Redação (16/09/2008)- A União Européia (UE) e o Brasil podem entrar em rota de colisão em relação às cotas de exportação de carne de frango salgado brasileiro para o mercado comunitário. A UE pediu ontem ao governo brasileiro a suspensão da entrada em vigor do novo modelo de distribuição de cotas de exportação do produto para o mercado europeu, marcada para o dia 1º de outubro.
Em carta enviada ao governo, Bruxelas propôs uma consulta bilateral para sexta-feira, dia 19, na prática para contestar o novo modelo, que foi aprovado pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) a pedido dos exportadores brasileiros. Nesse modelo, é o Brasil que administra as cotas e não mais a União Européia.
A UE alega que um compromisso firmado com o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) prevê esse tipo de consultas sobre qualquer alteração na administração da cota para o frango salgado.
A União Européia demonstra "especial zelo", na expressão de uma fonte, sobre essa questão. A reunião bilateral pode ser por videoconferência. Uma alegação européia é de que o Brasil estaria rompendo a cláusula de não-discriminação. Por sua vez, Brasília deve argumentar que não há nada de errado com sua decisão.
O que está atrás desse debate é a disputa sobre o destino de cerca de US$ 500 milhões por ano, se para os importadores europeus, como é atualmente, ou para os exportadores brasileiros.
A UE atribuiu cota de 170 mil toneladas (com tarifa menor) de frango salgado para o Brasil em meados do ano passado, depois da vitória do país e da Tailândia contra o bloco europeu na OMC em 2005. Nesse contencioso, a OMC considerou ilegal a mudança de classificação tarifária do frango salgado pela UE, o que elevou a sua taxa de importação de 15,4% para 75%. Perdida a briga, Bruxelas criou a cota para evitar uma superoferta do produto brasileiro em seu mercado.
Dentro da cota, a tarifa de importação é de 15,4%. Nos volumes extra-cota, a alíquota é 1.300 euros por tonelada. Os brasileiros achavam que poderiam ganhar mais, a partir de um Certificado de Origem Especial que identificaria a venda dentro da cota.
Ocorre que, na falta de transparência do sistema europeu, as licenças de importação para comprar o frango brasileiro pela cota acabam em geral nas mãos de importadores não tradicionais, que as vendem. Criou-se assim um mercado desses papéis, em que cada licença é negociada a ? 500 euros por tonelada.
Obrigados a recorrer ao mercado de licenças, importadores cobram de exportadores brasileiros um "desconto" equivalente no preço do frango. A alegação é que tiveram de pagar pela licença para comprar o produto. Com isso, os exportadores brasileiros alegam que sua renda é reduzida, assim como a diferença entre os preços intra e extra-cota. Segundo eles, a administração das cotas pela União Européia fez a indústria nacional deixar de ganhar até US$ 500 milhões entre julho de 2007 e junho deste ano.
Após dois anos de tentativas, a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frango (Abef) conseguiu que a Camex aprovasse um novo modelo de distribuição das cotas. Nesse novo sistema, é o governo que distribui o volume que caberá a cada empresa exportadora dentro da cota, evitando a pressão de importadores pelo "desconto". Pelo que foi acertado, 90% do volume será dividido entre as empresas exportadoras com base na performance histórica de suas vendas à UE nos últimos três anos. Os restantes 10% serão reserva técnica para a entrada de novos exportadores.
Os europeus não são os únicos a questionar a mudança na administração da cota de exportação de frango salgado: pequenos exportadores brasileiros consideram o sistema discriminatório e dizem que apenas grandes empresas exportadoras serão beneficiadas por ele.
Como o modelo se baseia na performance das empresas na exportação nos últimos três anos, as maiores companhias ficariam com 60% a 70% da cota, afirma Alexandre Paiva, da exportadora Fitfoods. Empresas pequenas ficarão sem exportar, afirma outra fonte ligada às companhias que não concordam com a cota. "O modelo de cotas não está em conformidade com o acordo que o Brasil tem com a União Européia".
De acordo com Alexandre Paiva, mesmo dentro da Abef há empresas que discordam do modelo definido. "Não há unanimidade". Ele diz ainda que companhias menores que começarem a vender frango salgado agora para a UE também serão prejudicadas. "É discriminatório e sem transparência", afirma o executivo da Fitfoods.
Procurada pela reportagem, a Abef não havia retornado a ligação até o fechamento desta edição.