A decisão de proibir a aquisição de terras brasileiras por estrangeiros tem como pano de fundo o aumento da demanda mundial por recursos naturais, como a escassez de água e crise de alimentos, a elevação dos preços das terras e os impactos sobre populações pobres no acesso à terra. “Vamos fazer uma PEC [Proposta de Emenda Constitucional] para deixar claro aos investidores que podem investir em qualquer campo, mas não em terras”, informou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, ao Valor.
A PEC teria poder para anular títulos já registrados por estrangeiros a partir de uma data de corte a ser estabelecida pelo grupo de ministros que estuda o tema. “Terra não é um assunto qualquer. Tem que cumprir a função social. Como cobrar isso de um fundo estrangeiro que comprou metade do Norte do País?”, questionou Cassel. “Isso não fere o capitalismo. É um assunto maduro, não podemos ter medo de enfrentar. Isso une pequenos, médios e grandes, da Kátia Abreu [presidente da CNA] ao João Pedro Stédile [dirigente do MST]”, disse.
Fundos internacionais de “private equity” e de hedge, cuja carteira global supera US$ 10 bilhões, têm sido cada vez mais agressivos em seus investimentos em terras no Brasil. Um quarto dos 120 principais investidores corporativos já tem um pé em território brasileiro, mostra levantamento da ONG espanhola de pesquisas e análises Grain.
Para fechar o cerco ao “avanço indiscriminado” desses fundos, o governo já tem um esboço de um “código de conduta” a ser seguido por estrangeiros. As regras incluem transparência nas negociações (“consentimento informado”), respeito pelo direito a terras existentes, partilha dos benefícios com comunidades locais, sustentabilidade ambiental e adesão a políticas nacionais de comércio e segurança alimentar.
“Esse é um problema que nós precisamos começar a discutir. Porque uma coisa é o cidadão vir, comprar uma usina, comprar fábrica. Outra coisa é ele comprar a terra da fábrica, é ele comprar a terra da soja, é ele comprar a terra do minério”, alertou o presidente Lula, há duas semanas, durante anúncio do Plano de Safra 2010/11.
O governo identificou uma forte concentração do interesse do capital externo no Centro-Oeste do País. Dados de um estudo inédito mostram que 53% das áreas compradas por estrangeiros estão nessa região. Desse total, cerca de 3,4 milhões de hectares (83,4%) estão vinculadas a 5,6 mil propriedades médias e grandes. Os 100 maiores imóveis em mãos estrangeiras correspondem a 763,2 mil hectares. O maior deles tem 31,3 mil hectares. A maior parte foi adquirida após 1980 – 84% foram registradas em médias e grandes propriedades. Japoneses, seguidos de italianos, libaneses, uruguaios e argentinos, são os maiores investidores em terras, diz o estudo.