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Mercado Interno

Contra cartéis

<p>Com ajuda da UE e Estados Unidos, Ministério da Justiça adota medidas que multam companhias acusadas de cartéis e prende executivos.</p>

Com a ajuda das autoridades antitruste da Europa e dos Estados Unidos, o Ministério da Justiça está adotando medidas que terão impactos diretos no dia a dia dos empresários, pois vão levar a multas mais altas para companhias acusadas de cartéis e na pena de prisão para os seus executivos.

Na quinta-feira, o Ministério da Justiça reuniu mais de cem promotores e delegados da Polícia Federal dos 26 Estados e do Distrito Federal para capacitá-los a enfrentar os cartéis. Eles ouviram as principais autoridades anticartel da Europa e dos Estados: a holandesa Neelie Kroes, comissária de Concorrência da União Europeia (cargo com status de ministra), e Scott Hammond, promotor do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, responsável por processar os cartéis perante os juízes do país.

No encontro, a portas fechadas a advogados de empresas, ficou claro que, enquanto nos Estados Unidos o foco é colocar os empresários na cadeia, na Europa, a prioridade é impor multas de centenas de milhões de euros aos cartéis. São dois focos distintos de atuação, mas complementares.

Inspiradas nessas duas experiências, as autoridades brasileiras estão buscando um sistema híbrido. Elas iniciaram, em julho, a prática de impor multas recordes a empresas que desrespeitam os consumidores e a concorrência, ultrapassando o nível de R$ 300 milhões. Agora, estão auxiliando os promotores e a PF na tarefa de colocar os executivos na cadeia.

“Nos Estados Unidos, temos um arsenal completo para realizar as investigações, com escutas telefônicas, operações de busca e apreensão, avisos para o FBI (equivalente à PF), a participação da Interpol e a ajuda de policiais para colher depoimentos”, afirmou Hammond para uma plateia de promotores interessadíssimos em saber como os americanos levam empresários para a prisão. Ele relatou uma operação em que cinco executivos se reuniram num quarto de hotel para fixar até os centavos dos preços de alguns produtos na Ásia, na Europa e nas Américas. Em outro caso, as autoridades americanas convenceram um empresário a colaborar contra um cartel em que sua mulher participava. Num terceiro, uma mulher de mais de 60 anos foi presa.

Nos Estados Unidos, os empresários que aderem aos cartéis são tratados como criminosos do colarinho branco. “Integrantes de cartéis são bem vestidos, inteligentes, cultos, mas são criminosos”, disse o promotor do Departamento de Justiça americano, Michael Wood, responsável por negociar acordos com empresários suspeitos de cartel. Segundo ele, os juízes chegaram à conclusão de que cartel é roubo. “É pior do que pegar um dólar de alguém”, disse. “É como roubar um dólar de cada um dos 180 milhões de brasileiros e isso deveria ser punido com a prisão.”

Nesse quadro de rigor, Wood afirma que só inicia negociações com uma empresa se ela aceita cooperar e entregar provas contra outras companhias envolvidas no cartel. “Fazemos negociações face a face com os advogados e nelas explicamos o tempo de prisão e os valores das multas.” Para ele, o tempo que os empresários podem ficar na prisão é essencial para a obtenção de um bom acordo, capaz de desbaratar o cartel.

“Perder a liberdade chama muito a atenção dos empresários”, completou Hammond. “Nos Estados Unidos, nunca tivemos um caso em que o acusado diz que pode passar mais tempo na cadeia se reduzir o valor da multa. Por outro lado, há casos em que o empresário diz que pode aumentar um zero no cheque para reduzir o tempo de prisão. Mas nós nunca aceitamos isso”, enfatizou.

Kroes advertiu os promotores brasileiros que a Comissão Europeia não pode atuar na área criminal, pois as leis da região não permitem. Mesmo assim, as autoridades da Europa são consideradas as mais rigorosas do mundo no combate aos cartéis por causa das altas multas impostas às empresas. Ao todo, 184 empresas foram punidas desde 2005, logo após Kroes assumir a liderança europeia anticartel. Em 18 sentenças, a Comissão obteve a devolução de € 60 bilhões entre 2005 e 07. Os processos contra cartéis duram, em média, 13 meses e as multas chegam a 10% do faturamento das empresas.

“Às vezes, dizem que as multas são contrárias aos negócios. Eu não concordo com isso”, disse Kroes. “Há um custo interno de cada empresa que participa de um cartel.” Segundo ela, os “bad guys” (criminosos) sabem que prejudicam a reputação de suas empresas e, por isso, “os acionistas devem cobrar de seus administradores e dizer que não querem aparecer na primeira página do ‘Financial Times’ com multas altas.”

Hammond também destacou a importância de multas pesadas para fazer as empresas sentirem no bolso o custo de ingressar em cartéis. “As multas chegam ao topo da empresa e a liderança corporativa pode demitir os executivos responsáveis pelos cartéis porque isso afeta as ações da companhia.”

Ele enfatizou que se sente privilegiado porque a Divisão Antitruste dos Estados Unidos funciona tanto como autoridade de defesa da concorrência quanto como Promotoria que leva os empresários para a prisão. “Isso é único no mundo. Eu faço o processo e entro na Justiça. É um privilégio.”

No Brasil, as autoridades de defesa da concorrência – o Cade e as secretarias de Acompanhamento e de Direito Econômico (Seae e SDE) dos ministérios da Fazenda e da Justiça – podem apenas processar os cartéis na esfera administrativa e dependem do Ministério Público para obter penas criminais. Outra limitação do Brasil: qualquer tentativa de obter provas contra empresas deve passar, antes, pelo Judiciário. “Nós temos limitações legais e culturais”, afirmou o promotor Augusto Rossini, presidente da Associação Nacional do Ministério Público Criminal. “Não podemos obter gravações telefônicas, nem cópia de e-mails sem autorização judicial”, lamentou.

“Nada seria possível se não fossem vocês, promotores”, continuou Hammond. “As autoridades de defesa da concorrência adoram fazer o trabalho contra os cartéis e, muitas vezes, existe uma batalha de egos entre eles”, admitiu. Em seguida, Hammond elogiou o fato de a SDE estar ajudando os promotores dos Estados na tarefa de atuar contra as empresas suspeitas de cartel. “O que vocês estão construindo é um exemplo para o mundo porque a Mariana (Tavares, titular da SDE) disse que vocês (promotores) terão a chave para atuar e não haverá briga de egos.”

Se, no Brasil, o trabalho será dividido em 27 unidades federativas, na Europa, há uma realidade parecida, pois se trabalha com 27 países e leis distintas. “A União Europa não é uma federação, então, em várias questões, não temos políticas comuns”, admitiu Kroes. Por outro lado, a cooperação entre os estados-membros no combate aos cartéis está aumentando e, de 55 casos de cartel, entre 2004 e 2008, 30 foram abertos pela Comissão contra 25 instaurados pelas autoridades nacionais.

O rigor contra os cartéis também pode se voltar contra as autoridades. No Brasil, o presidente do Cade, Arthur Badin, corre o risco de não ser reconduzido ao cargo em novembro de 2010 porque advogados e executivos de empresas dizem aos senadores responsáveis pela aprovação de nomes para o Cade que ele é intransigente com o setor privado e muito rigoroso nas multas. Badin costuma responder que está apenas aplicando a lei e defendendo os consumidores.

Na Europa, Kroes utiliza a mesma resposta e deve deixar o posto no fim deste ano, sem recondução a um novo mandato de cinco anos. Ela deve ser substituída por outro holandês: Alexander Italianer, secretário-geral da Comissão Europeia.