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Entrevista

Victor Fontana, ex-Sadia, fala sobre cenário político

Aos 99 anos, Victor Fontana fala sobre política, economia e negócios.

Victor Fontana, ex-Sadia, fala sobre cenário político

O mês de julho marcou os 99 anos de Victor Fontana, empresário e ex-vice-governador de Santa Catarina. Grande responsável pela revolução no agronegócio do Estado a partir de mudanças científicas, técnicas e administrativas aplicadas na Sadia – onde foi convidado a atuar pelo então proprietário da empresa, senador Attilio Fontana –, aplicou também o conhecimento como secretário estadual de Agricultura e deputado federal.

Mesmo perto dos 100 anos, o empresário conversa sobre diversos assuntos e ainda mantém rotinas de dar inveja a muita gente. Durante a semana, ainda frequenta o escritório para conversar com outras pessoas e debater ideias. Em entrevista ao colunista do Grupo RBS, Moacir Pereira, ele conta como permanece ativo aos 99 anos e ainda faz uma leitura do atual momento político e econômico do Brasil.

O senhor sempre foi otimista, e o livro Victor Fontana, Percorrendo Caminhos (de Moacir Pereira) mostra isso. O senhor está desesperançoso com o Brasil ou segue otimista?
Eu não sou pessimista de achar que não tem solução porque situação difícil o Brasil já atravessou várias. Por exemplo, Collor, Sarney e todos eles passaram por dificuldades e parecia que não tinha solução, mas a encontraram, e é assim, desde que queiram encontrar a solução. Na verdade, hoje é encontrar uma solução para o impasse, porque estamos num impasse, os três poderes estão se comportando de uma maneira não recomendável. Nós estamos também em uma situação em que não tem ninguém para fazer o impeachment da presidente, mostrar uma razão palpável de que ela incorreu em condenação, tem que ter o porquê. Sem saber, não vai haver.
 
E qual é a saída para a crise brasileira. A crise é grave, o senhor concorda?
Grave e não se sabe qual é a saída. Hoje os políticos entram na política para fazer seu pé de meia, a grande maioria assim pensa e esses políticos que estão no comando fazem tudo no sentido de conseguirem maior quantidade de bens duráveis e não-duráveis para viverem e sobreviverem, mas eles prejudicam todo o povo, porque cada vez querem ganhar mais do Estado e o Estado cada vez com menos dinheiro para investir. Veja Santa Catarina, está sem dinheiro, as estradas não dão passagem para os caminhões porque as rodovias estão todas esburacadas, todas as estradas estaduais sem dinheiro para fazer reparos. Por que não tem dinheiro em SC? Tem dinheiro sim, diminuindo naturalmente aquilo que está sendo pago para aqueles que fazem pouca coisa em beneficio do Estado. A máquina está cada vez maior, mais recursos vão para mão dos deputados, e eles acabam não levando o benefícios aos municípios.
 
O maior problema hoje está na área de transporte para a produção de aves e suínos. O senhor viveu esse problema sem estradas?
Tínhamos que alugar aviões para levar a mercadoria, porque não tinha transporte rodoviário, que foi o que salvou a agroindústria naquele tempo. E nós tivemos que fazer o transporte aéreo, tanto é que se colocou no avião a sigla “Do ar para o seu lar”, que era a única maneira que se encontrou para salvar o agrobusiness.
 
O senhor tinha terminado a faculdade de Engenharia Química no RS e foi convocado pelo doutor Atillio (dono da empresa) para transformar a Sadia. Como foi esse processo?
Ele estava com problemas na fábrica que estava abrindo, as mercadorias eram despachadas em São Paulo e Rio de Janeiro e ninguém queria comprar, eram devolvidas. A banha era o produto principal, mas ninguém queria comprar banha. Aí ele resolveu me convidar para fazer o tratamento no produto para que ficasse comestível e de acordo com as normas higiênicas em vigor.
 
O famoso sistema integrado (agricultor + empresa), que é o início da grande transformação no agronegócio em SC, foi ideia do Victor Fontana ou do Atílio Fontana?
A matéria-prima tinha que ser de qualidade, o porco desde que nascia tinha que ser bem tratado, alimentado e com boa higiene. Onde eu fui achar isso? Nos Estados Unidos. Eu fui lá ver como era, porque lá o sistema era integrado, e apliquei a integração em Concórdia. E junto com o porco, o sistema foi aplicado às aves também. No começo abatíamos seis frangos por dia e hoje são abatidos 2 milhões por dia.
 
E os derivados do suíno que surgiram depois na Sadia também?
Daí começamos a fazer o aproveitamento da parte industrial, comecei a visitar institutos de pesquisa, fui à Alemanha. Lá, foi interessante porque foi a grande jogada de seu Atillio Fontana, ele tinha uma cabeça extraordinária e visionária. Ele me perguntou assim: o que você precisa fazer para que essa marca seja considerada de produtos de qualidade? Eu disse que era estudar a tecnologia. Ele me perguntou o que era a tecnologia? E eu disse que era experimentar, estudar novos sistemas, só que no Brasil não tinha como. Então eu disse que ia viajar para a Alemanha, porque para avançar tinha que ir para lá. Ele me perguntou se eu sabia falar alemão, eu não sabia, mas ele chamou meu irmão, que era o diretor-financeiro da empresa, que me deu dinheiro para passar seis meses na Europa, fazendo curso em fábricas de embutidos. Então
eu fui.
 
O agronegócio do Oeste tem dois problemas: o preço do insumo está muito elevado que vem do Mato Grosso, o milho chega o dobro…
Tem que ter trem.
 
O futuro do agronegócio está ameaçado?
Não está ameaçado, mas está em perigo.
 
Um dos maiores erros de todos os governos do Brasil foi não terem implantado ferrovias?
Sem dúvida, ainda mais para mim, que fui usuário do ferroviário durante 15 anos. Eu tenho um sentimento profundo de tristeza quando passo pelo Rio Grande do Sul e tudo virou ferro-velho.
 
O mundo inteiro transporta nas ferrovias e o Brasil ficou fora dessa. Por quê?
Erro do JK (Juscelino Kubitschek), que aliás considero um dos piores governos que o Brasil já teve. Porque ele construiu uma babilônia no centro do Brasil que custou bilhões, está custando bilhões e vai continuar custando bilhões.
 

Brasília foi um erro histórico?
Foi. Com o dinheiro que se gastou com estradas para o Brasil Central, fazia-se dez
estradas de ferrovia.
 
O que mais dá prazer ao senhor nesses seus 99 anos?
Eu gosto de conversar com os amigos, eu tenho uns amigos que vão num boteco às sextas-feiras, tomar umas cachaças. E vejo TV, mas só os noticiários.
 
O que é o bom da vida?

Eu acho que as coisas boas da vida são viajar e família. Família é fundamental. Viagem em família então é melhor ainda. Ultimamente eu não estou podendo viajar, o viajante precisa ter perna boa e eu não tenho.
 
O que o senhor gostaria que acontecesse até os seus 100 anos?
Eu gostaria de ter um sistema estadual de estradas, mas em um ano não dá pra fazer. Fazer uma viagem aonde está tudo atravancado e o povo sofrendo para ganhar seu pão e não pode porque os governos estão gastando demais. Não tem dinheiro para fazer estradas, como tem para aumentar número de vereadores? Aí chega lá um juiz, um desembargador e resolve aprovar para todos ganharem a mais, na mesma hora aprovam e pagam, como tem dinheiro para isso?
 
Quais as recomendações que o senhor daria para chegar aos 99 anos de idade?
Trabalhar, trabalhar e trabalhar, acho que a coisa mais importante na vida do homem é preencher seu tempo trabalhando. Dando de si aquilo que veio ao mundo para dar.
 
Como é o seu dia-a-dia? O senhor gosta de leitura, continua lendo muito?
Eu continuo lendo, agora eu estou lendo Kissinger (diplomata americano, de origem judaica, que teve um papel importante na política estrangeira dos Estados Unidos na década de 1970). Estou lendo a biografia dele. Leio bastante e, naturalmente, procuro tirar as lições que esses mestres nos enviam. O bom não é só ler, é saber que consequências os fatos tiveram e que consequências estão tendo, ainda mais saber conversar com muita gente, uma das melhores coisas da vida é conhecer gente e falar com gente, porque por mais simples que seja uma pessoa, por mais insignificante que ele possa ser no meio social em que vive, ela sempre tem alguma coisa para ensinar pra gente, muita coisa que, na aparência parece não trazer nada pra nós, mas traz bastante coisa.
 
Dos grandes feitos pessoais e profissionais, a leitura e as conversas foram fundamentais?
Fundamentais. Aliás, acho que não existe melhor coisa na vida do que conhecer e falar com gente, isso é muito importante pra nós. Também tem outra coisa: hoje esses conferencistas que aparecem por aí e, que aqui em Florianópolis toda semana tem dois, três conferencistas ensinando como lidar com gente, todos chegam à mesma conclusão que o negócio é conversar com pessoas.
 
Quando eu tive o privilégio de encontrar com o senhor dezenas de vezes para entrevistar para o livro Victor Fontana: Percorrendo Caminhos, o senhor algumas vezes, chegava animado pela manhã e declamava em espanhol Dom Quixote, de Miguel Cervantes. Ainda é sua leitura predileta?
Ainda é, porque o Cervantes mostra a realidade e a ficção. Por exemplo, o Dom Quixote é o ideal. O real é o Sancho Pança. É o que sabe o que tem que fazer. Enquanto o Dom Quixote não dormia escrevendo a carta para a Dulcineia, o Sancho tomava os porres de vinho dele, sabendo que não tinha outra coisa a fazer a não ser acompanhar o Dom Quixote, o tipo de pessoa que alinha ao tipo de pessoa que deve seguir.
 
Além do Cervantes, o senhor recomendaria outro autor?
A Divina Comédia, de Dante Alighieri.
 
O senhor trabalha com computador?
Não, eu até gosto um pouquinho, mas não tenho me dedicado.
 
O senhor sempre praticou ginástica como exercício físico. O senhor continua praticando?
Eu frequento fisioterapia de segunda à sexta-feira e procuro caminhar. Uma vez por dia eu vou ao meu escritório no centro da cidade.
 
E o senhor se ocupa como? Tem negócios?
Eu vou encontrar com gente que vem de fora para falar comigo, sobre política, sobre a situação do Brasil. Devem ser outros santos que não tem o que fazer e vêm me procurar para conversar (risos).