Nos filmes é sempre a América que salva o dia, mas sem uma nova safra de super-heróis e uma economia que não enseja superpoderes, a liga do terceiro mundo, elegantemente rebatizada de Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e agora África do Sul), aparece para “salvar o mundo”, ou melhor, a parte velha dele.
Essa é uma visão que se pode dar a intenção dos Brics de ajudar os endividados governos europeus a sair da beira do precipício. Puro marketing.
A história começou com a China tendo conversas com ministros italianos. E poucas horas depois já virou uma cruzada de todos os Brics.
Cabe aqui um adendo, impressionante como uma estratégia de investimento criada por um banco (Goldman Sachs, em 2001) virou uma agenda política de fato.
Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os principais países emergentes vão discutir como ajudar os agora pobres europeus em reunião agendada para a semana que vem. Antes disso, esse mesmo Valor, na edição de terça-feira, mostrou que esse seleto grupo de países tenta preparar uma ação conjunta para sinalizar ajuda à economia global.
Como disse um economista que preferiu não se identificar, tal aceno dos Brics é algo positivo, pois mostra um mundo se comunicado melhor, com diversos governos tentando se coordenar para resolver um grande problema.
Mas no lado prático da coisa, diz esse mesmo economista, um ponto precisa ser bem definido, ainda mais se o Brasil resolver tomar parte na liga da salvação. Quem vai garantir o dinheiro investido?
O especialista lembra que 30 anos atrás, quando a coisa estava feia por aqui, esses mesmos países vinham com receita e remédio na mão e não aliviavam a cobrança na entrega de metas de forma alguma. De fato, não compraram papéis brasileiros, mas bolaram formas engenhosas, como o Plano Brady, para o país sair do buraco.
“Vai ter um FMI ditando a cartilha para a Itália e outros países? Os tomadores vão se submeter aos critérios dos credores? Quem efetivamente será o garantidor?”, questiona o especialista, apontando que antes de se pensar em tomar papéis na zona do euro, os governos têm de obter a resposta para essas perguntas. “O jogo terá de ser jogado na mesma regra.”
No caso especificamente brasileiro, qual a vantagem? Remunerar reservas? Ou apenas fazer marketing com dinheiro do contribuinte? “Tem que olhar para esses papéis como qualquer outro ‘junk bond’. O que parece barato pode ficar ainda mais barato”, diz o economista.
Olhando para a China, a figura é um pouco diferente. Primeiro, porque a China tem bala para resgatar sozinha um país inteiro com US$ 3,2 trilhões em reservas.
Segundo, diz o economista, não existe ganhador quando você mata seu cliente. Ou seja, a China não pode deixar a Europa ou os Estados Unidos sucumbirem já que esses são seus principais “clientes”.
Para o professor de economia da PUC-Rio, Márcio Garcia, o que vale a pena ser comprado na zona do euro não oferece preço interessante. Fala-se dos títulos da Alemanha que estão com retorno inferior ao americano. Fora que essa queda na taxa de remuneração dos papéis mostra que falta de demanda não está na lista de preocupações do governo alemão.
Para Garcia, o caso da China também deve ser visto de outra forma. O país asiático pode, de fato, fazer a diferença no resgate de uma economia como a da Itália. Já o Brasil, embora possua não desprezíveis US$ 350 bilhões, pode ficar fora disso.
“Enquanto for só uma jogada de marketing, tudo bem. Mas agora meter dinheiro nosso lá…”, diz o professor, lembrando que as reservas têm de representar total liquidez e que elas não existem para comprar títulos com elevado risco de calote.