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Agregando valor ao agronegócio

Neste artigo, o professor Décio Gazzoni analisa a situação da biotecnologia no Brasil, usando como exemplos as pesquisas e os trabalhos já realizados com a soja.

Da Redação 19/10/2004 – Recentemente encontrei a Dra. Lila Vodkin, prestigiada cientista da Universidade Illinois (EUA), que me contou, entusiasmada, sobre os progressos do mapeamento do código genético da soja, liderado por ela. Trata se de um
investimento de milhões de dólares, envolvendo seis universidades que estudam mais de 200 mil pedaços de cromossomos para identificar os genes da soja.

História de americano louco, alguém pode pensar. Mas, a Inglaterra, a Alemanha, a França e o Japão também investem na identificação dos genes de plantas e animais. Só para país rico, com dinheiro sobrando? China, Cuba e Índia investem maciçamente em engenharia genética. O governo chinês pretende liderar, nesta década, o setor de biotecnologia entre os países emergentes e, até 2020, liderar o setor em escala planetária.

Visionários? Não, esses países entendem que o futuro do agronegócio está reservado para quem dispuser de diferenciais mercadológicos. Um agricultor pode vender sua produção bruta para o atravessador, a preço vil, ou pode agregar valor, processá-la e embalá-la, obtendo um diferencial de preço. O mesmo ocorre em escala global. O Brasil pode represar suas aspirações ao crescimento vegetativo de sua venda de soja (que hoje vale R$ 40 bilhões) ou
agregar valor à soja de maneira que a torne um diferencial no mercado. Como fazê-lo?

A soja

Para responder à questão, pesquisei na literatura o que sairá da cornucópia dos cientistas nos próximos anos. Grupei os avanços científicos em cinco categorias: enriquecimento de alimentos com minerais ou vitaminas; enriquecimento nutricional de óleos vegetais; melhoria dos teores e da qualidade de carboidratos e proteínas; melhoria de componentes funcionais (nutracêuticos); e redução de componentes indesejáveis. Usemos a soja, o principal componente do nosso agronegócio, como exemplo.

A vitamina E, sintetizada apenas nos vegetais, é essencial para os animais e seu efeito antioxidante previne inúmeros distúrbios de saúde. Os cientistas introduziram na soja o gene que aumenta o teor de tocoferol, precursor da vitamina E, tornando a soja importante fonte dessa vitamina. Alguns grãos, entre eles a soja, têm alto teor de minerais, como cálcio e fósforo. Entretanto, a maior parte pode estar indisponível na forma de sais do ácido fítico. Os cientistas introduziram um gene que sintetiza a enzima fitase e torna disponíveis esses nutrientes da soja para o organismo.

O óleo de soja é o mais consumido no Brasil e um dos mais consumidos no mundo. Torná-lo mais saudável é um desejo dos médicos e uma preocupação dos cientistas. Existem genes que melhoram o perfil dos ácidos graxos da soja. Um deles aumenta o ácido oléico, reduz o teor dos ácidos saturados e, conseqüentemente, a necessidade de hidrogenação dos ácidos graxos, tornando o óleo mais saudável e diminuindo os custos de processamento. Por outro lado, uma descoberta recente permite substituir, parcialmente, os ácidos graxos ômega 6 por ômega 3, o que diminui acentuadamente o risco de acidentes cardiovasculares.

A soja possui algumas deficiências de aminoácidos, essenciais para o organismo humano, que podem ser eliminadas com a introdução de genes que sintetizam esses aminoácidos e aumentam o seu teor. Entre os componentes funcionais, aqueles que mais entusiasmam os cientistas são os fitoesteróis e as isoflavonas. Essas substâncias são responsáveis por reduzir os riscos de acidentes cardiovasculares e de tumores de mama, útero e próstata, entre outros. Os cientistas identificaram os genes responsáveis por estas substâncias, o que gerou novas variedades de soja com propriedades terapêuticas muito superiores às atuais.

Apesar de ser um ótimo alimento, a soja possui restrições, como sua capacidade de produzir alergia ou flatulência intestinal em parcela da população. Estes problemas estão sendo resolvidos pelos cientistas. Eles isolaram o gene que sintetiza a proteína P34, responsável pela alergia da soja. Também foi identificado o gene que sintetiza a rafinose e causa a flatulência. Ao interromper as atividades dos dois genes, serão eliminados esses dois inconvenientes da soja.

Usei o exemplo da soja, porém o exposto se aplica a outros grãos, frutas, hortaliças ou produtos derivados de animais. O Brasil pode acomodar-se em oferecer uma matéria-prima convencional ou investir fortemente em novas tecnologias e agregar valor aos produtos ofertados, tornando-os mais saudáveis e nutritivos, a melhores preços e condições no mercado.

*Décio Gazzoni é engenheiro agrônomo, mestre em Entomologia, pesquisador da Embrapa Soja e conselheiro do CIB