Cobrado pelas indústrias exportadoras para ajudar a reverter o embargo da Rússia às carnes brasileiras, o vice-presidente Michel Temer enviará uma carta ao primeiro-ministro russo Vladimir Putin solicitando o adiamento da suspensão das compras até o fim de “negociações técnicas” nos próximos dias.
Após apelos do ministro da Agricultura, Wagner Rossi, o vice decidiu ontem enviar uma carta em tom diplomático, mas recheada de “recados” ao parceiro comercial, apurou o Valor. Ao mesmo tempo em que agradece a “acolhida” recebida durante visita a Moscou em meados de maio, Temer pede que o comércio não seja suspenso até o fim dos “entendimentos” iniciados por ele e Putin.
Em declaração conjunta, ambos combinaram procedimentos de “consultas regulares” em questões de segurança alimentar e “prioridade, de forma recíproca” a solicitações de registro e habilitação de produtos e estabelecimentos. O objetivo era justamente evitar medidas unilaterais como o embargo a 85 estabelecimentos exportadores brasileiros de Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul.
Em correspondência, o vice-presidente afirma que o embargo prejudica as vendas brasileiras à Rússia, mas também implica impactos às importações russas. Temer afirma haver “situação crítica” nos três Estados, “particularmente” no segmento de carne suína, lembrando a Putin ter ficado combinada a volta de uma missão técnica para negociar os detalhes de um acordo definitivo na área sanitária.
Cuidadoso para evitar reações irritadas no parceiro comercial, que importa US$ 4,4 bilhões em carnes nacionais, Michel Temer afirma que o governo brasileiro fará “esforços para preservar relacionamentos” com a Rússia.
A intervenção direta do vice-presidente em uma questão sanitária, considerado um “simples problema comercial” por fontes do Itamaraty, embute uma avaliação interna de equívoco do próprio governo ao tratar com os russos. Nos bastidores, fontes oficiais avaliam ter havido um “erro de avaliação” do governo ao não enviar um negociador de assuntos na Organização Mundial do Comércio (OMC) na missão comandada pelo vice-presidente Temer. O Itamaraty preferiu, segundo essas fontes, tirar o assunto OMC da pauta oficial de negociações para “preservar” Temer de eventuais constrangimentos diplomáticos.
Como esse era considerado o principal tema da pauta com o vice-presidente por Moscou, já que há uma década a Rússia tenta ingressar na OMC, houve uma forte reação na cúpula do governo russo. A avaliação interna do governo é que o Itamaraty acabou provocando a “fúria” dos russos, que só pensam em entrar logo na OMC.
A estratégia deveria ter sido, avalia-se no governo, mandar um negociador experiente para “tourear” os russos, deixando o tema OMC como uma “carta na manga” do vice-presidente. Assim, a pendência poderia ser resolvida no “undécimo minuto”, quando os russos já tivessem chegado ao fim de suas negociações com Estados Unidos e com a Europa, dois dos principais atores na OMC.
Dessa maneira, seria menos difícil negociar as cotas de carnes pretendidas pelo Brasil. Os russos oferecem manter o atual sistema até 2020, mas o Brasil insiste em melhorar a proposta russa para abocanhar uma fatia mais gorda das importações russas de carne, sobretudo em frangos e suínos. No dia anterior ao anúncio do embargo, negociadores brasileiros insistiram nessa melhora, mas os russos rejeitaram os apelos. No dia seguinte, anunciaram o embargo dos 85 frigoríficos, o que foi considerada uma “medida desproporcional” pela diplomacia brasileira.