O trabalho do Laboratório Nacional Agropecuário é referência na garantia da qualidade dos alimentos consumidos no Brasil e no exterior. Ao comprar uma carne no supermercado, a garantia de que é segura para consumo é comprovada por meio de inspeção nos abatedouros e frigoríficos. Mas poucos imaginam que para assegurar a qualidade do produto, muitas vezes, o Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro) precisa entrar em ação. Esse trabalho é fundamental, no caso das carnes, para investigar a suspeita de doença, os resíduos de medicamentos veterinários, a qualidade da ração ingerida pelo animal e, inclusive, averiguar se o produto comercializado corresponde ao mencionado no rótulo.
Essas são apenas algumas das análises realizadas por um serviço que é estratégico na defesa agropecuária do Brasil. Nesse contexto, o trabalho dos Lanagros garante segurança alimentar aos consumidores nos aspectos de inocuidade, qualidade e identidade dos produtos e subprodutos de origem animal e vegetal, além da qualidade dos insumos agropecuários promovendo, assim, a sanidade animal e vegetal.
No município mineiro de Pedro Leopoldo, ao norte de Belo Horizonte, está uma das seis unidades do Lanagro. Nos 24 mil metros quadrados do complexo laboratorial, em meio a microscópios, balanças de precisão e tubos de ensaio, veterinários, agrônomos, farmacêuticos, químicos e físicos realizam ensaios cuja duração pode variar de minutos a meses. Entre os procedimentos, são diagnosticadas doenças que acometem os animais, como brucelose e tuberculose.
A entrada no Laboratório de Diagnóstico de Doenças Bacterianas do Lanagro/MG tem controle rigoroso. Para evitar contaminação, os visitantes devem vestir avental e calçar pró-pé, uma espécie de sapatilha descartável. Acompanhamos um diagnóstico bacteriológico de tuberculose bovina. Logo na porta, o aviso de que o ambiente é de risco biológico.
O coordenador de Biossegurança do Lanagro/MG, Pedro Mota, explica que o material suspeito de lesão de tuberculose normalmente vem de frigoríficos em que o Serviço de Inspeção Federal (SIF) atua, mas, em situações eventuais, pode ser encaminhado por veterinários autônomos. A amostra suspeita, obtida a partir de tecido do animal – normalmente fragmentos de pulmão – chega ao setor de recepção, é identificada e encaminhada ao local onde ocorre o diagnóstico. “A amostra deve ser levada ao laboratório conservada em gelo, obedecendo todos os critérios de cuidado”, afirma.
Para o trabalho ser realizado, é importante que o material esteja acompanhado de formulário com o histórico completo. “Tudo é muito bem documentado, aquela amostra deve ter rastreabilidade, por isso, precisamos saber de onde veio. Epidemiologicamente, é mais relevante saber a propriedade de onde o animal saiu, do que o estabelecimento que o abateu”, completa Mota.
Uma vez no Laboratório de Diagnóstico de Doenças Bacterianas, o recipiente é aberto e, por se tratar de uma zoonose, o procedimento é feito em condições seguras. Os técnicos registram o material a ser processado. O preparo da amostra leva um dia inteiro e o resultado para a tuberculose é obtido, em média, em dois meses e meio. Em 2008, o setor realizou cerca de 600 amostras, com previsão de crescimento para este ano. Por dia, a equipe realiza em média 20 análises.
Durante o processamento, a amostra passa por avaliação macroscópica, para identificar a presença de lesão. Em caso positivo, chega a vez de isolar a bactéria e, para isso, a amostra é descontaminada com ácido sulfúrico a 6%, que elimina os outros microorganismos e deixa vivo apenas o Mycobacterium bovis, agente etiológico da tuberculose bovina.
Em seguida, é feita uma série de lavagens para retirar o ácido e preparar o inóculo a ser corado em lâmina pelo método Ziehl-Neelsen. A técnica é a mesma usada para detectar a tuberculose humana. Quando introduzido nos meios de cultura, o crescimento do Mycobacterium bovis será observado por dez semanas. Caso não haja crescimento, pode significar que o resultado foi negativo para a doença. De cada 100 amostras com lesões características de tuberculose, aproximadamente 70 podem ser isoladas por meio de cultura.
A etapa final do procedimento vem após o crescimento da bactéria. Nela, ocorrem as provas bioquímicas que confirmam o isolamento do Mycobacterium bovis.
O trabalho da equipe de Pedro Mota dá respaldo técnico aos fiscais do SIF. “Existem algumas lesões parecidas com as provocadas pela tuberculose e, dependendo da intensidade, a carcaça deve ser condenada. Então, os colegas do serviço de inspeção precisam do respaldo laboratorial para averiguar se aquelas lesões são mesmo de tuberculose”, esclarece.
Como tantos outros procedimentos nos Lanagros, essa é uma das ações que preserva a saúde do consumidor. “O ser humano não pode consumir carnes ou lácteos contaminados por Mycobacterium bovis, agente etiológico da tuberculose bovina, pois a bactéria causa as mesmas lesões do Mycobacterium tuberculosis, agente etiológico da tuberculose humana”, adverte.
A rede de Laboratórios Agropecuários tem unidades oficiais em Campinas/SP, Pedro Leopoldo/MG, Goiânia/GO, Recife/PE, Belém/PA e Porto Alegre/RS. Ainda que estrategicamente localizados nas cinco regiões brasileiras, a ação laboratorial tem o apoio de doze unidades avançadas e 878 laboratórios credenciados e fiscalizados periodicamente pelo Ministério da Agricultura. Quanto maior a capilaridade da rede, maior agilidade no atendimento à demanda.
A ideia é ter laboratórios distribuídos para atender as necessidades do agronegócio. Dessa forma, os Lanagros são fundamentais também para a exportação de produtos agropecuários. Por exemplo, exigentes parceiros comerciais do Brasil auditam as unidades oficiais e credenciadas da rede e inspecionam o trabalho feito nesses laboratórios, exigindo, inclusive, a equivalência de algumas metodologias. É o caso do Programa Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes, que tem o reconhecimento da União Europeia e dos Estados Unidos.
“Ao fazer uma análise para exportação, você melhora, consequentemente, o mercado interno”, opina o coordenador do Lanagro/MG, Ricardo Nascimento. Segundo ele, com instrumentos de análises e metodologias exigidas por outros mercados, a fiscalização interna se aprimora a cada dia.
Por se tratar de segmento extremamente especializado, com atividades de precisão, a rede de laboratórios oficiais e credenciados, conta com pessoal qualificado. São 861 funcionários nas unidades oficiais e, só no ano passado, toda a rede foi responsável mais de 20 milhões de análises.
Cada Lanagro, além das análises de rotina, possui uma determinada expertise. O laboratório de Campinas, por exemplo, é referência no Mercosul para identificação de enfermidades avícolas como doença de New Castle e influenza aviária, enquanto que o de Belém realiza o diagnóstico da febre aftosa. O de Porto Alegre, por sua vez, controla 100% das vacinas produzidas contra a febre aftosa. Em Recife, o destaque é o diagnóstico da encefalopatia espongiforme bovina (BSE) e, no laboratório de Goiânia, são analisados fertilizantes e sementes.
Em 1995, o Ministério da Agricultura determinou, com base na Portaria nº 177, de 27 de outubro de 1994, que não seria mais permitida a manipulação do vírus da febre aftosa em laboratórios sem segurança biológica. Foram estabelecidas normas de construção e funcionamento dos laboratórios para a manipulação do vírus da febre aftosa.
O Brasil conta com quatro laboratórios particulares de alta segurança, todos fiscalizados pelo Mapa. O Lanagro/MG abriga uma unidade de segurança biológica nível 3+.
As instalações e equipamentos atendem aos requisitos internacionais para trabalho com agentes patogênicos de alta periculosidade. Na unidade, são manipulados organismos de qualquer natureza, inclusive, aqueles inexistentes no Brasil, pois está situada em uma área total de 1.720 metros quadrados com dispositivos que não permitem a fuga de microorganismos. O ambiente é totalmente hermético e a pressão interna, negativa.
O investimento nessa área de biossegurança é fundamental para controlar agentes patogênicos de alto risco, que poderiam restringir a comercialização de produtos brasileiros, especialmente, no mercado internacional. A criação da área é uma recomendação da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) e faz parte das ações do Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa (PNEFA).