Redação (04/12/2008)- No início do século XIX, a palavra biotecnologia teria sido usada pela primeira vez por um engenheiro da Hungria. Entretanto, a aplicação de técnicas biotecnológicas já era conhecida desde 1800 AC, para fabricação de vinho, pão, cerveja, queijo e outros produtos através da fermentação. Nos últimos 30 anos, a biotecnologia teve formidável avanço, abrindo novas oportunidades de crescimento para diversos setores da economia, entre os quais se destaca a agricultura, e tem como maior desafio o uso sustentável de nossa biodiversidade.
A biotecnologia é uma ferramenta tecnológica adicional para a agricultura. Ela impulsiona o crescimento do agronegócio nos países onde já são produzidos alimentos através dessa técnica e têm exercido um papel importante para aumentar a produtividade e atender a demanda por alimentos de uma população em contínuo crescimento. Aliás, em qualquer setor da economia, o que alavanca a competitividade das empresas é a tecnologia. É a tecnologia que reduz os custos, aumentando a qualidade e a produtividade, e coloca os produtos ao alcance do gosto e do bolso do consumidor de dentro e de fora do país.
Até 2050 a população mundial deverá alcançar 11 bilhões de pessoas, o que vai exigir que, no mínimo, seja dobrada a produção de alimentos e, de preferência, sem aumentar drasticamente a área plantada, minimizando assim o impacto sobre nossa biodiversidade. Não há outro caminho senão o uso de tecnologias que permitam maior produtividade por unidade de área.
O Brasil será parte fundamental para suprir considerável parcela de alimentos que o mundo demandará e terá que adotar ações sustentáveis para preservar nossos ecossistemas. A revolução verde iniciada nos anos 1960 trouxe, para o mundo, aumento na produção de alimentos, mas o uso abusivo de insumos também acarretou problemas como a contaminação ambiental e de saúde. No momento atual, a biotecnologia tem a responsabilidade de também aumentar essa produção sem, no entanto, provocar efeitos irreparáveis ao ambiente.
A genética clássica também foi fundamental para o avanço do agronegócio. O programa de melhoramento genético de zebuínos, desenvolvido pelo Instituto de Zootecnia (IZ-APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), resultou em ganho genético médio anual de 3 kg, somando 90 kg de incremento de peso nas progênies dos reprodutores nos 30 anos de desenvolvimento do projeto. Exemplos semelhantes a esse foram observados em vários segmentos da agropecuária.
A adoção da biotecnologia na agricultura cresce a cada ano. Em 2003, 18 países já cultivavam plantas geneticamente modificadas em escala comercial, totalizando 68 milhões de hectares, segundo dados do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA). Em 2008, os transgênicos já ocupam mais de 100 milhões de hectares, distribuídos por 25 países.
Hoje, em vários países, já existem plantações de alimentos geneticamente modificados. Esses alimentos são resistentes a pragas e, por isso, utilizam menos agrotóxicos. Plantas tolerantes a herbicidas têm sido desenvolvidas e permitem aos agricultores também usar menos agrotóxicos para combater plantas daninhas. Com isso diminuem os gastos, além de aumentar a qualidade dos alimentos. Algumas das principais doenças de nossas culturas depositam na transgenia a esperança de controle, entre as quais o feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado e o Greening dos Citros (Huanglongbing).
O potencial das variedades obtidas por recombinação genética também está sendo utilizado para produzir alimentos com mais vitaminas e nutrientes, frutas que demoram a amadurecer e plantas capazes de resistir a fatores ambientais adversos, como secas, inundações, mudanças acentuadas de temperaturas, tolerância ao excesso de acidez e salinidade. No futuro, a obtenção de plantas com melhor aproveitamento da água deverá ser uma realidade.
No Brasil, após um início lento, observa-se agora maior agilidade para liberação de sementes e vacinas transgênicas, sendo que até agora 12 licenças foram concedidas. Ainda assim o país já é o terceiro em área plantada com transgênicos, atingindo próximo de 15 milhões de hectares, o que representa uma participação global de mais de 10%. Acima de nós aparecem a Argentina, com 19 milhões, e os Estados Unidos, com 58 milhões. A tendência é de crescimento acelerado, razão da crise alimentar, da questão energética e das mudanças ambientais.
Um grande evento para a biotecnologia brasileira aconteceu com o pioneirismo dos primeiros projetos Genoma, iniciado em 1997 com o sequenciamento do genoma do primeiro organismo patógeno de uma planta, a bactéria Xylella fastidiosa, que provoca a doença conhecida por "amarelinho" nos laranjais. No ano 2000, o genoma dessa bactéria já estava concluído e deixou como legado expressiva competência instalada em genética molecular, produzindo resultados na fronteira do conhecimento. Veio depois o sequenciamento dos genomas da bactéria Xanthomonas axonopodis, causadora do cancro cítrico, e do genoma da cana-de-açúcar, entre outros.
Projetos já utilizados na prática, e em desenvolvimento, voltados à sanidade da agropecuária, revelam como a biotecnologia está e poderá ser utilizada nessa área do conhecimento. A produção de bioinseticidas, capazes de controlar pragas e doenças, já transformou o Brasil em importante pólo produtor e exportador dessa tecnologia, inclusive permitindo ao País abrigar alguns dos maiores programas mundiais de controle biológico.
Ressalta-se a grande repercussão nacional e internacional do programa de controle biológico da cigarrinha-da-cana-de-açúcar através do fungo Metarhizium anisopliae. Somente no Estado de São Paulo, na safra 2006/2007, foram utilizados 750 toneladas do fungo em uma área de 250.000 hectares, com economia no manejo da praga de R$ 22 milhões. Do ponto de vista ambiental, 200 toneladas de agrotóxicos deixaram de ser utilizados no canavial. Existem atualmente no Brasil 52 biofábricas.
A produção de vacinas e antígenos é outra linha de fundamental importância, para implementação dos programas sanitários, assegurando a proteção dos rebanhos brasileiros. Novas técnicas de diagnóstico animal e vegetal fortalecem a segurança sanitária e fitossanitária nacional contra a introdução de doenças e pragas que não existem no País. Nesse sentido, o emprego de técnicas avançadas, como é o caso do código de barras do DNA, transformou-se em importante aliado da agricultura brasileira para o combate aos nematóides (parasitas) que chegam com sementes importadas.
Mais completo e confiável do que os testes tradicionais realizados por meio da morfologia da praga, o método começou a ser realizado este ano pelo Laboratório de Nematologia do Instituto Biológico. O local é o primeiro no Brasil a usar a técnica para este tipo de problema que atinge o agronegócio. Várias outras doenças de importância econômica têm no diagnóstico molecular ferramenta altamente confiável para expressar os resultados, considerando segurança e rapidez.
Líder de pesquisa na área de desenvolvimento de biocombustíveis (etanol), o Brasil mostra ao mundo capacidade de oferecer solução tecnológica limpa para a adequação da matriz energética através de uma ótima fonte de energia renovável. O desafio agora é usar biotecnologia para retirar etanol do bagaço e da própria biomassa da cana através de reações catalisadas por diversas enzimas conhecidas na natureza.
Entramos na era da agricultura de base biotecnológica e as consequências ainda não podem ser imaginadas em sua real extensão. Contudo, é importante considerar que a biotecnologia traz benefícios e riscos, cabendo a sociedade escolher o uso que quer fazer com o avanço do conhecimento.