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Empresas

Compra da Cadbury pela Kraft põe fim a laços com "quakers"

O movimento "quaker" resultou em um número surpreendentemente grande de multinacionais com sede no Reino Unido.

Um dos últimos laços diretos ainda existentes entre grandes companhias do Reino Unido e suas raízes “quakers” será cortado com o acordo de compra da Cadbury pela Kraft, por 11,6 bilhões de libras esterlinas (US$ 18,9 bilhões) acertada na semana passada.

Tendo em vista seu tamanho relativamente pequeno, o movimento “quaker” resultou em um número surpreendentemente grande de multinacionais com sede no Reino Unido, nomes que vão desde a Reckitt Benckiser, maior grupo mundial de produtos de limpeza, até o Barclays e o Lloyds Banking Group. Os fundadores, um pequeno grupo de religiosos radicais oprimidos, prosperaram graças a hábitos equilibrados, doses inteligentes de autoajuda e ao tratamento justo dispensado a funcionários e fornecedores.

A relevância moderna da “herança” perdida com a aquisição da Cadbury, contudo, é discutível. As piores práticas das empresas vitorianas, contra a qual os empreendedores “quakers” estavam reagindo, foram atualmente em grande parte neutralizadas por aumentos de salário e leis trabalhistas.

A Cadbury tornou-se uma empresa bem diferente da que era quando foi criada em 1824 por John Cadbury. Ele vendia chá, café e cacau à população vitoriana de Birmingham na esperança de que isso a desviaria do alcoolismo.

Tais bens de consumo, no entanto, também estavam se tornando muito rentáveis, à medida que os salários subiam e a classe média ascendente se expandia. Quando seu filho George mudou o local da fábrica da Cadbury, ele deu aos funcionários dos bairros pobres uma vida melhor nos subúrbios, oferecendo residências e piscinas.

Havia, no entanto, um motivo comercial para a mudança: o chocolate produzido na chique Bournville na época era mais fácil de vender do que os doces vindos da suja Birmingham.

A família também demonstrou instintos afiados de marketing. “Eles persuadiram as pessoas de que [os produtos] Cadbury tinham um sabor diferente do chocolate cortado em blocos como se fosse queijo”, diz Tim Leunig, da London School of Economics. As novas tecnologias foram o argumento decisivo. George Cadbury importou maquinário holandês que extraia o amargor do cacau.

Leunig é crítico dos membros da família Cadbury que se opõem à venda da empresa. “Os primeiros a vender a Cadbury foram os próprios Cadbury”, afirma. A companhia abriu o capital em 1962, operação que financiou sua expansão subsequente. Na época, “já não era mais uma instituição vitoriana administrada por quakers”, segundo o historiador de empresas John Bradley. A representação familiar no conselho de administração acabou em 2000, quando o então presidente do conselho, Dominic Cadbury, aposentou-se.

Durante a disputa de compra, o executivo-chefe da empresa, Todd Stitzer, invocou o “capitalismo com princípios, tecido na própria malha” da Cadbury. Porém, o que outrora foi uma empresa familiar de administração idiossincrática havia se transformado em uma multinacional liderada por administradores de carreira, que não era gritantemente mais ética do que a Kraft.

Ambas cortaram milhares de empregos para reduzir os custos, embora por outro lado as duas preocupem-se em seguir determinados princípios ao comprar de fornecedores de países em desenvolvimento. “A Kraft apenas está continuando o processo que a Cadbury vinha liderando”, diz Bradley.

Outras empresas fundadas por “quakers” passaram por transições similares. A Rowntree, de York, foi vendida à Nestlé em 1988. A Reckitt, empresa de produtos de limpeza fundada em Hull, por Isaac Reckitt, em 1840, fundiu-se com a J&J Colman, em 1938, e depois com a Benckiser, da Holanda, em 1999. A fabricante de biscoitos Huntley & Palmer desapareceu em uma série similar de transações.

O “quakerismo” desapareceu do espírito de bancos como o Barclays ainda há mais tempo. O banco foi criado por John Freame e Thomas Gould, em 1690. Hoje, é difícil imaginar executivos como Bob Diamond, do Barclays Capital, esperando silenciosamente por inspiração divina em encontros de negócios, como seus antecessores “quakers” faziam.

Endividados e os que se “casavam fora” eram tradicionalmente excluídos da sociedade “quaker”. Mas os “quakers”, embora fossem financeiramente prudentes, nunca foram muito numerosos. A população mundial “quaker” poderia não passar de 300 mil pessoas.

O Thimothy Phillips, Quakers and Business, grupo que promove os princípios “quakers” nos negócios, estima que atualmente há no Reino Unido menos de cem empresas, em sua maioria de pequeno porte, operando dentro desses princípios. “Ainda há uma grande necessidade de um espírito ‘quaker’ ou similar nos negócios”, diz, citando as bonificações a executivos de bancos e o excesso de alavancagem como males comerciais contemporâneos. Empresas com missões sociais agora são amplamente refúgio de empresários com preocupação social. Raramente falam de religião.

Muitas famílias empresariais “quaker” simplesmente ficaram cômodas demais para que seus membros trabalhassem duro, como seus fundadores haviam feito. As empresas “quakers” eram, em parte, uma resposta à pobreza, discriminação e exclusão dos empregos estabelecidos. As mesmas desvantagens inspiraram os huguenotes franceses e os judeus do Leste Europeu.

Mesmo os “quakers”, entretanto, tiveram seus fracassos. O pub “abstêmio” no centro de Bournville, sem venda de álcool, era evitado pelos trabalhadores e acabou sendo fechado, enquanto os verdadeiros pubs, localizados além dos subúrbios, sempre estavam lotados. George Cadbury não podia lutar contra o mercado na época mais do que qualquer oponente à fusão com a Kraft poderia lutar agora.