Da Redação 22/03/2004 – 05h27 – Um dos nós mais intrincados das negociações globais da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do acordo de livre comércio em discussão entre o Mercosul e a União Européia pode começar a ser desatado no dia 15 de abril, em Bruxelas. A União Européia decidiu apresentar ao Mercosul uma oferta de acesso a seu mercado agrícola que amarrará as posições de ambos sobre esse tema na OMC.
Desenhada nas últimas semanas, em Bruxelas, a fórmula prevê que o Mercosul poderá garantir para si, antecipadamente, cerca de 30% da oferta sobre agricultura que a União Européia encaminhará indistintamente a todos os países, na OMC. Em seguida, o Mercosul disputará com os demais países interessados nesse mercado seu naco dos 70% restantes.
“É uma cenoura do tamanho de um bonde, do ponto de vista do agronegócio”, afirmou um negociador que acompanhou a elaboração dessa fórmula, que ainda deverá passar pela aprovação dos 15 países membros da União Européia.
Na prática, a fórmula acaba com a ladainha do “single pocket” dos negociadores europeus – aquela em que a União Européia dizia não querer fazer concessões duas vezes ao Mercosul, primeiro no acordo de livre comércio, depois, na Rodada Doha. Esse refrão sempre causou mal estar em Brasília e em Buenos Aires. Em seu lugar, aparece o jingle do “two steps approach”, aparentemente mais simpático.
A principal incógnita é saber o que significam os 100% da proposta da União Européia, que será baseada essencialmente na criação ou ampliação de cotas para a importação de produtos agrícolas. Tendo em mente todo o pacote de concessões que os europeus estão dispostos a fazer, será mais fácil avaliar o real tamanho da cota de 30% reservada antecipadamente ao Mercosul.
O esforço para que essa oferta seja exitosa será iniciado nas próximas semanas. A Comissão Européia deverá enviar uma missão do “mais alto nível técnico” para os quatro países do Mercosul para explicar a proposta – e colher as primeiras reações – antes de apresentá-la formalmente, no dia 15 de abril. Nessa data, de acordo com o calendário das negociações, os dois blocos deverão encaminhar as ofertas melhoradas sobre os diferentes temas em discussão.
Entre os dias 3 e 7 de maio, em Bruxelas, o Comitê de Negociações Birregionais (CNB) se reunirá novamente com o objetivo de fechar o quebra-cabeças composto pelas diferentes propostas. No final de maio, durante a reunião de cúpula América Latina-União Européia, em Guadalajara, no México, os líderes dos países dos dois blocos pretendem bater o martelo no acordo. Os detalhes continuariam sendo negociados até o final do terceiro trimestre deste ano.
Essa aposta alta tem uma razão. Em outubro, a Comissão Européia será renovada, com a eleição de novos comissários. A atual administração não pretende encerrar seu mandato sem deixar um tratado amplo, sobretudo na área comercial, como herança. Por outro lado, os mesmos comissários sabem que, com o Mercosul satisfeito em termos de acesso ao mercado europeu de produtos agropecuários, boa parte dos dilemas e entraves na negociação agrícola da OMC estarão resolvidos.
“As duas negociações são muito ligadas entre si. Tudo depende do que a UE e o Mercosul podem acertar juntos sobre a oferta de acesso a mercado na OMC”, afirmou um diplomata francês.