Eu me tornei nutricionista animal em 2002 e neste caminho já se foram 16 anos. Observei neste período uma série de transformações em nossa profissão, tais como: discussões envolvendo o uso do já consagrado conceito da proteína ideal, popularização da formulação à mínimo custo amplamente dominado pela maioria dos produtores de suínos no Brasil, além do conhecimento pleno da qualidade dos ingredientes. Hoje tecnologias como NIR (sigla em inglês para a técnica de Espectroscopia de Infravermelho Próximo) e a difusão de excelentes centros laboratoriais para análises químicas por via úmida, geram grande oportunidade para o conhecimento das características nutricionais e antinutricionais dos ingredientes que utilizamos de forma rápida e precisa.
Este avanço gerou uma condição que permitiu aos nutricionistas estabelecerem novas responsabilidades em seu cotidiano. A Nutrição pode ser definida como a ciência que estuda todos os processos onde os organismos consomem, utilizam e eliminam os nutrientes. Porém esta definição é demasiada simples e enfoca apenas o aspecto fisiológico da profissão, o que limita o seu verdadeiro sentido. De fato, a nutrição animal sempre foi muito próxima a grande área de fisiologia, ou seja, o estudo do funcionamento correto do organismo dos animais.
A nutrição é uma ciência bem mais ampla e complexa, envolvendo aspectos desde a seleção e escolha dos alimentos, passando pelo contexto de vida do indivíduo até sua relação com a saúde e doença. Este é o ponto de inflexão que vivemos hoje. Com o avanço da restrição de uso de medicamentos para os animais (como apontado em minha última coluna), cada vez mais se torna relevante aos nutricionistas dedicarem-se a aspectos importantes na escolha de ingredientes, como a presença e qual o tipo de fatores antinutricionais que a dieta possui, correto balanço nutricional (que passa desde a formulação até mesmo a mistura de ingredientes em plantas alimentícias), bem como o estudo de nutrientes funcionais para fortalecer o aparelho imunológico dos suínos.
Um excelente exemplo destes novos tempos, pode ser visto nos temas dos principais congressos de nutrição animal, onde discussões meramente sobre níveis nutricionais (teor de aminoácidos, energia, minerais, etc …), estão sendo substituídos por temas mais amplos como estudo de fatores antinutricionais, termorregulação e estresse térmico; estratégias alimentares desenhadas para a saúde intestinal; alimentação de precisão; otimização do uso de ingredientes e sustentabilidade em programas alimentares (parte destes temas serão abordados em colunas posteriores). Claro que a relação entre nutrientes e desempenho zootécnico continuará sendo a parte mais importante de nossa profissão, sendo a base do que fazemos. Porém, é hora de darmos um passo em direção ao futuro.
“Nutrologia segue avançando no segmento animal”
Neste momento, faz-se necessário falarmos sobre uma nova área, a Nutrologia; termo até então utilizado apenas para a ciência médica humana, onde se caracteriza por uma especialidade da medicina que estuda, pesquisa e avalia os benefícios e malefícios causados pela ingestão dos nutrientes. Este ramo da ciência nutricional, exige um profissional que aplique o conhecimento da nutrição para a avaliação de todas as necessidades orgânicas dos animais, visando não só o desempenho produtivo, mas também a manutenção da saúde e redução de risco de doenças.
Um grande exemplo sobre como a nutrologia segue avançando no segmento animal pode ser visto no número de publicações científicas em reconhecidos periódicos sobre este tema. Para citar um exemplo, realizei uma pesquisa na revista Microbiome, periódico que iniciou suas atividades em 2013 se tornando referência na nutrologia. Em 2013, dos 31 trabalhos publicados, nenhum possuía como objetivo a pesquisa de estratégias nutricionais no impacto de modulação de flora intestinal ou saúde animal. Em 2014, este número já representou 2% do total de publicações, passando para 5% em 2015, 6% em 2016, 8% em 2017 e 10% na revista de Janeiro de 2018.
Apenas para citar duas pesquisas envolvendo o tema de nutrologia em suínos, Umu et al. (2015) avaliaram dietas contendo carboidrato resistente como indutor de mudança de microbiota intestinal de suínos. Carboidrato resistente é uma fibra dietética que não pode ser digerida por enzimas digestivas ou absorvida no intestino delgado, mas pode ser fermentado por microrganismos no trato gastrointestinal inferior (em especial nos cecos).
Dietas ricas nestas frações fibrosas tem um potencial benefício para a saúde intestinal, elevando a produção de ácidos graxos voláteis (ácido acético, propiônico e butírico), o que contribui com a saúde animal em muitos aspectos. De acordo com os autores o ácido butírico, por exemplo, é a principal fonte de energia para as células epiteliais do cólon e pode desempenhar um papel importante na prevenção de doenças intestinais de suínos – NUTROLOGIA!
“Modulação de uma flora intestinal mais saudável”
Um exemplo destes carboidratos resistentes pode ser definido com frações ideais de fibras chamadas de arabinoxilo-oligômeros ou apenas AXOS. Estas frações ajudam na modulação de uma flora intestinal mais saudável, exatamente por aumentar o volume destes ácidos graxos voláteis.
Um outro trabalho, realizado nos Estados Unidos com suínos em crescimento alimentados a base de milho, farelo de soja e DDGS (Wilcock, 2016), revelou um potencial de uma melhoria média de 6 pontos na relação de conversão de alimentos corrigida de peso (CAc), através da aplicação da enzima xilanase (enzima que atua em frações de fibras da dieta denominada de arabinoxilanos).
De acordo com o autor, estes ganhos com a produção de AXOS devem-se pela ação de quebra destes arabinoxilanos insolúveis presentes nas paredes celulares da planta. Estas frações de fibra, uma vez fermentados, geram um ambiente ideal para a produção de ácidos graxos voláteis que desempenham um papel no controle bacteriano, além de melhorar a integridade epitelial e reduzir a mortalidade do plantel.
Estas estratégias, como o combate aos fatores antinutricionais, possuem grande relevância no momento de restrição a medicamentos que passamos hoje. Se por um lado temos uma pressão para reduzirmos a carga de antimicrobianos, por outro devemos reduzir ou eliminar seus efeitos deletérios na modulação de flora destes compostos, com consequente interferência na saúde dos suínos. Esta será uma habilidade cada vez mais exigida em nossa profissão, sendo um desafio novo para os próximos anos.
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