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Sustentabilidade

Venda de créditos à Europa melhora vida de suinocultores no MS

Para criadores, depois da carne, o melhor produto do porco são os dejetos. Há três anos, moradores de São Gabriel do Oeste (MS) decidiram substituir a lavoura pela criação de suínos.

Depois da carne, o melhor produto do porco são os dejetos. A frase bem humorada é ouvida com frequência no assentamento Campanário, em São Gabriel do Oeste (MS), a 150 quilômetros de Campo Grande. O assentamento foi criado pelo Incra em 1997, beneficiando 132 famílias. Inicialmente, todas eram dedicadas à produção de soja. Mas, há três anos, onze moradores decidiram substituir a lavoura pela criação de suínos, com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Em lugar de degradarem água e solo com dejetos, foram um dos primeiros assentamentos do País a implantar biodigestores nas granjas de suinocultura. Agora, vendem créditos de carbono para empresas europeias que não conseguiram reduzir sua emissão de gases.

O biodigestor é um equipamento que transforma o metano exalado pela decomposição de matéria orgânica em energia e gás carbônico, 21 vezes menos poluente. Olhando de fora, parece um balão de gás enterrado no solo. De um lado, entram os detritos e, do outro, sai biofertilizante. Lá dentro, uma série de reações químicas diminui a poluição enquanto gera energia.

Em São Gabriel do Oeste, os onze equipamentos do projeto Campanário funcionam desde 2009. Com base no Protocolo de Kioto, eles foram financiados por corporações europeias que não conseguiram diminuir sua contribuição para o efeito estufa. A implantação do sistema foi viabilizada pela parceria entre a Associação Campanário de Agricultores Familiares (Acafe), Cooperativa Agrícola de São Gabriel do Oeste (Cooasgo), que financiou a suinocultura integrada e os motores movidos a biogás, e a Brascarbon, empresa de tecnologia.

O pagamento anual dos créditos de carbono pelos europeus é calculado conforme a quantidade de poluentes não jogados na atmosfera pelos assentados brasileiros. Durante os sete primeiros anos, os agricultores recebem R$ 1,2 mil correspondentes a 10% do valor destinado. O restante vai para a empresa que construiu e faz a manutenção dos equipamentos. Após o período de implantação, os moradores podem decidir embolsar toda a verba, mas terão de assumir o custeio da tecnologia. 

Segundo o técnico responsável pelas instalações, Afonso Líbero Rosalen, o gás carbônico resultante do processo pode ser transformado em eletricidade e é o mesmo empregado nos automóveis e refrigerantes. A diferença é o grau de depuração, que precisa ser de 100% para ser ingerido por humanos.

Em média cada biodigestor do Campanário processa os rejeitos de quatro mil suínos. Desde o início do projeto, a suinocultura produziu 430 mil metros cúbicos de gás por unidade. O montante poderia ser comprimido em sete mil litros de combustível para automóveis ou ser consumido por lâmpadas e eletrodomésticos nas casas.

Em resumo, quando o sistema estiver completo, as famílias poderão obter sete produtos: créditos de carbono, biofertilizante, capim ou lavoura, leite ou carne, geração de energia elétrica e biocombustível.

Renda composta

Por enquanto, o maior lucro do assentamento ainda é a preservação dos recursos naturais. “Hoje, os órgãos ambientais só liberam empreendimentos de suinocultura se eles tiverem projeto de tratamento de efluentes por causa da enorme geração de resíduos”, observa Rosalen.

Entretanto, a comunidade começa a receber motores, financiados pela Cooasgo, adaptados para reaproveitar a energia gerada pelos biodigestores com a finalidade de bombear o fertilizante até lavouras e pastagens. O processo economiza recursos sem riscos para a saúde, pois as bactérias patogênicas morrem durante a biodigestão. Na etapa final, a energia será utilizada para abastecer as propriedades e pode até ser vendida para a concessionária estadual de eletricidade.

“Com o biodigestor, a produção de leite só vai gerar lucro por que o pasto é enriquecido com fertilizante produzido no próprio lote”, explica o assentado Valdenir Valentini.

Para explicar seus cálculos, Valentini toma a propriedade do presidente da Cooasgo, Jair Borgmann, como exemplo a ser seguido. Ex-beneficiário da reforma agrária, que comprou uma fazenda com o lucro da suinocultura, Borgmann mantém 30 matrizes leiteiras em cada hectare ferti-irrigado por meio do mesmo biodigestor que ajuda a implantar no Campanário.

Com essa capacidade de carga e produção média de 10 litros por vaca/dia em 10 hectares, que é a metade dos lotes, cada assentado terá condições de ordenhar três mil litros de leite diariamente. Perante cotação de R$ 0,60, o leite pode incrementar a renda da família em R$ 180 reais diários. O valor significa mais de R$ 5 mil por mês, sem contar os ganhos gerados pela suinocultura e venda dos créditos de carbono.

Parâmetros nacionais

Enquanto melhoram as próprias condições de vida, os moradores do Campanário ajudam a criar novos patamares de desenvolvimento para a agricultura nacional.

O presidente da Acafe, Roque Busarello, cedeu parte de seu lote para a Embrapa Pantanal instalar um experimento sobre o uso do substrato proveniente da biodigestão. Em meio hectare, pesquisadores do instituto investigam qual a ponto ideal de ferti-irrigação para obter o melhor aproveitamento do solo sem contaminar o lençol freático. Em outro extremo do lote, uma mini estação meteorológica acompanha o desenvolvimento do clima na região.

“Até hoje os biodigestores eram implantados no Brasil com base nos parâmetros da Nova Zelândia e União Europeia. Este experimento avalia solo, clima, relevo e pluviosidade do assentamento para determinar o ponto ótimo de ferti-irrigação nas nossas condições”, explica Busarello com a intimidade de quem colabora para a produção nacional de conhecimentos sobre agricultura.

Kioto

Pelo Protocolo de Kioto, em vigor desde 2005, 175 nações do mundo comprometeram-se ea diminuir o nível de emissão dos gases que causam o efeito estufa em 5,2% até 2012, tomando como base o ano de 1990. Pelo acordo, as empresas que não atingirem sua meta devem financiar ações de mitigação bem sucedidas nos países em desenvolvimento. 

A transação é chamada de venda de créditos de carbono e criou um mercado internacional. Uma série de empresas especializaram-se a fazer a ponte internacional entre os empreendimentos poluentes e mitigadores. Elas são responsáveis por detectar ações de preservação ambiental que podem compensar as atividades que não conseguiram diminuir seu ônus ao planeta e manter tecnologicamente as iniciativas menos poluidoras.