O Brasil apresenta as mais altas taxas de internacionalização da economia entre os países emergentes que compõem o Bric – Brasil, Rússia, Índia e China – considerando o estoque de investimento estrangeiro direto (IED) em relação ao tamanho do Produto Interno Bruto (PIB). Ainda que os fluxos de capital externo e a corrente de comércio sejam mais elevados na China, é por meio do estoque, que leva em conta o capital acumulado ao longo do tempo, em relação ao PIB, que o Brasil surge como líder.
Nessa conta, o estoque de IED equivale a 18% do PIB, ante 13% do russo e apenas 9% do chinês, que no entanto, apresentam PIB maior que o Brasil – a China é uma das três maiores economias do mundo. Além disso, analisando a corrente de comércio – exportações mais importações -, o Brasil registra valores inferiores aos parceiros do Bric. No ano passado, a soma das exportações e importações brasileiras representou 23,6% do PIB, enquanto a corrente de comércio da China foi equivalente a quase 60% do PIB. O crescente ingresso de IED frente a uma ampliação das importações aumenta a necessidade de financiamento das contas externas.
“Entre os países que compõem o Bric, o Brasil é o que tem a estrutura produtiva mais desenvolvida”, afirma o economista Antônio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP, autor de estudo sobre a internacionalização da economia brasileira. Ao mesmo tempo em que “internacionaliza” a economia, o crescente ingresso de capital estrangeiro alarga o déficit nas transações correntes do país. Para Lacerda, a ampliação do déficit não preocupa, uma vez que seu financiamento é garantido pela grande oferta de projetos atrativos aos investidores. “O país apresenta um protagonismo muito forte no pós-crise, com um dos dez maiores PIBs do mundo e uma série de projetos produtivos no horizonte”, diz.
Segundo projeções do Banco Central, o déficit em conta corrente vai se acelerar entre 2009 e 2010, atingindo quase 2% do PIB no próximo ano. Segundo analistas, a maior parte do déficit decorre da queda no saldo comercial – com importações crescendo mais que exportações -, do maior ingresso de capital estrangeiro para portfólio (ações e títulos) e para investimentos (IED).
Para Octávio de Barros, diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, o aumento do déficit em conta corrente não preocupa, uma vez que a entrada de capital será superior ao déficit. Além disso, as perspectivas para os investidores estrangeiros são favoráveis. “Fatores como a recuperação rápida do crescimento econômico, a mobilidade social e as oportunidades geradas pelo pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíada, fortalecem a visão positiva das empresas globais em relação ao país”, diz. Segundo Lacerda, o financiamento do déficit não estará em risco pelos próximos dez anos. A preocupação é outra.
“O que interessa é direcionar o IED para grandes projetos de infraestrutura, logística e para a consolidação de uma ‘nova’ indústria”, afirma o economista da PUC-SP. Para que a liderança brasileira em estoque de capital estrangeiro se configure em desenvolvimento econômico, diz, é importante plantar as bases de um parque industrial voltado para as demandas do século XXI. Segundo Lacerda, a “nova” indústria está concentrada em fábricas de biotecnologia, semicondutores, telecomunicações e informática, química e na produção de bens de capital. “Essa perspectiva de investimentos estrangeiros ainda mais elevados justificaria uma transição para uma economia menos suscetível às oscilações de preços de commodities e com empregos mais qualificados”, afirma.
Dados da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), apontam déficit de US$ 51 bilhões na balança comercial de produtos de alta tecnologia no ano passado. “Apenas com a produção nacional de semicondutores poderíamos poupar US$ 12 bilhões em importações”, afirma Lacerda, que é membro do conselho consultivo da Sobeet.
A indústria tradicional, assentada na produção em larga escala de tecidos e calçados, por exemplo, fica em posição desafiadora diante da competição com importados, impulsionados pela valorização cambial – que não deve ceder com o aumento da entrada de dólares por meio do IED -, que dificulta a competição em mercados internacionais ao encarecer o produto exportado.
“O Brasil corre sério risco de sofrer, nos próximos anos, um ataque especulativo ao contrário, quer dizer, uma sobreapreciação do real graças ao enorme afluxo de capital estrangeiro”, afirma Lacerda, para quem o sistema regulatório cambial brasileiro foi preparado para a escassez, e não para a abundância. “Vamos ter de construir um novo aparato para evitar que a valorização cambial não atrapalhe a indústria já estabelecida.”
Para Luiz Carlos Mendonça de Barros, analista da Quest Investimentos e ex-ministro das Comunicações, a participação dos produtos chineses na competição mundial é definitiva. “A China tem uma enorme capacidade de exportação de bens industrializados e o Brasil certamente vai perder um pedaço de sua pauta exportadora tradicional”, diz. “Não dá para querer ter tudo.” Segundo Mendonça de Barros, a concentração das exportações brasileiras em bens primários é inevitável. “Nós vamos perder um pedaço da indústria tradicional, não adianta. É preciso olhar para frente, adensar as cadeias onde a gente tem vantagem comparativamente aos outros competidores.”
Relatório divulgado semana passada pela Universidade de Columbia (EUA) conclui que os países emergentes deverão receber mais IED que os desenvolvidos pela primeira vez. A retração mundial diminuiu a liquidez, reduzindo o ingresso de IED para todos os países, mas a queda foi maior para as nações ricas. Segundo o relatório, os investimentos estrangeiros diretos para os mercados emergentes vão cair 35%, para US$ 533,9 bilhões, em 2009, enquanto os países desenvolvidos deverão registrar declínio de 52%, para US$ 441,3 bilhões.
O estoque de investimento estrangeiro direto computa não apenas os fluxos de capital, mas o total acumulado. Para Julio Callegari, economista do JP Morgan, o Brasil parte de posição privilegiada, porque as outras nações que integram o Bric eram economias fechadas até a década de 1980, quando iniciaram a abertura de mercados. “E mesmo assim, o estoque de IED chinês é maior que o brasileiro”, diz. Segundo Callegari, o fato de o PIB brasileiro ser menor – pouco mais de um terço do PIB da China – permite que a relação IED/PIB seja mais favorável.
“Enquanto a industrialização brasileira, a partir da década de 1930, atraiu investimento externo para uma economia fechada preocupada com mercado doméstico, a industrialização chinesa, a partir dos anos 70, atraiu capital estrangeiro para uma economia igualmente fechada, mas preocupada com mercado externo”, afirma Callegari. “Analisando a corrente de comércio, o Brasil é disparado o país mais fechado do Bric.”
Para Lacerda, aumentar a corrente de comércio brasileira por meio da concentração em bens primários é uma “furada”. O desafio, acredita, está na ampliação para diferentes mercados e realidades regionais. “É cada vez maior a internacionalização das empresas brasileiras, a partir da formação de grandes grupos”, diz Lacerda. A consolidação de grandes empresas, reforça ele, atinge atualmente o mercado brasileiro de seguros, comunicações, carnes e vinhos.