De olho na remuneração do etanol, cerca de 14% maior do que a do açúcar, as usinas do Centro-Sul do país estão se posicionando para maximizar a fabricação do biocombustível nesta safra 2014/15. Nos últimos dias, a indústria começou a cancelar contratos de venda de açúcar para direcionar mais cana para a produção de etanol. O mercado estima que essas operações envolvam um volume entre 500 mil e 600 mil toneladas de açúcar que deixarão de ser produzidas.
Esse tipo de cancelamento, conhecido como “washout”, está previsto em contrato e é consensual entre usinas e tradings. Implicam, no entanto, pagamento pela usina de uma multa à trading. Basicamente, o que os dois lados fazem é “dividir” o resultado adicional com a conversão de mais cana para etanol, em vez de seu uso para produzir açúcar. Diversas tradings estão estimulando esse tipo de negociação, explica o sócio da consultoria FGAgro, Gustavo Torrano Correa. “Além de ganharem o prêmio da usina, evitam um problema, uma vez que há dificuldades em dar destino para todo o açúcar na velocidade em que ele vem sendo produzido”, afirma.
A estimativa da consultoria, com sede em Ribeirão Preto (SP), é de que esses cancelamentos possam chegar a um volume de 500 mil toneladas de açúcar. Já nos cálculos da comercializadora de etanol Bioagência, esse volume será próximo de 600 mil toneladas. O diretor da comercializadora, Tarcilo Rodrigues, diz que esses cancelamentos o levaram a revisar para baixo a produção de açúcar prevista para o Centro-Sul a 31 milhões de toneladas, ante as 31,6 milhões da última estimativa. Já para a produção de etanol, ele prevê 23,8 bilhões de litros, ante 23,4 bilhões iniciais.
O etanol hidratado vem se mostrando mais remunerador do que o açúcar há muitos meses, de forma que, nesta safra, ou seja, desde abril, em nenhum momento o etanol deixou de estar à frente da commodity (ver gráfico acima). Segundo cálculos da FGAgro considerando o fechamento da última quinta-feira do contrato de agosto do etanol hidratado na BM&FBovespa, o biocombustível está remunerando 13,3% acima do açúcar bruto em Nova York (primeiro vencimento).
O cenário se repete para os contratos com vencimento em 2015. As telas de mercado futuro (também com fechamento na última quinta-feira) indicam que, em março de 2015, o etanol estará remunerando quase 20% acima do açúcar – 19,22 centavos de dólar por libra-peso, ante 17,51 centavos de dólar por libra-peso do açúcar.
O consultor de gerenciamento de risco da FCStone, Bruno Lima, acrescenta que algumas usinas têm “receio de não terem cana suficiente para produzirem o açúcar contratado”, outro motivo para os cancelamentos.
Até o momento, porém, as usinas não têm conseguido produzir todo o etanol que gostariam. O clima seco acelerou a moagem e o teor de açúcar na cana está elevado, o que “enche” as duas fábricas (de açúcar e etanol), reduzindo a flexibilidade da indústria para mudar o mix.
As operações de “washout” deram impulso aos preços do açúcar em Nova York na quinta-feira. Já na sexta, o produto voltou a sofrer diante da migração da demanda da bolsa para o mercado físico no Brasil. Com a expiração do contrato de outubro, os compradores estão com receio de receber na bolsa o açúcar da Tailândia, que está com baixa qualidade, explica Lima, da FCStone.
“O país vai entregar na bolsa porque não consegue encontrar destino no mercado físico pela qualidade baixa do produto. Mas ninguém quer correr risco de receber esse açúcar”, afirma o analista.
Segundo Bruno Lima, o temor dos compradores é com os gastos adicionais para refinar esse açúcar deteriorado e deixá-lo pronto para ofertá-lo ao mercado. O cálculo é de que o gasto para retirar e transportar o açúcar do Brasil (em torno de 100 pontos acima da cotação em Nova York) é igual ou até menor que o custo de refino do produto tailandês.
Essa preocupação levou muitos compradores, mesmo os próximos à Tailândia, a venderem suas posições na bolsa e buscarem o produto no mercado físico brasileiro, considerado de melhor qualidade. Com isso, houve pressão negativa nos futuros do demerara na bolsa. Os lotes para outubro caíram 2,19%, para 15,64 centavos de dólar por libra-peso.