Redação SI 02/04/2003 – Leia na íntegra, a carta desabafo escrita pelo presidente da Associação Brasileira de Criadores de Suínos (ABCS), sobre a situação crítica dos suinocultores brasileiros e o descaso com o qual o governo federal vem tratando o assunto.
“O recrudescimento da insuportável crise da suinocultura, no momento em que os produtores aguardavam, ansiosamente, a sua definitiva superação, causa uma profunda frustração e desespero ao setor produtivo.
Após o longo período de prejuízos, que se caracterizou como o pior já enfrentado em toda a sua história, o suinocultor brasileiro, descapitalizado e endividado, sem crédito e, na maioria dos casos não conseguindo saldar seus compromissos nem com a entrega de todo o seu rebanho, não tem mais como suportar a situação e permanecer na atividade.
Nesse clima de terra arrasada, desmantela-se o sistema produtivo. Abate-se matrizes de alta genética – fruto de décadas de seleção – e concentra-se a produção na mão de poucos grandes produtores/empresas. Exclui-se milhares de abnegados, eficientes e tradicionais suinocultores da atividade, em todas as regiões de produção do país.
Castiga-se e condena-se à morte os produtores mais arrojados, que acreditaram no setor e investiram maciçamente na modernização da criação, colocando no mercado um produto de altíssima qualidade e competitividade que disputa e conquista espaços importantes no mercado internacional, em condições de igualdade com os países do primeiro mundo.
É profundamente desolador o fato de se saber que, na cadeia de produção/comercialização do setor existem situações absolutamente diferenciadas. Enquanto o criador, que assume os maiores riscos no processo, sucumbe à baixa remuneração do seu produto, outros segmentos envolvidos abusam nas margens de lucro a ponto de tornar o acesso à carne suína e seus derivados proibitivo para a maioria da população.
O suinocultor, desesperado e “com os nervos à flor da pele” protesta e, até por vezes, acusa suas entidades representativas de omissão, ignorando a verdadeira batalha desenvolvida pela ABCS e suas associações filiadas estaduais na busca incessante, em todas as instâncias, de providências para reverter a situação.
Desde o início da crise foram inúmeras as audiências com autoridades, em que se reiterava a apresentação de sugestões e se reivindicavam medidas práticas e objetivas que, se atendidas, poderiam pelo menos amenizar o quadro negativo. Infelizmente, o governo não acionou mecanismos suficientemente eficazes para livrar os suinocultores brasileiros do sufoco em que se encontram. Não interferiu, por exemplo, na vergonhosa distorção que existe na cadeia de comercialização da carne e derivados, comandada, comprovadamente, pelo setor varejista. Também não garantiu o abastecimento de insumos a preços suportáveis.
Continuam o excesso de produção e o conseqüente desequilíbrio de oferta e demanda de carne suína, mesmo com o recorde de exportação verificado até o final de fevereiro”.
Novos mercados e abastecimento de milho
“Com a suspensão dos embarques para a Rússia a situação se agravou consideravelmente, com queda nos preços do suíno vivo e dificuldades na colocação de animais prontos para o abate, quando em algumas regiões, especialmente nos estados exportadores, já atingiam cotações próximas ao custo de produção.
Não temos dúvida da necessidade de um urgente controle de produção, a ponto de não gerarmos excedentes, num esforço em parceria entre o governo, produtores e indústrias frigoríficas, com poder legal para regular a produção de acordo com as demandas interna e externa.
Os preços dos insumos continuam fora da realidade dos suinocultores. O milho, em plena safra, atinge cotações surpreendentemente altas, por conta das exportações que continuam aquecidas. O Governo sinaliza com o preço de R$ 20,00 a saca, para compra via contratos de opção. Este valor, bastante alto, praticamente o mesmo do exportado, balisará o preço mínimo do cereal no mercado.
Reivindicamos, desde o início do ano passado, o contingenciamento das exportações para garantir, prioritariamente, um normal abastecimento interno. No entendimento do governo isto é impossível, é coisa do passado. Os suinocultores terão que se adaptar ao novo status do milho que terá, daqui para a frente, mesmo no mercado interno, preço internacional, “dolarizado”.
O difícil desta sugerida adaptação é adotar, em contrapartida, o preço internacional para o suíno vivo, contrabalançando com o milho, farelo de soja, premix, etc…
Entendemos que setores historicamente interdependentes devem se harmonizar. Qualquer descompasso como o que ocorreu com o aviltamento do preço do milho em 2001 e a super valorização a partir de 2002, causam anomalias e rupturas no processo produtivo.
Ninguém deve, de fato, querer a falência dos transformadores de insumos -suinocultores, avicultores, produtores de leite, em nome da exportação imediatista de alimentos básicos, sem qualquer agregação de valor através da mão-de-obra, em detrimento de um normal abastecimento interno.
É preciso ter bem presente a vulnerabilidade e a incerteza do mercado externo que, a qualquer momento poderá afetar drasticamente a comercialização destes produtos que ora atingem alta cotação no mercado internacional.
Outra questão inaceitável é que, enquanto a exportação de milho é facilitada e estimulada, a importação sofre todo o tipo de restrições, praticamente inviabilizando-a, em função da proibição do uso de transgênicos. A situação fica desequilibrada, amplamente prejudicial para os quem tem no cereal um produto vital para manter suas atividades.
Em assim continuando, não há mais como suportar. O custo de produção dolarizado e o preço do suíno em reais, e defasado, estão levando o suinocultor, especialmente o independente, à condição de agonizante. Esta situação, segundo entidades do setor e relatos de alguns empresários, não é diferente para um expressivo número de indústrias frigoríficas.
Precisamos de socorro urgente, antes do total colapso da eficiente e dinâmica cadeia de produção de carne suína do País”.