- Alícia Zem Fraga, Universidade Federal de Minas Gerais
- Gabriela Miotto Galli, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- Inês Andretta, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
- Luciano Hauschild, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
A demanda por produtos de origem animal é impulsionada pelo crescimento demográfico e melhoria da renda da população. Estima-se que a produção de suínos irá aumentar 13% em 2030 quando comparado com a produção de 2021 (FAO, 2021). Nesse cenário de expansão, a intensificação da produção animal, associada às condições climáticas e o grau de higiene das instalações, constantemente expõe os animais a diferentes condições de desafio sanitário. As altas temperaturas e umidade relativa geralmente observadas em áreas tropicais e subtropicais, favorecem a proliferação e disseminação de vetores e/ou patógenos, resultando em uma maior pressão patogênica no ambiente (Campos et al., 2017).
Suínos em condições comerciais de produção enfrentam frequentemente diversos desafios, incluindo fatores sociais (desmame precoce, densidade de alojamento e mistura de animais) e ambientais (grau de limpeza das instalações, temperatura ambiental etc.; Pastorelli et al., 2012). Além disso, a exposição contínua dos animais a agentes bióticos (ou seja, bactérias, fungos e vírus) e abióticos (ou seja, gases e poeira), como ocorre quando as regras de biossegurança e as condições ambientais não são totalmente respeitadas, pode resultar na intensificação das respostas imunológicas (Le Floc’h et al., 2021). Esta situação pode ser agravada no contexto do aquecimento global, uma vez que o aumento da temperatura ambiental e as frequências de ondas de calor têm sido associados à disseminação de patógenos e vetores que predispõem os animais a infecções (Kimaro e Chibinga, 2013). Juntos, esses aspectos podem induzir respostas metabólicas e distúrbios inflamatórios, que diminuem o bem-estar, o estado de saúde e o desempenho de crescimento dos suínos de alto desempenho.
Quando comparados com outras espécies de produção, os suínos são particularmente sensíveis ao estresse por calor uma vez que possuem glândulas sudoríparas afuncionais e uma espessa camada de tecido adiposo subcutâneo. Associado a isso, o foco a longo prazo dos programas de melhoramento de suínos tem sido para alta produtividade (Guy et al., 2012). No entanto, o aumento na seleção genética para características de produção (desempenho de crescimento, deposição de massa magra e capacidade reprodutiva) resultou em suínos com menor capacidade para enfrentar os desafios.
Nesse sentido, moléculas antimicrobianas foram amplamente utilizadas para atenuar o impacto da estimulação contínua do sistema imunológico causada por questões ambientais e sanitárias. No entanto, a resistência antimicrobiana aumentou a demanda por estratégias não antibióticas (Chalvon-Demersay et al., 2021). Devido aos seus efeitos promotores de saúde (controle da inflamação, melhora do desenvolvimento intestinal, modulação da microbiota intestinal etc.; Liu et al., 2018), estratégias nutricionais, incluindo aditivos alimentares, podem ajudar a atenuar os impactos negativos da medicalização em suínos expostos a desafios ambientais e sanitários.
Efeito da exposição do desafio sanitário e estresse por calor no desempenho de suínos
A redução no consumo de ração (anorexia) é uma resposta comum de suínos alojados em ambiente sanitariamente desafiador. Mesmo a nível subclínico, cujas consequências não são facilmente mensuradas, Kyriazakis et al. (2008) observaram redução de 75-80% no consumo alimentar voluntário. Contudo, em uma condição de desafio mais intenso (tempo e/ou dose do patógeno), no qual sinais clínicos são observados, o consumo alimentar pode ser próximo de zero (Figura 1).
Suínos desafiados sanitariamente (seja por práticas comuns ou por manejo inadequado) também apresentam alteração no padrão comportamental. Em estudo com leitões recém-desmamados, Pastorelli et al. (2012) observaram que suínos alojados em más condições de higiene destinaram maior parte do tempo à exploração do ambiente do que ao consumo de alimentos. Esse comportamento pôde explicar a redução de 10% no consumo de ração (0.430 vs. 0.471 kg/dia) dos suínos desafiados quando comprado ao grupo controle (Pastorelli et al., 2012). Em acréscimo, para suínos em condição de desafio na fase inicial de crescimento, foi observado maior disputa pelo comedouro (+25%) e maior incidência de comportamentos estereotipados, com danos na cauda e feridas na orelha (van der Meer et al., 2017).
Figura 1. Representação esquemática da redução no consumo de ração dependente do tempo de exposição ao patógeno. Adaptado de Kyriazakis et al. (1998).
Fatores como esses podem comprometer a lucratividade dos sistemas de produção. Em estudo com suínos em crescimento alojados em ambiente de baixo, moderado e alto desafio sanitário, Cornelison et al. (2018) observaram que o rendimento de carcaça foi maior para os suínos alojados em moderado desafio em relação ao alto (74.1 vs. 73.6%). Além disso, as perdas econômicas em ambiente moderado, quando comparado com baixo desafio, variaram entre $8,49 e $10,44 por suíno comercializado, enquanto que as perdas no alto desafio em relação ao de baixo, oscilaram entre $20,44 a $26,10.
Em relação ao desafio causado por estresse por calor, Campos et al. (2014) observaram que suínos em crescimento, quando expostos à alta temperatura (30 ºC) e condição termoneutra (24ºC), apresentaram, respectivamente, menor consumo de ração (1500 e 2003 g/dia) e ganho de peso (449 e 684 g/dia). Dessa maneira, houve piora em 14% na conversão alimentar (CA) dos suínos mantidos à 30 ºC. Renaudeau et al. (2011) demonstraram que cada grau Celsius de aumento na temperatura ambiente entre 25 e 30°C reduz em 45 e 25 g/dia o consumo de alimento e ganho de peso, respectivamente, em suínos de 50 kg de peso vivo. Além disso, estudos têm demostrado que, além de mudanças de apetite, o estado metabólico e fisiológico dos animais também é alterado em situações de estresse por calor. Por exemplo, suínos expostos a altas temperaturas, possuem alterações no metabolismo de nutrientes (Morales et al., 2016), menores níveis circulantes de hormônios anabólicos e, consequentemente, menor potencial de deposição de proteína e gordura na carcaça (Rhoads et al., 2013).
Efeitos moduladores da seleção genética e nutrição de suínos expostos a desafios ambientais
Genótipos modernos selecionados para melhor deposição de tecido magro podem não ser capazes de alocar recursos suficientes para processos fundamentais (como os de crescimento e produção) quando enfrentam desafios ambientais e de saúde. Por exemplo, suínos selecionados para maior deposição de massa magra produzem maior taxa de calor metabólico e, portanto, são mais susceptíveis ao calor (Fraga et al., 2019). Ainda, Renaudeau et al. (2007) demonstraram que, quando expostos a temperatura ambiente de 31 °C, suínos nativos da raça Crioula apresentaram menor ativação das respostas de termorregulação e menor aumento da temperatura corporal (menor frequência respiratória e menor temperatura retal e cutânea) quando comparados a suínos puros da raça Large White.
A composição da dieta é outro fator que pode modular as respostas adaptativas (respostas comportamentais, fisiológicas e metabólicas) de suínos expostos a condições de desafio. Durante a transição do desmame, os suínos são expostos a múltiplos estressores (incluindo mudanças na dieta, separação de suas mães e mistura com animais até então desconhecidos) que predispõem os animais à redução do consumo de ração, funções intestinais prejudicadas e absorção de nutrientes; todos os fatores contribuindo para diarreia pós-desmame e baixo crescimento (Campbell et al., 2013). A fim de minimizar os efeitos do estresse induzidos pelo desmame, especialmente em vista da proibição do uso de antibióticos, estratégias nutricionais, incluindo aditivos para ração, têm sido amplamente estudadas (Zheng et al., 2021). Estas substâncias (incluindo enzimas, extratos, aditivos, dentre outros) podem modular a resposta imunológica, o desenvolvimento intestinal e a capacidade antioxidante dos suínos. Portanto, uma melhor compreensão de seus efeitos moduladores pode auxiliar os nutricionistas na formulação de dietas mais adaptadas e contribuir para o desenvolvimento de estratégias nutricionais para melhorar o desempenho e a saúde dos animais (Rodrigues et al., 2022).
Em termos de nutrição animal, os efeitos dos desafios ambientais no metabolismo dos animais e nas exigências nutricionais são raramente considerados. No Brasil, para formulação das dietas para suínos em crescimento e terminação, os níveis de aminoácidos normalmente utilizados são para maximizar a deposição de proteína em uma condição ideal de produção (sanidade, temperatura, alojamento etc.). Sendo assim, por não considerar o aumento da exigência de aminoácidos em situações de ativação do sistema imune, os programas nutricionais apresentam limitações em um contexto prático de produção. Sob essas condições, ocorre um desequilíbrio entre os nutrientes dietéticos e aqueles necessários para funções imune e de produção.
Em um estudo de meta-análise avaliando os efeitos de diferentes desafios sanitários em suínos em crescimento, Pastorelli et al. (2012) reportaram redução no ganho de peso da ordem de 16% para infecções bacterianas, 10% para condições precárias de higiene, 8% para infecções parasitárias e 16% para doenças respiratórias. Essa redução no desempenho pode ser explicada pelo desvio de nutrientes dos processos produtivos (crescimento, reprodução etc.) para atender as funções relacionadas ao sistema imune. Portanto, uma alternativa que permite minimizar os efeitos negativos dos desafios sanitários no desempenho dos suínos, consiste na suplementação de aminoácidos nas dietas (Kipper et al., 2011). Durante uma resposta imunológica, aminoácidos são utilizados para a síntese de proteínas de fase aguda, proliferação de células imunes e outros compostos relacionados com as defesas do organismo (Le Floc’h et al., 2018). Essas evidências demonstram, portanto, que o status nutricional e o sistema imunológico estão interligados.
Perspectivas gerais
As respostas dos suínos a situações de desafio incluem mecanismos de defesa comportamentais, fisiológicos e metabólicos na tentativa de restabelecer a homeostase e a sobrevivência em um ambiente específico. Dependendo da magnitude e do grau de exposição ao estressor, as respostas adaptativas podem não ser suficientes e, nessas condições, são observados efeitos indesejáveis no bem-estar, na saúde e no desempenho do crescimento dos animais. Devido à maior suscetibilidade dos genótipos modernos aos desafios ambientais, questões de aquecimento global (incluindo desenvolvimento de doenças), problemas sanitários e práticas de manejo estressantes (em particular, desmame), os efeitos negativos da exposição ao desafio podem ser especialmente importantes nos atuais sistemas de produção intensiva. Portanto, os atuais sistemas de produção precisarão se adaptar a estes e outros desafios (recursos limitados, aumento da produção etc.) para dar suporte às crescentes demandas por alimentos sem comprometer a capacidade das gerações futuras de também atender às suas necessidades (Andretta et al., 2021). Nesse sentido, entender as respostas dos suínos expostos a desafios contribui para uma melhor compreensão das interações entre animal e ambiente.