Com o agravamento das mudanças climáticas e a escassez de recursos naturais tornou-se imprescindível para a indústria do cimento buscar meios mais sustentáveis para o processo produtivo do material, com o objetivo de reduzir a “pegada” de carbono do setor. A indústria cimenteira responde, em escala global, por cerca de 7% de toda a emissão de dióxido de carbono (CO²) e por 7% do uso de energia industrial. O alto índice é justificado pelo setor ser responsável pela substância manufaturada mais consumida no mundo, o concreto.
Uma grande quantidade (cerca de 90%) do CO² emitido na atmosfera pela indústria de cimento é resultado dos combustíveis fósseis utilizados e da produção de um dos componentes básicos do cimento, o clínquer, que é obtido pela queima da rocha calcária.
A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do Laboratório de Inovação em Cimentos Ecoeficientes (LINCE), Ana Paula Kirchheim, explica que, uma abordagem neste sentido – de reduzir as emissões de CO² – é a substituição ou redução do clínquer por materiais cimentícios suplementares. Entre as matérias-primas alternativas ao clínquer na fabricação de cimento estão resíduos de escórias siderúrgicas, cinzas de termelétricas, filer de calcário e argilas.
O cimento portland tipo CP-III, por exemplo, tem uma concentração de 75% de escória na composição, o que é superior ao clínquer convencional. E, em países como a Colômbia, Índia e Cuba, já é produzido e consumido o cimento LC3, rico em argila calcinada e calcário (a composição o LC3 utiliza 50% clínquer, 30% argila calcinada, 15% calcário e 5% gipsita). “A região Norte do Brasil é rica em argila caulinita. E já existem estudos que mostram que a argila e o calcário geram reações químicas que em algumas características de durabilidade sobressaem o cimento portland convencional”, salienta a professora da UFRGS.
O gerente de Sustentabilidade e Energia da Votorantim Cimentos, Fabio Cirilo, avalia que matérias-primas como o filer calcário e a argila calcinada são itens importantes na agenda estratégica da Votorantim, que visa aumentar a eficiência do uso de clínquer na produção do cimento. Entretanto, ressalta que outras alternativas já utilizadas para reduzir o fator clínquer, como as escórias siderúrgicas e cinzas termelétricas, devem desaparecer no longo prazo. “A Europa já declarou o fim das termelétricas até 2030 e no Brasil já há sinais de avanço no uso de energia solar e eólica, porque não há espaço para o carvão no mundo do carbono zero, além de a tendência de produção de aço com reciclagem acabar com o estoque de escórias”, comenta Cirilo.
Economia circular
A substituição de combustíveis fósseis (coque de petróleo) por biomassas como fonte de energia é outro foco da Votorantim Cimentos, segundo Cirilo, que enfatiza o objetivo da empresa de neutralizar as emissões de carbono até 2050, visando atender o acordo de Paris, firmado em 2015.
A fábrica da Votorantim na cidade de Primavera (Pará) passou a coletar o caroço do açaí para transformá-lo em biomassa, que é utilizada como combustível. São substituídas 3 mil toneladas/mês do coque de petróleo por 6 mil toneladas de caroço/mês. O resultado é a redução da utilização do combustível fóssil em 40% para a geração de energia.
“Passamos das 100 mil toneladas de caroços de açaí utilizados por ano, o que reduz em 135 mil toneladas/ano de C0² nas emissões diretas do forno. Se considerarmos a degradação da matéria orgânica (caroço) que estaria enterrada, caso não fosse reutilizada, ainda há uma redução na emissão de 230 mil toneladas/ano de gás metano na atmosfera”, explica Cirilo.
Indústria de baixo carbono é o futuro
Para a professora Ana Paula, no sentido de repensar as matérias-primas, o potencial da participação da pesquisa acadêmica na evolução da indústria do cimento ainda deve ser mais explorado. “A academia está desenvolvendo inúmeros estudos que visam entender questões sobre a influência do coprocessamento de resíduos na química do clínquer e como isso deve impactar o produto final e também o uso de matérias-primas como a argila”, comenta a professora.
Outro ponto destacado por ela é que políticas públicas deveriam estar alinhadas com as estratégias de sustentabilidade das empresas. “Há vários países que concedem benefícios fiscais para quem não usa o cimento tradicional, produzindo materiais com resíduos que promovem menor impacto ambiental”. Sobre os fatores econômicos envolvidos na questão sustentável, o gerente de Sustentabilidade e Energia na Votorantim Cimentos alerta que o risco climático afetou o olhar do mercado financeiro. “Por mais que custe caro fazer a transição para práticas mais sustentáveis, acredito que não há outra opção. Porque será infinitamente mais caro não fazer”, finaliza Cirilo.