Redação (17/03/2009)- Um retrato de corpo inteiro da tragédia que importamos da economia mundial pode ser apreciado na tabela abaixo:
Estávamos rodando a 6,5% ao ano, para susto do Banco Central e grande preocupação dos economistas que, com base no produto potencial "cientificamente" construído com equações de produção macroeconômicas (que só existem nos "faz-de-conta" das projeções de salas de aulas), garantiam que não poderíamos crescer mais do que 4% sem gerar um processo inflacionário. De fato havia pressão inflacionária, possivelmente produzida por duas componentes: uma interna, mal caracterizada, porque nunca se encontrou um grave desequilíbrio setorial entre oferta e procura, e outra externa, introjetada quando a "mágica" de valorizar o câmbio pelo diferencial de taxas de juro interna e externa deixou de funcionar, uma vez que o aumento dos preços externos (medidos pelo Commodities Research Bureau) foi maior do que a "supervalorização" do real.
O IPCA declinou juntamente com a queda do custo da alimentação de maio de 2005 até julho de 2007 porque o índice CRB permaneceu relativamente estável e a taxa de câmbio valorizou-se em resposta ao ciclo de aumento da taxa de juros (2004-05). Isso custou queda brutal do crescimento do PIB (5,7% em 2004 e 3,2% em 2005). O mesmo fenômeno é visto no ciclo atual.
A ligação antes mencionada entre os preços externos de alimentação (CRB) e a taxa de câmbio nominal revela que, provavelmente, foi mesmo a "valorização" artificial do real o fator mais importante para o controle da inflação, que era importada como sugeria a comparação internacional. No Brasil, uma taxa de inflação entre 4% e 5% parece ser necessária para dissipar o calor gerado pelos atritos estruturais que ainda engessam o sistema econômico. Combatê-la valorizando o câmbio ou tentando cortar a demanda global, em lugar de reduzir os atritos pela flexibilização dos mercados, acabará desmoralizando a política monetária, além de impor custos inaceitáveis para o crescimento econômico.
É preciso chamar a atenção para o fato que o novo ciclo de aumento da taxa de juros real no Brasil, (sugerido sempre pela mesma "ciência"), iniciou-se em abril de 2008, quando a economia mundial já entrava em graves dificuldades e, praticamente, todos os países estavam reduzindo as suas taxas de juros. A partir do terceiro trimestre de 2007, o crescimento do PIB mundial iniciava sua redução, que se acelerou dramaticamente depois da barbeiragem do Tesouro Americano e do FED no "affair" Lehman Brothers, em setembro. Só no terceiro trimestre de 2006 a taxa de crescimento do PIB brasileiro alcançou o crescimento mundial, o que ainda acontece, a despeito do mergulho do último trimestre de 2008. Antes disso, crescemos menos do que o mundo durante uma geração!
Como deve ser claro, soubemos aproveitar o "bônus" de estar no mundo no momento da grande expansão (2002/07) e, como é natural, vamos ter o "ônus" de estar nele. Mas a "morte súbita" do 4º trimestre de 2008 revela, principalmente, a miopia da política do BC. Ele tinha condições de dar, e não deu, o conforto mínimo para que o hígido sistema bancário brasileiro não tivesse que, por precaução, destruir o nosso crédito interbancário, como aconteceu instantaneamente no dia 16 de setembro. Não apenas demorou a entender o que se passava, como atrasou as medidas e quando as tomou o fez em doses sempre homeopáticas.
Agora é um pouco tarde. Mesmo com a redução dos juros, o "carry over" de 2008 vai produzir um crescimento menor do PIB em 2009. Esse crescimento não está escrito nem em 2008, nem nas estrelas. Ele vai depender do que o setor privado e, principalmente, o governo souberem e forem capazes de fazer nos próximos nove meses que nos restam. A esperança do Brasil é que não sentem no meio-fio e continuem a chorar!
*Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras