Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Insumos

MT: um celeiro da soja

Produtividade das lavouras do Mato Grosso deve bater novo recorde. Estado vai produzir 50,6 sacas em cada hectare em 2009/10, diz Conab.

Em dezembro de 1979, quando Ailor Anghinoni comprou sua propriedade de 2 mil hectares em Mato Grosso, o Estado engatinhava em desenvolvimento e produtividade agrícola. Nascido no Rio Grande do Sul e criado no Paraná, onde viveu dos oito aos 28 anos, o produtor, cujas terras estão em Rondonópolis, foi um entre milhares de gaúchos e paranaenses que deixaram as terras do Sul para se aventurar no promissor Centro-Oeste, uma “nova fronteira” promissora para a produção de grãos.

“Naquela época, os caminhões que saíam daqui cheios de soja em direção ao porto voltavam carregados com a mudança de mais gente que vendia suas fazendas para comprar terras em Mato Grosso”, conta o agricultor. “Muita coisa mudou de lá para cá. A informação anda mais rápido hoje e a tecnologia deu um salto entre o fim dos anos 70 e início dos 80”.

Em seu primeiro ano de produção no novo Estado, Anghinoni, que é agrônomo, usou o que aprendeu na faculdade e a experiência em lavouras herdadas da família e colheu expressivas 62 sacas por hectare – cerca de 3.800 quilos. “Quando eu contei isso no Paraná me chamaram de mentiroso”. E não era para menos. Até então, o Paraná era o Estado com a maior produtividade de soja do país, com 2.230 quilos (32,3 sacas) por hectare na safra 1980/81. Naquela mesma temporada, a produtividade média de Mato Grosso foi inferior a 30 sacas por hectare, apesar da boa marca de “seu” Ailor.

A história do produtor se confunde com a história da soja em Mato Grosso, que nas últimas três décadas viu a produtividade das lavouras semeadas com o grão saltar 70%. O Estado, que colheu uma média de 29,9 sacas por hectare em 1981, vai produzir 50,6 sacas em cada hectare em 2009/10, segundo a Conab. É a maior média do Brasil e uma das maiores do mundo. Conforme o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), a safra do país, maior que a brasileira, teve rendimento médio de 49,31 por hectare em 2009/10, cuja colheita praticamente acabou.

Segundo produtores, o número da Conab está subestimado. O clima está favorável e tudo indica que a produtividade média das lavouras deverá chegar a 55 sacas por hectare e bater novo recorde histórico, ajudando a elevar ainda mais a produção. Com a atual estimativa de produtividade da Conab, 1,4% inferior a de 2008/09 e que hoje sofrerá ajustes, a colheita em Mato Grosso renderá 18,652 milhões de toneladas, um incremento de 3,8% derivado do aumento de 5,3% da área plantada.

“As condições das lavouras de Mato Grosso estão muito boas. Mesmo com a presença [do fungo] da ferrugem, a doença está bem controlada e a produtividade deve, novamente, ser elevada”, diz Douglas Nakazone, analista da Agroconsult e coordenador de uma das equipes do Rally da Safra, expedição promovida pela consultoria nos últimos sete anos.

Mesmo as variedades precoces, que representaram 40% do plantio nesta safra e têm um potencial produtivo menor, terão um rendimento superior ao estimado pela Conab. “Não é difícil achar produtores que colhem entre 66 e 68 sacas por hectare. Quem gerencia a lavoura com os padrões mínimos já supera essas 50 sacas”, afirma Rodrigo Blöckl, supervisor da Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja). “As novas variedades, com genética mais adaptada à região e os cuidados que os produtores passaram a ter com as doenças depois da crise de ferrugem em 2004, elevaram o rendimento da soja no Estado”.

E isso tudo não é por acaso. O clima do Estado está entre os mais propícios para o cultivo do grão, com chuvas e períodos de sol na medida certa. Aliado a isso, as grandes áreas de chapada alteraram o perfil fundiário em comparação às fazendas do Sul e permitiram maior ganho de escala na produção, com sementes apropriadas em grande parte desenvolvidas pela Embrapa. O grande limitador para a produção era o solo pobre, mas que foi corrigido com adubação que, em algumas regiões, já oferece até um estoque de fósforo.

Mesmo perto de registrar a maior produtividade de sua história, próxima a 55 sacas por hectare (330 gramas por metros quadrado), há sinais de que esse rendimento não chegou ao limite em Mato Grosso, maior Estado produtor de soja do Brasil. As variedades transgênicas adaptadas ao Centro-Oeste chegaram há pouco tempo no mercado. Há cinco anos, a soja geneticamente modificada plantada em Mato Grosso era trazida do Rio Grande do Sul ou da Argentina e não expressavam todo o seu potencial produtivo.

A Fundação MT lançou no ano passado a variedade TMG 123, que tem oferecido produtividades elevadas. A presença de vagens com quatro grãos na planta da soja, que até bem pouco tempo atrás eram raras, hoje já predominam nas lavouras. Além disso, os transgênicos reduziram a concorrência com plantas daninhas e o menor número de aplicações diretas sobre a soja também colaboraram para o ganho de produtividade. “Tecnicamente, quando não havia os transgênicos, as aplicações de herbicidas para controle de pragas não matavam a soja, mas evitavam que todo o potencial produtivo da planta fosse atingido”, diz Blöckl.

Nesse novo momento que o sojicultor vive em Mato Grosso, de preços internacionais em queda – mas ainda acima das médias históricas – e dólar mais forte, a expectativa é que a safra 2009/10 seja um alento aos produtores e represente o fim de um ciclo de pressão provocado por insumos caros e crédito escasso. “O produtor terá lucro e a renda obtida será suficiente para pagar as contas e ainda sobrar para investir no próximo plantio”, acredita Nakazone.

Apesar dos avanços dos últimos trinta anos, a simplicidade com que o “seu” Ailor trata alguns assuntos chama a atenção daqueles que projetam novos aumentos da produtividade de soja em Mato Grosso. As condições que atraíram o produtor gaúcho para o Estado também ajudaram a criar quase uma monocultura. “Nos afastamos da natureza. O agricultor criou uma dificuldade para ele mesmo e hoje é mais difícil produzir 50 sacas por hectare do que colher as 60 de 15 anos atrás”.

Essa “dificuldade” está relacionada aos tratos culturais da lavoura. Novas pragas aparecem a cada ano. Insetos que atacavam lavouras de milho e algodão já podem ser encontrados em áreas de soja. Para “seu” Ailor, o agricultor de Mato Grosso deve se reaproximar da natureza, usar formas naturais de controle de pragas e diversificar a produção. “Eu só não sei se há interesse das empresas em se fazer isso”, diz ele.