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Marketing

Produtores falam sobre o renascimento da carne suína no Brasil

De ingrediente desprezado ou considerado menor na cozinha até pouco tempo atrás, a carne de porco vem ganhando um novo olhar e passando por um renascimento.

Produtores falam sobre o renascimento da carne suína no Brasil

De ingrediente desprezado ou considerado menor na cozinha até pouco tempo atrás, a carne de porco vem ganhando um novo olhar e passando por um renascimento – a ponto de ganhar destaque nos menus de chefs de alta gastronomia. Alex Atala investe no javali, André Mifano prepara sua copa lombo de queixada, Flávio Miyamura inova nos cortes suínos no Miya, entre tantos outros exemplos atuais. Além de saborosa e versátil, o que permite essa redescoberta dos suínos é também o aumento inegável na qualidade do produto. Nesse ponto, entram em cena nomes como Gonzalo Barquero, da Cerrado Carnes Naturais, e Renato Sebastiani, da Cowpig, que produzem porcos e outras espécies de suínos levando em consideração qualidade, higiene, respeito aos animais e, principalmente, sabor.

Conversamos com os empresários sobre esse bom momento da carne suína no Brasil (e no mundo). Abaixo, a dupla revela como começou a investir em porco e o que pensa do futuro desse produto.

Renato Sebastiani, diretor administrativo e comercial da Cowpig

A Cowpig investiu desde sempre em suínos?
Estamos no mercado há 17 anos, mas ficamos 12 anos trabalhando com commodities, como carcaça suína, que era nosso carro-chefe. Depois disso, começamos a investir em algo diferenciado, em produto de alta qualidade, direcionado a um público exigente. Isso foi há cinco anos. Somos um frigorifico pequeno, com 150 funcionários, com capacidade de abate de 10 mil animais por mês. Isso só de suínos. Fazemos cortes especiais para restaurantes e marcas próprias, como o Rubaiyat. Atendemos diversos restaurantes. Hoje nosso foco está cada vez mais na alta gastronomia. Começamos com angus, cordeiro e suíno, e depois há apenas dois anos com os bubalinos. Investimos há pouco tempo em cortes especiais de suínos. Antes era só pernil, paleta, carré. De um ano e meio para cá, focamos em outros cortes.

E por que focar em alta gastronomia?
Esta é uma carne que a gente conhece bastante, e sentimos que o mercado, os restaurantes, não tinham carne suína, ou tinham muito pouco. E agora a gente conseguiu colocar carne suína até no Fasano! Depois de muita relutância, colocamos dois cortes suínos lá. Hoje a gente atende muitas casas, como o Praça São Lourenço, ou boutiques como a Prime Beef. Para o consumidor final, fornecemos para o Zaffari, toda a rede Saint Marche, Santa Luzia, Santa Maria. Antes o restaurante não conseguia preparar um carré francês suíno porque não tinha! Então entramos para suprir isso. Desenvolvemos costela francesa, prime rib, costela premium como a do restaurante Outback… Tenho produtos para o restaurante que quer ter um prato diferenciado e também tenho opções para o consumidor final. A nossa ideia é levar ao consumidor aquela mesma carne que ele come num restaurante de altíssima gastronomia, mas na casa dele. Assim ele vai poder preparar para a família e os amigos um carré francês suíno, um prime rib.

Além dos cortes, há outros produtos especiais para o consumidor final?
O que a gente tem feito bastante também são cortes temperados, porque no dia a dia as pessoas acham a carne suína difícil de preparar, assim como o cordeiro. Então oferecemos picanha suína, costela em tiras, lombo, tudo já temperado. Também estamos fazendo testes com sous-vide (cozimento a vácuo) para um futuro breve.

Qual o diferencial da carne suína da Cowpig?
A gente começa a produção lá atrás, desde a plantação do milho que vai alimentar os animais até a escolha da raça, com investimento em melhorias genéticas, cruzamentos. Todos os nossos suínos são alimentados principalmente com milho e soja. A fazenda fica em Boituva, a 100 km de São Paulo. Estamos numa região estratégica, perto de São Paulo, perto de cidades como Campinas, Jundiaí, Vinhedo, Sorocaba… Nossa distribuição é apenas estadual. A gente faz bastante também os processados: embutidos, linguiças, de lombo com queijo, com ervas, uma linguiça artesanal com receita do meu avô, além de bacon, calabresa. Aproveitamos o suíno no todo, desde a carcaça. E sempre primando pela qualidade. Também faço salsicha aqui, mas a nossa é de carne, não é enchimento. Ela custa mais caro, porque a matéria-prima é de qualidade. Usamos dianteiro, paleta, acém. De bovino e de suíno.

Como é o consumo da carne suína no Brasil hoje?
O Brasil consome atualmente  13 kg per capita de carne suína por ano. Dentre eles, 9 kg é de suíno industrializado, ou seja, em forma de presunto, salame, linguiça. Na Europa, são 45 kg per capita/ano. E na Áustria, em particular, são 73 kg de carne de porco per capita anuais! A carne suína é a mais consumida no mundo. Mas o Brasil, por incrível que pareça, não consome tanto. A Associação Paulista e Brasileira de Criadores está fazendo um trabalho muito bom para mudar isso.

Na sua opinião, o que precisa mudar para aumentar o consumo de suínos?
Um dos pontos que a gente tem que atacar são os mitos sobre a carne de porco. Toda vez que a gente vai no médico, ele fala para parar de comer carne suína, porque tem muito colesterol, etc. Mas isso é um conceito antigo, tudo está mudando, até os conceitos médicos estão mudando. Muitas vezes isso acontece por falta de atualização. Porque o suíno de 1970 não é o mesmo de hoje. Era criado no chiqueiro, solto, e era o transmissor de cisticercose. Pela forma como era criado, ele acabava ingerindo as próprias fezes e se contaminando com o cisticerco. Hoje os grandes criadores fazem tudo completamente diferente. Há todo um controle sanitário para os animais não pegarem doença. É tudo muito controlado, então o porco é extremamente sadio.

Quais são os fatores para uma carne suína de boa qualidade?

Genética de primeira, alimentação controlada e de qualidade (não aquela lavagem de antigamente, que infelizmente ainda existe), controle biológico de doenças, controle do abate e pré-abate, para não estressar o animal – isso pode alterar a maciez e o sabor da carne; e finalmente cuidado com a manipulação da carne, com controle de temperatura. Tudo isso é fundamental.

www.cowpig.com.br

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Gonzalo Barquero, proprietário da Cerrado Carnes Naturais

Que tipo de carnes produz?
A gente faz todo um trabalho nessa linha de porco. Temos o cateto e a queixada, que são os porquinhos nativos brasileiros, não tem nada a ver com o porco doméstico. Temos o javali, este sim o ancestral do nosso porco moderno, tem na Ásia e na Europa também. Muitos chefs nos pediam para trabalhar com o javali puro, porque não havia os animais de qualidade. De tanto pedirem, fomos atrás e colocamos em produção, as matrizes vêm da França. E estamos para lançar um cruzamento de raças de porcos com o monteiro, associado ao porco doméstico e ao caipira. Porque nenhuma dessas raças sozinha é boa. O doméstico, rosa, não tem sabor. O monteiro é muito forte, a carne é dura. O caipira é seco, duro, só tem toucinho. Então temos feito cruzamentos para chegar num produto que agregue o melhor dessas raças.

E onde produzem esses animais?
 O cateto e a queixada, produzimos em diversas regiões do Brasil. O javali vem de Brotas, interior de São Paulo, e os porquinhos cruzados que estamos desenvolvendo vêm de Mococa. A previsão de lançamento é o primeiro semestre do ano que vem, estamos fazendo agora em novembro os testes finais. A gente tem que valorizar o que é nosso, o que é brasileiro.

Qual é o público da Cerrado Carnes Naturais?
Trabalho desde 2006 com a Cerrado, e desde 2009 a gente começou com esse trabalho mais forte com a carne suína. A demanda ainda é restrita, não é todo mundo que pede, mas 90 por cento do nosso público é de chef de cozinha. Em volume, trabalhamos com 1500 quilos de javali por mês; 750 kg/mês de queixada; e o cateto é muito esporádico, bem sazonal, então produzimos uns 200 a 300 kg por mês. O porquinho novo deve começar com 1 tonelada mensal.

O sr. comentou que a maioria do seu público é composta de chefs de cozinha. Como acontece essa parceria?
O problema do porco, hoje, é o mesmo do frango: são duas espécies de crescimento muito rápido e de alta produtividade, e o mercado hoje só visa volume e produtividade, na linha do quanto mais, melhor. Mas nisso vai-se completamente na contramão da qualidade. A carne de porco produzida dessa forma é pálida, quase branca, sem sabor. Então o que a gente faz? Pega um porco normal e cria ele a pasto, levando o dobro do tempo para ele atingir tamanho para o abate, e a carne é completamente diferente, vermelha, saborosa. Isso é um produto que queremos lançar também no ano que vem. É em projetos assim que entra a parceria com os chefs. Chamo para experimentar, dou uma ideia de custo, negociamos preço. Eles me dizem se dá para encarar ou não. Metade da nossa vida é testar, brincar com os produtos. Se o mercado não está pronto para a qualidade, aí não tem como mudar. Então pedimos ajuda para pessoas como o Alex Atala. Desde o começo ele nos incentivou. Ele usa hoje o nosso javali, a nossa galinha d’angola, de vez em quando cateto e queixada em seu cardápio no D.O.M. Sem produto não dá para fazer milagre. Continua sendo muito difícil, temos o apoio de alguns visionários, mas ainda tem muito para crescer e evoluir.

Além dos suínos, vocês também investem em quais outros animais?
Temos capivara, paca, cotia. Entre as aves, faisão, galinha d’angola, e agora estou fazendo um frango criado solto, da mesma forma que o porquinho. Essa ave é para final do primeiro semestre, porque ainda temos muito teste para fazer.

Seus produtos são comercializados apenas para chefs, restaurantes?
A gente está começando a fazer venda pessoa física via site, Facebook. Mas sim, trabalho com uma lista imensa de restaurantes, como o Suri, o Sal Gastronomia, o Brasil a Gosto, além do D.O.M., e do Vito, todos em São Paulo. Mas o público final pode achar a nossa carne no Porco Feliz (no Mercado Municipal de São Paulo), ou em empórios como a Casa Santa Luiza. Além disso, temos uma linha de massas recheadas, só colocar na água e pronto. Os chefs testam os recheios junto com a gente. Já estão à venda no Pastifício Primo e vamos lançar em empórios como Casa Santa Luzia, Saint Marché, Santa Maria. Estamos agora abrindo distribuição para o Brasil, já temos alguns clientes fora de São Paulo, como Edinho Engel, em Salvador, Simon Lau, em Brasília, e Roberta Sudbrack, no Rio.

Há cortes que são exclusivos para alguns chefs?
Temos exclusividade de algumas partes, pela falta de produto. Hoje, paleta de queixada vai toda para Edinho e Roberta Sud, porque falta bicho. A gente até modifica, se a chef quer uma paleta um pouquinho menor, a gente testa, tenta abater o animal um pouquinho mais jovem. Um dos diferenciais para atingir qualidade é esse vaivém com os chefs, essa troca de conhecimento. Ou fazemos o teste e vemos se funciona bem para todo mundo. No caso da copa lombo de queixada, como tem muito pouco, dou prioridade para o André Mifano, do Vito. Essa copa lombo que ele está fazendo é uma coisa de outro mundo, muito delicada. Estamos trabalhando para ter uma fábrica de embutidos, porque os que a gente come aqui não têm qualidade. Já estamos montando a planta dela, espero que para junho de 2013 já comece a produção.

www.cerradocarnes.com.br