar e Isac Zagury, que sugeriram R$ 400 mil cada.
O Valor procurou os acusados, mas a maioria preferiu não comentar o assunto. Zagury (ver reportagem ao lado) e a advogada de Adriano Ferreira, então diretor financeiro da Sadia em 2008, concordaram em comentar. Apenas três não foram localizados.
Caso houvesse disposição do colegiado da CVM de aceitar o termo de compromisso, os valores poderiam ser negociados. Contudo, tal possibilidade não foi citada na decisão de recusar as propostas, tomada em 9 de setembro e tornada pública na ata da reunião divulgada na noite de quinta.
O termo de compromisso é uma forma de se encerrar um processo sem que haja julgamento sobre a culpa ou a inocência dos acusados. A CVM é livre para negociar a quantia que julgar apropriada. Já num julgamento, caso fique provada a culpa dos acusados, há limitações legais para as penas. Além disso, sempre existe a possibilidade de que se constate a inocência dos envolvidos. No passado, já houve casos em que o regulador negou o acordo e depois absolveu os acusados.
O colegiado indicou, na sua decisão, que não julgava oportuna a celebração do termo para esses casos. Em seus relatórios, o Comitê de Termo de Compromisso e a Procuradoria Federal da autarquia destacam ainda o entendimento de que o encerramento dos processos mediante o pagamento de quantia negociada junto à CVM só poderia ser aceito caso as companhias fossem ressarcidas dos prejuízos que sofreram, conforme determina a legislação. A dificuldade de tal empreitada fica evidente pelos valores envolvidos. A Aracruz perdeu R$ 4,6 bilhões com as operações de alto risco, enquanto a Sadia teve prejuízo de R$ 2,6 bilhões.
Por fim, o comitê ressaltou que os casos aparentam demandar um pronunciamento norteador por parte da CVM, que seja feito por meio de julgamento, “até por ser este o momento apropriado à análise dos pormenores de cada conduta”. Assim, a autarquia conseguiria orientar as práticas do mercado em operações como as feitas por Aracruz e Sadia, “especialmente a atuação dos administradores de companhias abertas”.
Ambas as empresas perderam dinheiro com contratos derivativos cambiais de risco, que inicialmente visavam a proteção de suas receitas de exportação. Contudo, essas operações foram feitas em volume excedente às vendas internacionais. Eram operações que poderiam tanto trazer ganho quanto perda para as empresas. Entretanto, até antes do agravamento da crise financeira internacional, a trajetória de queda do dólar ante o real indicava maior chance de lucro do que de prejuízo. Cabe ressaltar que, na maioria dessas transações, o lucro das companhias era limitado no contrato com o banco, enquanto a perda não. Além disso, no cenário de prejuízo, os valores a serem pagos aos bancos deveriam ser multiplicados por dois.
Esses derivativos começaram a ser comercializados pelos bancos em 2007 e 2008 e atingiram diversas empresas brasileiras, incluindo muitas de capital fechado, de porte médio e sem qualquer receita de exportação que justificasse a exposição ao risco cambial. Entretanto, poucas viveram situações tão dramáticas como as de Sadia e Aracruz – as duas primeiras a relatar publicamente as perdas.
Fontes ligadas aos acusados acreditam que a recusa do encerramento antecipado dos casos, sem o julgamento, tem relação com a relevância e a exposição que esses episódios tiveram no mercado de capitais brasileiro. Além disso, entendem que o fato está relacionado com o ineditismo da situação.
Tanto nas investigações de Aracruz quanto de Sadia, a CVM constatou que as políticas financeiras foram descumpridas pelos diretores financeiros e que os órgãos de fiscalização desses executivos tiveram oportunidade ou de constatar o descumprimento, caso da Aracruz, ou falharam em não acompanhar de perto a atuação desses profissionais, caso da Sadia.
A advogada de Adriano Ferreira, Carmem Parkinson, afirma que no entendimento do executivo a política financeira não foi descumprida. Tal fato constará de sua defesa, bem como a consideração de que os contratos não eram operações ilegais em si.