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Soja: Fartura e pouco dinheiro

Mercado que ainda 'olha' pelo foco da demanda faz as contas e projeta um abismo entre consumo e a superoferta da soja. 2010 promete ser um ano do paradoxo à agricultura.

Depois do desequilíbrio entre a receita e despesa que deu origem à crise do agronegócio ainda na reta final de 2004, agora é o descasamento entre oferta e demanda que levam temor ao campo. 2010 promete ser um ano do paradoxo à agricultura. Ao mesmo tempo em que os produtores vão colher uma supersafra, fundamentos apontam para uma das piores rentabilidades dos últimos anos.

Com os baixos preços da soja em Chicago (EUA) e câmbio desvalorizado em relação ao real, os sojicultores mato-grossenses chegam neste novo ano cercados de projeções negativas por conta da redução da demanda internacional e elevação da oferta internacional pela expectativa de safra cheia na América do Sul e nos Estados Unidos. A leitura deste quadro é de que 2010 será um ano de muita fartura, porém de pouco ganho para o produtor. Ruim também para o exportador, que certamente terá problemas para comercializar a safra e colherá pouco resultado.

No Brasil, a colheita pode ultrapassar em quase 13% o volume anterior, atingindo recorde de 65 milhões de toneladas, depois que muitos produtores optaram pela cultura em substituição ao milho, devido ao excesso deste grão em 2009 e ao temor da falta de armazéns para abrigar a produção este ano. Em Mato Grosso, mais de dois milhões de toneladas de milho chegaram a ficar a céu aberto no ano passado por falta de armazenamento. Quanto à soja, o cenário traçado por especialistas é de aumento de 19% na oferta mundial da oleaginosa, 253 milhões de toneladas.

Para Eduardo Godoy, da AgRural, os preços em 2010 vão sofrer pressão devido à boa safra nos estados produtores brasileiros – Mato Grosso, maior produtor nacional, sozinho deve colher 18 milhões de toneladas, um recorde, e o Brasil 65,16 milhões de toneladas ante as 57,16 milhões de toneladas de 2009 (avanço de 14%) – e à superoferta prevista das safras norte-americana e argentina. “Tivemos a confirmação de uma supersafra nos EUA, já configurada em 91,40 milhões de toneladas, contra 80,70 milhões da safra anterior, incremento de 13,25%”, aponta o especialista, lembrando que a safra norte-americana de 2010 deverá ser a maior de toda a história. O País é o maior produtor e exportador mundial da oleaginosa.

A produção argentina deverá dar um surpreendente salto de 65,62%, passando de 32 milhões de toneladas para 53 milhões de toneladas. É este aumento de safra que tende a exercer pressão baixista sobre as cotações futuras nos primeiros meses do ano. Os argentinos se recuperam nesta safra da seca que minou a cultura no ciclo passado.

Demanda – De acordo com Godoy, os importadores chineses acreditam que as boas safras de Brasil e Argentina podem levar a um grande recuo nos preços da soja em Chicago, que costuma refletir o desempenho das exportações norte-americanas. De setembro de 2009 a janeiro de 2010, a China importou 19,8 milhões de toneladas de soja dos EUA, um volume 68% acima das compras realizadas no mesmo período da temporada passada. Para janeiro de 2010, as importações de soja da China – o maior importador mundial – estão estimadas em 3,3 milhões de toneladas.

“Devemos estar atentos para o risco de uma superoferta mundial, já que o mercado espera um incremento de 42,52 milhões de toneladas de soja, cuja safra deverá pular de 210,86 milhões de toneladas para 253,38 milhões de toneladas, de acordo com previsões do USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos)”, salienta o especialista da AgRural.

Este aumento tende a exercer pressão baixista sobre as cotações futuras nos primeiros meses do ano que vem.

Segundo Eduardo Godoy, mesmo que o mercado tenha expectativa de uma forte demanda das importações chinesas, “neste momento o mercado está preferindo olhar mais pelo lado da oferta do que pelo da demanda”.

Para Carlos Cogo, do Mercado da Soja, o mercado está voltado hoje para a demanda, mas isso deve mudar nos próximos meses com a evolução da safra na América do Sul. A produção da safra sul-americana de soja 2009/2010 deve ser 30,5 milhões de toneladas maiores do que a registrada na safra passada, o que significará um crescimento de 34,6% nos estoques mundiais do grão.

“A demanda mundial deve crescer 6%, mas não será suficiente para enxugar toda essa oferta adicional de soja. Para que tudo isso se confirme, teremos de confirmar as estimativas de safra recorde na América do Sul, o que elevaria a oferta mundial para um nível bastante superior à demanda projetada em 2009/2010”, analisa.