Com o crescimento da demanda por energia e as expectativas projetadas pela exploração do pré-sal e de bacias terrestres, a indústria do gás natural pode crescer consideravelmente nos próximos anos.
Oportunidades de pesquisa surgidas desse cenário foram discutidas por cientistas e empresários do setor no “Scoping Workshop for Brazil-UK Sustainable Gas Future”, realizado na FAPESP no dia 25 de fevereiro.
O evento foi promovido pela FAPESP em parceria com o Natural Environment Research Council (NERC), conselho do Reino Unido que financia a pesquisa científica voltada ao meio ambiente. As discussões auxiliarão a Fundação e o NERC a formalizarem a iniciativa Futuro do Gás Sustentável, que apoiará pesquisas em energia e gás realizadas por brasileiros em colaboração com instituições do Reino Unido.
“O gás terá uma participação cada vez maior na matriz energética brasileira e é necessário discutir e promover colaborações científicas para seu uso como fonte sustentável de energia”, disse Julio Romano Meneghini, coordenador do workshop e professor do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP).
“Além do consumo interno, a exportação de gás liquefeito também ampliará a importância do setor. Mas, apesar de todo esse potencial, o mercado ainda é incipiente e muitas questões precisam ser tratadas de maneira científica para desenvolver o setor adequadamente, de forma plena e sustentável. Essas questões foram levantadas pelos pesquisadores que participaram do workshop e guiarão o acordo entre a FAPESP e o NERC”, disse Meneghini.
Entre os aspectos prioritários discutidos estiveram a captura e o armazenamento de carbono, a infraestrutura do setor, bioenergia e biogás, tecnologias inovativas para a produção de gás natural e sustentabilidade da cadeia produtiva.
Para Chris Franklin, coordenador da área de Ciências da Terra do NERC, as discussões do workshop foram ao encontro dos objetivos da iniciativa que será desenvolvida em parceria com a FAPESP.
“O NERC trabalha em conjunto com os demais conselhos de pesquisa do Reino Unido para planejar e desenvolver investigações na área de energia dentro de um quadro estratégico comum, unindo pesquisadores, indústria e inovação para aumentar a eficiência energética no mundo, ao mesmo tempo em que são reduzidas as emissões de dióxido de carbono tanto no Reino Unido quanto no exterior, garantindo segurança energética e acessibilidade”, disse.
De acordo com Franklin, o objetivo é fomentar colaborações que ajudem a alcançar as metas de aumento de 15% de energia a partir de fontes renováveis até 2020 e redução de 80% nas emissões de gases do efeito estufa até 2050.
“O Futuro do Gás Sustentável vai desenvolver metodologias para exploração de gás e avaliar seu papel nos sistemas sustentáveis de energia, oferecer visões alternativas sobre sistemas sustentáveis de energia com baixa emissão de carbono, identificar tecnologias sustentáveis para o uso do gás nesses cenários e promover a interação de tecnologias atuais e futuras na cadeia do gás e de outras fontes de energia”, disse.
Segurança
Em 2012, o relatório World Energy Outlook, publicado pela Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês), divulgou que os Estados Unidos – país que mais consome energia do mundo – poderiam se tornar autossuficientes no setor até 2035.
A transformação viria da extração de petróleo e de gás de folhelho. Também chamado de gás de xisto ou gás não convencional, encontra-se aprisionado em rochas sedimentares de baixa permeabilidade, abaixo das rochas mais permeáveis de onde são retirados o petróleo e o gás convencionais.
De acordo com Colombo Celso Gaeta Tassinari, vice-diretor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, um dos palestrantes do workshop, a exploração de gás não convencional pode beneficiar consideravelmente também o Brasil, mas há desafios a serem superados para seu aproveitamento adequado.
“A extração desse tipo de gás é muito mais barata porque se dá em bacias terrestres, em área continental, e a diminuição desse custo o torna um produto altamente competitivo, especialmente dada a sua abundância. Mas o Brasil precisa saber caracterizar petrofisicamente essas rochas e o teor de matéria orgânica em todas as bacias sedimentares que contêm o folhelho brasileiro, que são várias, entre outras medidas que garantam a segurança ambiental da exploração. Trata-se de um grande potencial para a pesquisa”, disse.
Tassinari reforçou que há grande preocupação quanto à possibilidade de contaminação do solo no processo de extração do gás de folhelho. Isso porque, ante a pouca permeabilidade da rocha, o processo se dá por meio de fraturamento hidráulico, ou fracking, técnica que injeta grandes quantidades de água com areia e produtos químicos, sob alta pressão, no solo, para fazer com que o gás escape pelo poço até a superfície.
“O poço tem todo um revestimento de concreto e aço para impedir as contaminações e a água utilizada pode ser reaproveitada. Mas é de extrema importância que sejam feitos estudos ambientais prévios e que se crie uma regulamentação própria do ponto de vista econômico e ambiental para que se possa desenvolver esse recurso no Brasil com segurança”, disse.
Além disso, as peculiaridades de cada bacia sedimentar exigem estudos específicos. “Universidades brasileiras já desenvolvem projetos de investigação para avaliar o quanto se tem de gás de folhelho disponível nessas bacias para exploração e garantir que o processo seja bem feito, em áreas adequadas, para não contaminar os aquíferos. Trata-se de um universo considerável para a pesquisa científica”, disse Tassinari.
Dorrik Stow, diretor do Institute of Petroleum Engineering da Heriot-Watt University, na Escócia, reforçou, durante o workshop, a necessidade de estudos ambientais aprofundados antes, durante e após a exploração do gás de folhelho.
“É fundamental que sejam sempre avaliadas as condições ambientais prévias para o desenvolvimento de recursos desse gás não convencional, a caracterização de eventuais áreas de contaminação por produtos orgânicos e inorgânicos, a criação de um sistema de monitoramento da água subterrânea em tempo real durante a exploração e o desenvolvimento de novas técnicas para evitar ou minimizar impactos ambientais”, disse.
A Agência Nacional do Petróleo (ANP) realizou em 2013 o primeiro leilão com foco em gás em terra, quando foram arrematados 72 blocos em cinco bacias, mas ainda não foram definidas as regras para a produção de gás de folhelho nesses locais.
Além da USP e da Heriot-Watt University, participaram do workshop pesquisadores e representantes das instituições britânicas Keele University, Cardiff University, University of Aberdeen, Durham University, University College London e Sustainable Gas Institute do Imperial College London, e das brasileiras Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Também participaram representantes de empresas de consultoria na área de energia e da indústria de óleo e gás, como BG E&P Brasil, Datagro e Petrobras.
O workshop teve apoio do Newton Fund, fundo do governo britânico de fomento à ciência e à inovação.
As apresentações feitas no evento estão disponíveis em: www.fapesp.br/9240.