Feijão e arroz enriquecidos com ferro e zinco. Milho, batata-doce e mandioca enriquecidos com vitamina A. Esses são alguns dos alimentos biofortificados, obtidos com ajuda da biotecnologia, que em breve podem estar nas prateleiras dos supermercados. Muito mais do que fontes de nutrientes, os alimentos biofortificados são também poderosos aliados no combate a doenças crônicas, como diabetes e doenças cardiovasculares. Esta é a avaliação da nutricionista Neuza Maria Brunoro Costa, conselheira do CIB – Conselho de Informações sobre Biotecnologia. Direto dos Estados Unidos, onde conclui o terceiro pós-doutorado de sua carreira, Brunoro explica na entrevista a seguir o que são os alimentos biofortificados e como eles podem contribuir com a saúde da população.
O que é biofortificação e quais são seus benefícios?
A biofortificação é uma técnica por meio da qual é possível enriquecer alimentos com determinados nutrientes, entre eles ferro e zinco, cujas carências estão relacionadas a doenças. É possível também introduzir ou aumentar teores de compostos bioativos, como flavonoides, polifenóis, licopeno e vitamina E (antioxidantes e previnem, por exemplo, o envelhecimento e câncer) entre outros nutrientes. A biofortificação é, portanto, uma estratégia para disponibilizar alimentos de melhor qualidade nutricional e aprimorar as condições de saúde da população.
Esses alimentos biofortificados já existem?
Sim. No Brasil, a rede BioFORT, iniciativa de pesquisa em alimentos biofortificados liderada pela Embrapa, já desenvolveu muitas variedades. Entre elas, o milho, a batata-doce e a mandioca enriquecidos com betacaroteno, que é um antioxidante natural e também um precursor da vitamina A, e o trigo, o feijão e o arroz com mais zinco e ferro. Há ainda pesquisas em andamento para desenvolver abóbora enriquecida com vitamina A. Nas Filipinas, também existe o exemplo do arroz dourado, fonte de betacaroteno.
Como esses alimentos biofortificados são desenvolvidos?
A biofortificação é possível por meio do cruzamento de variedades (melhoramento genético convencional) ou da introdução de genes de interesse (transgenia). A maioria das variedades obtidas pela rede BioFORT, por exemplo, é resultado de cruzamentos e tem como objetivo a obtenção de plantas mais aptas a reter zinco, ferro ou mais eficientes na produção de betacaroteno. Já o arroz dourado, produto ainda não aprovado para consumo, é transgênico. Esse caso é particularmente interessante porque o arroz, por si só, não é capaz de produzir betacaroteno. A variedade recebeu genes de outros organismos que conferem ao alimento essa capacidade e a coloração levemente alaranjada.
Ainda existe certa rejeição aos transgênicos. A senhora considera esses produtos seguros?
Os alimentos transgênicos foram amplamente testados em diversos países, seguindo as padronizações estabelecidas pela FAO (Órgão das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) e pela OMS (Organização Mundial de Saúde). Nestes anos todos, nunca se encontrou evidência de que apresentassem risco toxicológico ou alergênico superior às suas versões convencionais. Além dos testes, em vários anos de amplo consumo pela população mundial, nunca foi registrada uma reação adversa sequer. Os alimentos transgênicos só são liberados pelos órgãos competentes, como a CTNBio, após ampla análise de segurança alimentar. Portanto, os alimentos transgênicos aprovados são seguros.
Qual a importância da biofortificação como estratégia de saúde pública?
Uma boa alimentação é apenas uma das variáveis desta estratégia. Também é preciso ir ao médico regularmente, praticar exercícios físicos, não fumar e adotar hábitos saudáveis. A biofortificação é uma das diversas alternativas das quais podemos lançar mão para garantir a saúde da população, mas é especialmente relevante porque permite combater determinadas carências nutricionais. Na Ásia, a carência de vitamina A, por exemplo, é a maior causa de cegueira entre crianças. Naquela parte do mundo, a maior parte da população tem dificuldade de acesso a fontes vitamínicas, como frutas, legumes e verduras. Neste contexto, faz sentido combater esta carência por meio da disponibilização de arroz, alimento base das populações asiáticas, enriquecido com betacaroteno.
Você poderia mencionar necessidades específicas do Brasil?
No Brasil, com a elevação da renda e o avanço dos indicadores sociais, a ocorrência de desnutrição diminuiu consideravelmente. Em contrapartida, os problemas associados à obesidade têm aumentado exponencialmente. Com isso, os casos de doenças crônicas como hipertensão e diabetes, que antes começavam a aparecer por volta dos 40, 50 anos, hoje, têm ocorrido cada vez mais cedo. Assim, é preciso uma preocupação integral com a saúde, não só com a alimentação. De qualquer maneira, iniciativas como a rede BioFORT têm impacto direto na saúde da população mais carente e podem ser ferramentas para educação alimentar de todos os cidadãos.