O ano de 2013 foi um ano de mudanças importantes na política energética nacional. Assistimos a implementação da MP 579 que deu uma verdadeira guinada econômica no setor elétrico, desenhando um novo cenário muito mais complexo e nebuloso para o setor. Já no setor de óleo e gás, este foi um ano difícil, mas com um balanço positivo. A realização das três rodadas de licitação sinalizou para uma política mais favorável para o setor que reafirmou a perspectiva de crescimento.
O novo desafio do setor elétrico
Encerramos 2012 com uma grande discussão na sociedade em torno dos possíveis impactos econômicos relativos à implementação da MP 579, que extinguiu vários encargos do setor elétrico; antecipou a renovação das concessões de hidrelétricas e linhas de transmissão com tarifas muito reduzidas; e criou importantes passivos para o Governo Federal relativos às indenizações às empresas (principalmente federais) de ativos não amortizados.
Infelizmente, essas medidas não foram suficientes para garantir a redução de 20% nas tarifas elétricas prometidas pelo governo. No mesmo período em que a redução deveria acontecer, apareceu uma conta enorme a ser paga pelos consumidores. A baixa hidraulicidade do final de 2012 e 2013 resultou na necessidade de despachar as termelétricas para evitar a queda dos reservatórios. Para não permitir que o custo adicional do combustível das térmicas impedisse a prometida redução de 20%, o governo resolveu também mudar os critérios de remuneração deste custo, repassando para o tesouro nacional a conta relativa ao ano de 2013.
Muitos foram os críticos a alertarem para o perigo de desestruturação do regime de financiamento do setor elétrico. O governo, por sua vez, insistiu na tese de que o Tesouro Nacional teria todas as condições de arcar com os custos dos subsídios.
A nova dependência e relação entre o setor elétrico e o Tesouro Nacional não poderia ter começado pior. O governo passou todo o ano de 2013 a buscar formas de arcar com a conta criada pela MP 579. O custo adicional de combustível de 2013 foi basicamente coberto pelo saldo de recursos da RGE (R$ 10 bilhões). Estes recursos, por sua vez, estavam comprometidos com as indenizações de ativos não amortizados das concessões renovadas. Ao esgotar esta fonte, o governo foi obrigado a iniciar aportes diretos do tesouro no setor. Inicialmente, para arcar com as despesas dos subsídios antes financiados pela CDE, mas também deverá arcar com os custos relativos às indenizações.
O festival de truques contábeis e a ginástica financeira realizados pelo Governo lançam uma grande cortina de fumaça sobre o futuro do financiamento do setor elétrico. O contexto fiscal para os próximos anos não parece ser alentador. A perspectiva do setor elétrico passar a depender de subsídios diretos do Tesouro Federal é fonte de incertezas econômicas importantes.
Em síntese, 2013 deverá ser lembrado pela materialização de um cenário econômico muito mais desfavorável para o setor elétrico. O setor de distribuição conviveu com um contexto financeiro difícil e a percepção de risco dos investidores aumentou. Infelizmente, o setor voltou a flertar com uma situação de risco fiscal e financeiro que deverá pautar o debate nos próximos anos. Certamente, esta é uma agenda negativa que deverá ocupar um espaço precioso no debate sobre a política para o setor elétrico. Muitas questões de enorme relevância deverão ser colocadas para um segundo plano até que o cenário econômico do setor fique mais claro: i) implementação das hidrelétricas na Amazônia, políticas e diretrizes para inserção das renováveis e geração distribuída; papel dos reservatórios hidrelétricos e das termelétricas como back-up das fontes intermitentes; promoção da eficiência energética; entre outros.
É muito importante uma discussão rápida e direta sobre o regime de financiamento do setor elétrico. Este tema não permite improvisações. A ideia de que todo ano o governo irá discutir e decidir de onde virão os recursos para as políticas do setor elétrico (subsídios aos sistemas isolados, custo dos combustíveis das térmicas, Procel, Luz para Todos e indenizações de ativos para renovação de concessões) simplesmente não é viável econômico e politicamente. Estas incertezas irão contribuir para dificultar os investimentos necessários para se garantir a segurança do abastecimento. Dificuldade essa agravada pela fragilização do setor elétrico estatal levada a cabo pela MP 579, que retirou do Estado brasileiro um recurso fundamental para fazer frente às crises e desafios da expansão do suprimento elétrico no país.
Setor de petróleo e gás: um ano difícil, mas com balanço positivo
O ano de 2013 também não foi um ano fácil para o setor de óleo e gás no Brasil. Apesar do volume recorde de investimentos por parte da Petrobras e suas parceiras, o setor teve que enfrentar um contexto econômico e financeiro complicado. As principais dificuldades foram causadas pelos seguintes fatores: i) controle dos preços de derivados de petróleo no país que impôs perdas muito significativas para a Petrobras; ii) crise financeira da OGX; iv) impacto da falta de rodadas nos 5 anos precedentes.
Além de enfrentar preços derivados defasados, a Petrobras teve que importar uma quantidade recorde de combustíveis e gás natural. Não foi apenas a Petrobras que sofreu as consequências da contenção dos preços dos derivados. O setor de etanol também enfrenta grandes dificuldades econômicas em razão da contenção dos preços da gasolina. A queda na produção de etanol implicou na necessidade de importar volumes crescentes de gasolina. Para piorar, a Petrobras teve que importar uma grande quantidade de GNL para viabilizar o despacho térmico.
Para se adaptar à contenção dos preços dos derivados no Brasil num contexto de grandes investimentos, a Petrobras adotou o lema da disciplina de capital. Esta maior disciplina teve implicações importantes para a cadeia de fornecedores. A concentração das compras de bens e serviços na Petrobras deu à empresa uma grande capacidade de negociação com os fornecedores visando a redução de custos. Por esta razão, foram muitas as notícias nos jornais sobre empresas fornecedoras em dificuldade financeira. Em particular, as empresas nacionais menos capitalizadas tiveram problemas para se adaptar ao novo ambiente de negócios.
A crise financeira do grupo EBX também teve consequências para o ambiente de negócios no setor de óleo e gás. A percepção de risco por parte dos investidores aumentou muito, afetando o custo de captação para as pequenas e médias empresas independentes atuando no Brasil. A dificuldade de captação de recursos acaba impactando no valor dos ativos já que algumas empresas são forçadas a vender parte dos ativos para se capitalizarem ou a reduzir os ritmo dos investimentos.
Apesar da Petrobras experimentar um ritmo acelerado de investimentos, o setor de óleo e gás ainda teve que enfrentar as consequências do hiato de 5 anos sem rodadas. Muitas operadoras tiveram que reduzir o ritmo de atividades no país neste ano por falta de portfólio exploratório.
Neste cenário, as três Rodadas de Licitação organizadas pela ANP representaram um enorme alento para o setor. Ainda que os efeitos
econômicos diretos destas rodadas não tenham se concretizado neste ano, as rodadas apontam para um futuro bastante promissor. As empresas presentes no país puderam recompor seus portfólios de exploração e novas empresas vieram para o país. As rodadas foram fundamentais não apenas para viabilizar a continuidade exploratória no país, mas para abrir o horizonte de desenvolvimento da indústria.
No que tange ao ambiente offshore, é importante destacar o Leilão de Libra que inaugurou o contrato de Partilha. Este leilão deu materialidade para o esforço político empreendido pelo Governo para mudar o arcabouço institucional e o regime fiscal para a área do Pré-sal. Apesar destas mudanças terem sofrido muitas críticas por parte da indústria, a criação da PPSA, a elaboração do contrato de partilha e a realização do leilão contribuíram para dissipar uma frustração e o sentimento de que a politização das discussões sobre o Pré-sal não estava levando o setor a lugar algum.
Apesar da frustração com a falta de concorrência no leilão de Libra, o que certamente coloca em questão o desenho atual para os leilões para a área do Pré-sal, o consórcio vencedor certamente está à altura dos desafios técnicos e econômicos de Libra. São muitos os desafios institucionais e econômicos a serem vencidos, mas o leilão de Libra será um marco importante para o setor de petróleo nacional.
No que tange ao ambiente onshore, o leilão de áreas vocacionadas para gás, inclusive não convencional, inaugurou uma nova avenida para a exploração de petróleo e gás no Brasil. Trata-se de um novo modelo de negócios para o setor de gás no país. Além de exigir novas tecnologias, a exploração de gás não convencional irá exigir inovações em termos de estratégias comerciais para monetização das eventuais descobertas. A retomada da exploração em terra poderá representar uma oportunidade para mudanças importantes no
cenário da nossa indústria de gás, marcado pela instabilidade e escassez nos últimos anos.
Apesar dos percalços enfrentados pela indústria em 2013, as perspectivas para 2014 parecem mais alvissareiras. Muitos desafios ainda deverão ser enfrentados, mas as rodadas de 2013 trouxeram um novo momento político e mais ânimo ao setor.
Desafios de 2014
2014 será um ano de grandes desafios para o setor energético nacional. Em particular, é urgente equacionar a questão do financiamento da Petrobras e do setor elétrico. Esta questão é urgente porque crise financeira é algo que traz risco de morte. Os outros desafios são importantes, mas não matam no curto prazo. Neste sentido, o período eleitoral representará uma excelente oportunidade para se debater questões relevantes sobre a política energética nacional.
* Edmar de Almeida é professor adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro do Grupo de Economia de Energia do IE/UFRJ.
(Nota: artigo publicado no Infopetro – infopetro.wordpress.com – blog do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro