Redação (18/08/06)- Há 45 dias na turbulenta cadeira de ministro da Agricultura, o agrônomo Luís Carlos Guedes Pinto chegou ao diagnóstico definitivo sobre o atual modelo de política agrícola: a receita de “correr atrás do prejuízo” provocado por bruscas variações de preços ou graves problemas climáticos está “esgotada, superada e cada vez mais restrita”. Uma nova estrutura que evite a sangria dos cofres do Tesouro Nacional a cada crise precisa ser construída com base em instrumentos de garantia e proteção de renda, como o seguro rural e as operações de hedge em mercados futuros.
“Estamos fazendo mais do mesmo. Precisamos inovar para reduzir gastos e dar mais estabilidade ao setor. Temos que expandir o seguro, o que implica subsídio médio de 50% [do prêmio]. E, simultaneamente, fortalecer o mercado de futuros”, disse, em entrevista de uma hora e meia, ao Valor. Pressionado a assumir o cargo pelo presidente Lula, Guedes afirma já ter o “sinal favorável” do chefe. “Vai ficar mais barato. Neste ano, colocamos R$ 1 bilhão a fundo perdido só para a soja, algo que não se fazia há 20 anos”. A “inflexão”, segundo ele, será gradual.
“Ter um seguro abrangente levou 26 anos na Espanha. Se começar hoje, teremos algo em cinco ou dez anos”. Neste ano, o governo renegociou R$ 20 bilhões em dívidas, aplicou R$ 2,45 bilhões na comercialização da safra para escoar 13,5 milhões de toneladas de grãos. “É o maior apoio feito desde 1986, quando foi extinta a conta-movimento e os recursos eram ilimitados”.
A reforma do intrincado sistema começou timidamente a sair do papel com a aprovação da Lei do Seguro Rural e a criação de títulos lastreados em recebíveis a partir de 2003. Mas precisa de um empurrão mais forte. Neste ano, o seguro agrícola terá R$ 42 milhões par subsidiar o prêmio das apólices. “Mas estamos negociando outros R$ 19 milhões. Temos demanda firme e uma dificuldade imensa”. O governo entraria só com recursos para rechear um fundo de calamidade. “Aí não teria escapatória”.
A vontade de Guedes esbarra, porém, em fortes resistências de parte do setor. “Há interesses, não posso ignorar. São segmentos minoritários, têm poder político. E existe o Parlamento”, reconhece.
“Mas nosso compromisso é com o conjunto da sociedade, do interesse coletivo. Não posso ser ingênuo nem voluntarista”. O ministro, que assumiu o cargo após a ainda nebulosa saída de Roberto Rodrigues, prega um choque para avançar. “Não se faz do dia para a noite. Mas quem não usou, não fez seguro ou se protegeu, está fora”. Segundo ele, é preciso construir modelos que tenham “sustentação, viabilidade” e dialogar muito. “Sempre haverá quem reage mais. Mas a maioria quer, está aberta e percebe que o modelo se esgotou, será cada vez mais restrito”. Para reforçar o argumento, pediu um estudo que avalie o custo do Tesouro com as recentes crises e renegociações.
No amplo diagnóstico sobre os problemas do setor, Guedes também avalia que a separação dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário dificulta a integração das políticas. E reflete sobre a reforma agrária, sua especialidade nos mais de 40 anos de atividade no setor rural. Ele refuta a oposição entre agricultura familiar e agronegócio. “É um erro conceitual. São categorias distintas. Agricultura familiar você pode contrapor à agricultura patronal ou empresarial. A grande maioria dos produtores familiares está inserida no agronegócio”, diz. E explica: “Começa com uma colocação totalmente equivocada, um erro conceitual, ideológico. Não faz sentido. É ideológico”.
Na raiz da questão, estaria a opção do governo Fernando Henrique Cardoso, feita em 1996. “Há um problema de ordem legal, original, que separa essas duas agriculturas e que, de fato, muitas vezes dificulta a integração desses trabalhos”.
Para a reforma agrária, Guedes defende uma nova solução. Segundo ele, a experiência mundial mostra que toda vez que se junta órgão de reforma agrária a outras ações, elas ganham cada dia uma dimensão maior. E relembra a opção de unificar o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), vinculado ao presidente da República, ao Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (Inda).
“Colonização não estava no Ibra. Era só reforma. Em 1970, o Incra passou a fazer colonização e a reforma agrária ficou em segundo plano. Porque provoca impactos e reações naturais. Quando você mistura, a reforma agrária acaba”. Guedes defende um órgão exclusivo para a ação e a reunificação das políticas. “Deveria haver um órgão centrado. O desenvolvimento da agricultura seriam mais facilmente conduzidas se unificasse. Onde termina a agricultura familiar e começa a empresarial?”
Especialista no tema, Guedes critica o atual modelo. “Já viu reforma agrária no mundo durar 42 anos? Não existe isso. Reforma agrária tem que ter começo, meio e fim. Tem que ter prazo para fazer. Precisa ajustar, reavaliar a realidade brasileira. Não sou contra. A vida inteira defendi”. E defende a revisão dos índices de produtividade para fins de reforma agrária. “Caminhou-se em direção a alguns números que os dois ministérios achavam que ficariam mais próximos do que reflete a nossa realidade. Eles estão muito defasados porque são de 1975”.
Investimento menor prejudica defesa, diz Guedes
Numa análise rigorosa dos vários níveis de responsabilidade pelas ações de defesa agropecuária, o ministro da Agricultura, Luís Carlos Guedes Pinto, afirma que o país paga o preço da redução de investimentos na área. “Muitos Estados reduziram recursos para a defesa e fecharam “Emateres”. Estão tomando consciência hoje do tamanho do prejuízo, como no caso de Mato Grosso do Sul”, disse ao Valor.
Responsável pela formulação de políticas e auditoria da sua execução, Guedes afirma que o combate à febre aftosa depende de todos. “Se todos vacinassem, reduziríamos. Não é justo se cobrar só do setor público ou do governo federal. Os recursos estão aquém do desejável porque são limitados”, avalia. E reclama dos Estados. “Não quero acusar, mas neste ano nove Estados sequer apresentaram projetos e outros três não poderemos pagar porque não fizeram prestação”.
De acordo com ele, é preciso agir “integrados com outros países”. Ele informou que assinou convênio com FAO e IICA para um programa continental de combate a doenças animais e vegetais transfronteiriças. “Aftosa é prioridade e ponto de apoio”.
Guedes também negou interferências políticas, disse que o rebanho é grande e tem uma forte questão econômica de “alguns reais a mais por arroba”. “Não adianta dizer que o Paraguai é ou não é [exportador de aftosa]. Não vai ajudar, ao contrário”. E informou que têm sido ampliado os recursos para a defesa e foram contratados 1.034 fiscais desde 2001.
Sobre outra polêmica recente, em que teve um papel destacado nos bastidores do governo, o ministro Guedes defendeu a intervenção do conselho de ministros na operacionalização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). “A função da CTNBio é analisar do ponto de vista técnico os impactos e efeitos da biotecnologia. Havia muitas discussões colaterais, inclusive de ordem formal, de procedimentos internos, pedidos de vista, inversão de pauta. A função dela é analisar se há risco e quais são dessa demanda”, afirmou. Segundo ele, havia “postergação” da análise técnica com o levantamento de outras questões.
O ministro da Agricultura também não descarta a redução do quórum mínimo para aprovação comercial de transgênicos pela CTNBio. “A decisão é aguardar o que vai acontecer com as novas recomendações do conselho. A CTNBio tem 27 membros e em quatro reunião a presença máxima chegou a 22. Então, vamos avaliar isto [redução do quórum]”, afirma o ministro.
Guedes defendeu que o tema não pode ser debatido com discussões “subjetivas e emocionais, mas técnicas e científicas”. Sobre os detratores dos transgênicos, é mais duro: “O que se vê muito nesses movimentos [de oposição aos transgênicos] que conheço bastante é que estas discussões não são com fundamentação técnicas ou científicas. Muita gente nem sabe o que é um transgênico. A pessoa sai com bandeira na rua [contra] e põe na veia a insulina”.