Michel Temer desembarcou na quinta (31) em Pequim para sua primeira visita de Estado à China e participar da 9ª Cúpula dos Brics, que começa neste domingo (3), em Xiamen.
O presidente se encontrou com grandes empresários e com os três homens mais importantes da China. Assinou 25 memorandos de entendimento e acordos bilaterais e ofereceu mais de 50 projetos de investimento no Brasil, em áreas como privatização de aeroportos e empresas elétricas, linhas de transmissão e terminais portuários. Houve ainda avanços em temas como facilitação de vistos e cooperação em futebol, audiovisual, comércio eletrônico e outros.
A visita marca também o forte crescimento do comércio, dos investimentos e das relações pessoais entre os países. A China já é nosso principal parceiro comercial. Em breve será o maior investidor no Brasil, com grandes interesses em energia, transportes, agronegócio, telecomunicações, setor financeiro e infraestrutura.
Mas nem tudo é “céu de brigadeiro”. Turbulências e choques têm sido cada vez mais frequentes, principalmente na área comercial.
O Departamento de Defesa Comercial do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços do Brasil impôs centenas de direitos antidumping e compromissos de preços em 57 processos recentes aplicados contra a China, sendo o aço o mais sensível de todos.
Do outro lado, a China recentemente impôs salvaguarda contra o açúcar de países que representam mais de 3% das importações do produto, atingindo em cheio o Brasil. No ano passado, o Brasil respondeu por quase metade das importações chinesas e vinha conseguindo exportar apesar da indecente tarifa extracota de 50%. O processo impôs uma tarifa adicional de 45%, levando a proteção chinesa a 95%, o que barrou de vez a entrada do nosso açúcar bruto (VHP) na China.
Uma semana antes de Temer chegar Pequim, o Ministério do Comércio da China anunciou o início de investigação antidumping contra a carne de frango brasileira. A indústria chinesa alega que o Brasil venderia frango na China a preço 40% inferior ao do mercado brasileiro. Não há nenhuma evidência nesse sentido, até porque boa parte das exportações é composta por patas de frango, cujo valor é irrisório no Brasil.
Açúcar e frango ocupam a 5ª e a 6ª posições nas exportações brasileiras para a China, com um volume total de comércio de quase US$ 2 bilhões por ano, ou 5% das vendas do Brasil para aquele país.
Infelizmente tem ocorrido uma escalada de conflitos entre os dois países, liderada por grupos protecionistas dos dois lados. Isso acaba reduzindo as agendas presidenciais e ministeriais a temas emergenciais e imediatistas, como pedidos de habilitação de unidades produtivas para exportar, reclamações mútuas sobre processos de defesa comercial, excesso de burocracias e falta de transparência, além da solução de questões que continuam há anos pendentes na agenda bilateral.
Reuniões de chefes de Estado como aquelas de que o Brasil participa neste momento deveriam olhar para os grandes desafios de longo prazo e para as oportunidades que eles geram para países continentais como o Brasil e a China. A
solução de boa parte dos problemas que esses países enfrentam encontra-se exatamente na intensificação das relações, não apenas as comerciais e de investimento, mas principalmente as pessoais e de confiança entre os países.
Em vez de alimentar setores protecionistas, no prato principal da agenda do presidente na visita de Estado deveriam estar segurança alimentar e energética, sustentabilidade, sanidade e qualidade dos alimentos e integração efetiva de cadeias de valor com a China, o Brics e o mundo.
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 02/09/2017
(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.