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Novo governo, reformas e oportunidades históricas

Economista da FGV defende que o novo governo tem todas as condições para implementar as reformas fundamentais para o Brasil. Veja a entrevista concedida ao Avicultura Industrial.

Redação AI 13/12/2002 – O economista e coordenador dos Cursos de Mestrado e Doutorado da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Eaesp), Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, acredita que o novo governo, por mais estranho que possa parecer diante de tantas incertezas econômicas e políticas, domésticas e internacionais, terá condições para implementar as reformas fundamentais para o País. “Com relação a algumas destas reformas, o Partido dos Trabalhadores (PT) fez oposição irresponsável e corporativista”, diz. “Com relação a outras, o atual governo assumiu uma postura no mínimo conservadora. Exemplo para o primeiro caso, a reforma previdenciária e, para o segundo, a tributária”.

O professor sustenta que há muito mais razão e ciência e menos paixão por detrás de seu argumento em acreditar que tudo poderá dar certo a partir do ano que vem. Segundo ele, o presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva, e seus braços direitos têm muita capacidade de negociação e articulação. “O novo governo deverá ser muito sábio e usar esta capacidade para articular seu apoio no Congresso”, ressalta. “Caso pudesse dar um recado para os novos integrantes da administração que se instalará no Brasil em janeiro, este seria: sejam eficientes e não tenham medo de sê-lo. Aliás, os governos do PT em geral são muito zelosos para com a administração pública. Portanto, o novo governo terá uma oportunidade de ouro para se firmar como eficiente, capaz e ciente das responsabilidades que tem para dirigir as políticas macroeconômicas, sem apelar para soluções fáceis, populistas”.

Nesse sentido, Marcos Fernandes fez algumas análises sobre os principais pontos de discussão para o futuro governo. Confira:

Capital político
“Em primeiro lugar, o capital político de um governo novo, em seu início, é muito grande e deve ser usado da forma mais estratégica possível. No caso da reforma tributária que, venhamos e convenhamos, é extremamente complexa, pois envolve conflitos distributivos em diversas dimensões (entre setores, unidades da federação, grupos de pressão etc.), a melhor opção é, de pronto, negociar com governadores a maior parte com caixas baixos e numa situação crítica apoio para a implementação, em médio prazo, de um sistema tributário mais racional e adequado à estrutura federativa do País. Não podemos, no entanto, ter ilusões: uma reforma tributária deve levar anos para ser implementada. Entretanto, o simples início de uma discussão clara e aberta já daria bons sinais para os agentes econômicos, contribuindo para um processo de reversão de expectativas.

Por sinal, toda a engenharia econômica que o novo governo deve implementar, logo nos seus primeiros meses, deve estar ligada à construção de um processo de reversão de expectativas. Por esta razão, em segundo lugar, a nova administração deveria colocar na pauta imediatamente a reforma previdenciária. Muitos poderiam dizer: como a situação, que fora oposição, terá a coragem de propor algo a que se opôs? Sem ilusões: o mínimo de realpolitik é necessário neste momento. A constatação inevitável da existência de uma grande restrição orçamentária intergeracional deve impelir o novo governo à reforma. E, pensando bem, qual é a percentagem da população afetada por este tipo de mudança? Com certeza, representam uma parcela pequena da população aqueles que terão que arcar com algum custo para ajustar o sistema previdenciário, principalmente o público. Este custo político o PT terá que assimilar (assim como aquele associado à impossibilidade de reajustar agora o salário mínimo)”.

Populismo econômico
“Por outro lado, em economia não há mágicas ou, quando elas aparecem, acabam em populismo econômico, cujas conseqüências nós sabemos muito bem quais são. Logo, em terceiro lugar, o novo governo deve fazer uma política fiscal rigorosa, sinalizando para o mercado (que somos todos nós) que ele tem condições de pagar a dívida pública e que ele deseja realmente pagá-la. Um superávit primário da ordem de 5% do PIB seria talvez necessário para atingir tal objetivo. Desta forma, é possível reduzir a taxa básica de juros até o final do ano de 2003, indicando-se com isso uma redução subseqüente da taxa de crescimento desta parte do passivo público e colocando a dívida numa trajetória virtuosa. Mais uma vez os críticos poderiam dizer: mas qual será a disposição de um partido político que mudou oportunisticamente seu discurso para as eleições a fim de implementar uma política que, sabemos, não é nada popular? Observa-se, novamente, que a prática política e a realpolitik são necessárias e determinantes para o sucesso de um governo. Não há escolha e diante disso, o melhor a se fazer é otimizar os benefícios que virão, em médio prazo, do uso de remédios tão amargos”.

Governo eletrônico
“Mas, no curto-prazo, o novo governo deveria prestar a atenção para reformas que são plenamente factíveis e podem até mesmo ajudar a reduzir boa parte dos gastos públicos correntes. A adoção de sistemas de e-governo, ou governo eletrônico, e de novas estruturas de governança corporativa dentro do Estado podem implicar consideráveis economias de recursos. Por exemplo, o uso de leilões eletrônicos na licitação e compra de produtos, a informatização e controle da Receita etc., podem, além de garantir mais transparência e accountability, gerar economias para a administração pública. Os membros da nova administração devem olhar para o exemplo do Estado de São Paulo, que sob a administração do governador Mário Covas e por meio da atuação decisiva de seu Secretário da Fazenda, Yoshiaki Nakano, implementou talvez a maior reforma do setor público já feita no País nas últimas décadas: o governo eletrônico, projeto ainda inacabado, mas que já revela, e muito, seus benefícios não somente para a gestão financeira do Estado, mas para o aprofundamento da democracia, por meio de mecanismo mais acessível e transparente de governança e de accountability”.