Biotecnologia e bionegócios. Até pouco tempo atrás essas duas palavras eram praticamente desconhecidas no ambiente capitalista. Atualmente, estão na linha de frente do que se convencionou chamar de ‘economia verde’. E é uma das apostas principais do governo paraense para alavancar setores produtivos do estado. “O desenvolvimento e a implantação de uma política consistente de bionegócios, algo ainda inexistente, tem por finalidade inserir o Estado do Pará em uma das indústrias mais promissoras do futuro, a bioindústria”, defende o secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Alex Fiúza de Melo.
Para isso, foi elaborado um plano diretor com base em uma visão estratégica para o estado no setor de ciência, tecnologia e inovação, pelo menos até 2015. A ideia é que se deem condições e vantagens para inserir a região entre os líderes mundiais do setor. “O desafio é transformar as vantagens comparativas, legadas pela natureza, em vantagens competitivas, promovidas pelo conhecimento. E, neste campo, está se buscando recuperar o tempo perdido, em que nada foi realizado para reverter o atual quadro, em vista da diversificação da matriz econômica paraense”, diz o secretário.
É um cenário que tende a dar frutos no futuro. A bioindústria vem se desenvolvendo por vários leques de atuação. Um desses caminhos novos é a substituição de produtos com mercado certo por bioprodutos que oferecem vantagens de custo e eficácia. O biodiesel é um exemplo disso. Outro mercado bioindustrial em expansão é o de criação de novos produtos, como os fármacos, que, cada vez mais, passam pela bioindústria. “A biotecnologia transforma a vida cotidiana da sociedade contemporânea. O impacto dela atinge vários setores produtivos. São novas oportunidades de emprego”, diz Fiúza.
O problema é que o Estado ainda não entendeu esse papel do novo mundo. Alguns setores ruralistas, por exemplo, fincam pés no atraso. E a visão governamental sobre esse cenário costuma ser atrasada também. O fato é que hoje o Pará se destaca como um dos estados com maior potencial para o aproveitamento racional e sustentável da biodiversidade. Mas o gargalo é o aproveitamento disso em termos de negócios da economia verde. No levantamento feito pelo governo do Estado, apenas cerca de 30 empresas chegam a atuar nos setores de alimentos, cosméticos e fitoterápicos.
A polpa de açaí ainda é o carro-chefe dessas indústrias. Mas já há iniciativas voltadas para a produção de perfumes pessoais, cremes hidratantes, insumos naturais para perfumes e cosméticos, óleos naturais e outros produtos. É um mercado sedutor e promissor, mas que ainda não dá o retorno necessário. Cadeias como a do açaí, por exemplo, já movimentam cerca de 1,8 bilhões de reais por ano. Só que menos de 10% desse total retorna às populações locais. O motivo é justamente a ausência de apoio do poder público, especialmente quanto à educação e valorização do produto.
Algumas soluções são simples. Basta a melhoria técnica e de logística, o incentivo ao associativismo e ao cooperativismo. Só isso já agregaria valor à matéria-prima e aos produtos derivados dela. “Outra vertente a ser considerada é a implantação de instrumentos biotecnologicamente avançados, como as biofábricas, que representarão um salto considerável na propagação de espécies vegetais de interesse comercial, atendendo a demandas reprimidas por matéria-prima em todos os segmentos produtivos do setor e permitindo a geração de insumos de qualidade e em quantidade suficiente”, afirma o secretário.
Com a atenção do mundo voltada para a Conferência Rio + 20, é de se esperar que o foco esteja direcionado também à Amazônia. Segundo Fiúza, o modelo de desenvolvimento a ser buscado para a região é um imenso desafio, na medida em que, de acordo com ele, não há disponível no mundo referência de país tropical com economia baseada no aproveitamento racional de recursos florestais, em que o desenvolvimento social e econômico esteja conciliado com a conservação da natureza e das diferentes culturas locais. “Num mundo onde biotecnologia, recursos hídricos, energia e bionegócios passam a ter influência crescente em termos econômicos, a Amazônia é, sem dúvida e literalmente, um tesouro inestimável. Nos quadros da atual crise ambiental planetária, um novo modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia poderia anunciar um inédito e amplo horizonte de oportunidades”, resume o secretário.
Economia verde – Indústria baseada na exploração de produtos da floresta, o novo capitalismo tem na biotecnologia a base para produzir usando óleos, essências, sementes, raízes, polpa de frutas e outras matérias-primas para as áreas de alimentos, perfumaria, fármacos, energia. No Pará, a polpa de açaí é o carro chefe dessa indústria, ao lado do biodiesel
Desenvolvimento – Para o estado entrar definitivamente na era da biotecnologia e no bionegócio, governo desenvolve estratégias e pretende implantar um novo modelo econômico para exploração dessas matérias-primas, com plano de ciência e tecnologia
É preciso discutir padrão de consumo, diz economista
As respostas para o combate à fome na Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) não deverão incorporar estratégias para mudança dos padrões de consumo e de produção de alimentos considerados insustentáveis ambientalmente. A avaliação é do economista Renato Maluf, ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
Convidado para o debate Diálogos Sustentáveis na Rio+20, Maluf não está otimista quanto ao encontro, que começa na próxima quarta-feira (13). Para ele, os governos perderão uma oportunidade de investir na agricultura familiar de base agroecológica, que pode contribuir para a redução da desnutrição e da pobreza. No âmbito da segurança alimentar, ele avalia que o foco serão ações para melhor distribuição de alimentos. “Não tenho grandes expectativas de que as resoluções irão além da preocupação imediata de assegurar abastecimento estável e a preços acessíveis, infelizmente, sem a devida preocupação com a insustentabilidade e as repercussões sociais dos modelos de produção e consumo que prevalecem no sistema alimentar global”, declarou Maluf.
Segundo o especialista, na temática do combate à fome, as propostas para o documento final da Rio+20 “estão muito aquém do que o planeta e a saúde humana estão demandando”, como o fim do mal uso da terra, a redução do uso de agrotóxicos no plantio e a menor utilização de recursos naturais como água, além de energia elétrica.
Na avaliação de Maluf, as recomendações deveriam assegurar condições para uma alimentação regular e saudável, que “pode ser resultado da dificuldade de aquisição dos bens pelas famílias pobres ou pela impossibilidade de produção das famílias rurais, cuja condição mal lhes permite o autoconsumo”. Segundo Maluf, nos dias de hoje, a fome não resulta de déficit. “O que não se pode continuar admitindo é que a fome no mundo se deva à falta de alimentos produzidos nos atuais modelos insustentáveis e injustos socialmente”, observou o economista, que também coordena o Centro de Referência em Segurança Alimentar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), lembrando que o desperdício também precisa ser atacado.
No Brasil, na defesa de práticas produtivas que não agridam o meio ambiente, o especialista enfatiza que é necessário garantir terras e recursos naturais às populações tradicionais mais vulneráveis, como índios e quilombolas. “Nesses casos, a terra é condição para a existência [da produção de alimentos de forma sustentável].”
Maluf acrescenta que a sociedade tem papel crucial nesse processo, fiscalizando programas de governo, produzindo, distribuindo e consumindo produtos locais, e também reduzindo distâncias entre as duas pontas da cadeia de produção de alimentos.