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Exportação

UE, antes 'filé', vira osso duro de roer

Exportações de carne para União Europeia caíram no ano passado e golpeou um setor que já sofria com a escassez de oferta.

Uma lista que não cresce, uma Europa que precisa mas resiste, um setor que avançou mais do que podia, uma crise que ninguém sabe quando terá fim. As linhas acima podem soar grego para quem não é do ramo, mas o setor de carne bovina brasileiro sabe exatamente do que se trata. A dita lista fez as exportações de carne caírem no ano passado e golpeou um setor que já sofria com a escassez de oferta de boi. E tudo ficou pior com o agravamento da crise financeira internacional a partir do último trimestre de 2008.

Essa combinação levou o setor de frigoríficos a uma crise que já gerou seis pedidos de recuperação judicial, fechamento de unidades de abate e milhares de pessoas demitidas no país.

O que pesou mais para o atual cenário? A resposta não é consenso. Mas o pecuarista Pedro de Camargo Neto, que também preside a Abipecs (entidade que reúne exportadores de suínos), responsabiliza principalmente a perda do mercado europeu por conta das exigências da União Europeia a partir do início de 2008. Naquela ocasião, o bloco passou a exigir que apenas uma lista restrita de fazendas, com a rastreabilidade comprovada no Sisbov, pudesse fornecer animais para abate para abastecer países da UE.

Resultado: as exportações de carne in natura para o bloco, que alcançaram 314.358 toneladas em 2006 e 195.240 toneladas em 2007, caíram para tímidas 36.218 toneladas ano passado, segundo a Secretaria de Comércio Exterior.

A razão: com uma lista restrita de fazendas certificadas – hoje são 867 em todo o país -, o Brasil não conseguiu manter os volumes que vinha embarcando. A receita com as vendas para a Europa, um cliente que pagava por cortes caros, também despencou: de US$ 1,087 bilhão em 2007 para US$ 270,5 milhões ano passado.

Segundo Camargo Neto, o fechamento da Europa fez com que o Brasil perdesse US$ 1,3 bilhão em receita com exportações. Ele chegou ao número depois de calcular quanto o país poderia ter exportado em carne in natura à UE caso não houvesse a restrição. Considerando um preço médio de venda para o bloco de US$ 5 mil por tonelada e um volume de 300 mil toneladas, a receita com os embarques à UE chegaria a US$ 1,5 bilhão.

No ano passado, o valor total exportado pelo Brasil em carne in natura chegou a US$ 4 bilhões. Assim, nas contas de Camargo Neto, poderia ter alcançado US$ 5,3 bilhões não fosse o fechamento do mercado europeu.

“Exportamos menos, ao redor de 250.000 toneladas de cortes nobres para a Europa, produto que tem um preço alto, não de carcaça ou dianteiro”, lamenta, acrescentando que esses cortes foram vendidos no mercado doméstico e para outros países importadores, mas por um valor menor.

“A solução para a crise deve contemplar a retomada das exportações para a Europa”, diz o pecuarista, para quem a inclusão de fazendas no Sisbov é muito lenta. A visão é compartilhada por Otávio Cançado, diretor da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Bovina (Abiec).

“A origem do problema da exportação é a UE”, concorda Pratini de Moraes, consultor da JBS, ex-presidente da Abiec e ex-ministro da Agricultura. De acordo com Pratini, antes da imposição da lista pela UE, cerca de 15.500 propriedades do país podiam fornecer animais para abate e exportação ao mercado europeu. O número é quase 18 vezes maior do que o total de fazendas habilitadas até hoje. “Vai levar cinco a seis anos e não conseguiremos colocar [na lista] esse número de fazendas”, estima.

Camargo Neto defende que o sistema definido para atender a UE – “burocrático e difícil de ser cumprido” pelos criadores – seja revisto e avalia que, depois dos frigoríficos, o pecuarista pode ser o “próximo grande perdedor”.

Já Pratini considera protecionista a exigência europeia e defende que o Brasil aplique “reciprocidade” em relação à UE, com a adoção de medidas que gerem, ao bloco, perdas semelhantes às que a exigência gera ao Brasil.

Apesar de concordar que a queda das exportações à UE contribuiu para a crise do setor de carne bovina, José Vicente Ferraz, da AgraFNP, avalia que o que mais pesou foi a escassez de oferta de bovinos, por conta do ajuste da produção após forte abate de matrizes. “Todos os ciclos de alta [de preços] têm quebra de frigoríficos”, afirma. Ele observa que os frigoríficos vinham com capacidade ociosa após período de investimentos. Então, veio a crise que diminuiu o capital de giro das empresas.

Para Ferraz, a tendência seria a UE aliviar as restrições à carne brasileira, não fosse a crise global. A razão é que o bloco precisa da carne brasileira, já que previsões indicam um déficit de 400 mil toneladas do produto no bloco até 2015.

Mas, por enquanto, nada de flexibilização das exigências pela UE, medida que o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Inácio Kroetz, admite ser necessária para que a lista de fazendas (que nos próximos dias deve alcançar 912), cresça. Segundo ele, o ministério aguarda relatório da missão da UE, que visitou o país para avaliar a rastreabilidade, para propor modificações na certificação sem que a segurança do processo seja comprometida. Ele não especificou quais seriam as mudanças no sistema que atualmente permite que bois certificados obtenham prêmios de 10% a 15%.

Kroetz rebate o argumento de que a restrição da UE gerou a crise no setor de frigoríficos. “Em parte contribuiu, mas também houve recuo das exportações para outros mercados”, disse.

No primeiro trimestre deste ano, as exportações de carne para a UE seguiram tímidas. Em janeiro foram 2.591 toneladas, em fevereiro, 2.418 e em março, 3.494 toneladas. Cançado observa que, comparados a 2007, quando o Brasil ainda não sofria a restrição, a queda é forte. Em março daquele ano, o país exportou 19.104 toneladas. “Só é possível falar em recomposição de estoques”, diz, acrescentando que o volume seria maior se houvesse mais fazendas na lista.