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Embrapa perde terreno na pesquisa agrícola

Sem recursos suficientes, com dificuldades para estabelecer parcerias e resistências à entrada do capital privado, a estatal vê sua participação despencar em segmentos como soja, milho e algodão.

Embrapa perde terreno na pesquisa agrícola

Principal responsável pela modernização da agricultura brasileira e pela transformação do Cerrado em uma das maiores fronteiras agrícolas do planeta, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) corre o risco de cair no ostracismo no que diz respeito à geração de tecnologias voltadas à produção das principais commodities exportadas pelo Brasil, atualmente dominada por multinacionais estrangeiras.

A Embrapa é considerada fundamental para o país do ponto de vista estratégico e social, mas vem enfrentando dificuldades para competir no mercado de biotecnologia após o início das liberações de sementes transgênicas no país, em meados da década passada. Sem recursos suficientes para grandes projetos, dificuldades para estabelecer parcerias com outras empresas e resistências à entrada do capital privado, a estatal vê sua participação despencar em alguns dos segmentos mais dinâmicos do agronegócio.

São os casos da soja, do milho e do algodão. Responsáveis por quase metade do Valor Bruto da Produção (VBP) agrícola brasileira, essas culturas passaram a ser dominadas por empresas como Monsanto, DuPont, Syngenta, Bayer CropScience e Dow AgroSciences.

Não há números públicos sobre a fatia de cada empresa no mercado brasileiro de sementes, mas diferentes fontes ouvidas pelo Valor estimam que a Embrapa vendeu menos de 15% das sementes de soja e 10% dos híbridos de milho comercializados no país na última safra.

Segundo um consultor, que preferiu não se identificar, a participação das variedades “BR” no mercado caiu a um terço do que era há apenas cinco anos. “Em Mato Grosso, maior produtor de grãos do país, nossa participação é praticamente zero”, diz um graduado pesquisador da estatal. A predominância das multinacionais nesses segmentos é explicada pelo lançamento de sementes geneticamente modificadas para resistir ao uso de determinados herbicidas ou ao ataque de pragas, como a lagarta.

Os transgênicos mudaram o paradigma da pesquisa biotecnológica, cada vez mais voltada para a descoberta de plantas que dispensem o uso de agrotóxicos, sejam resistentes à seca ou mais nutritivas. Mas também fizeram disparar os custos associados ao desenvolvimento de novos cultivares. Segundo a organização americana pró-biotecnologia ISAAA, a descoberta, o desenvolvimento e a autorização de um único transgênico custa, em média, US$ 135 milhões (cerca de R$ 230 milhões).

Desde que foram regulamentados no Brasil, em 2005, a Comissão Nacional de Biotecnologia (CTNBio) liberou 32 variedades de plantas geneticamente modificadas – 31 para as culturas de soja, milho e algodão. Deste total, a Embrapa desenvolveu apenas duas: uma variedade de feijão resistente ao vírus do mosaico dourado e uma semente de soja tolerante a herbicidas, em convênio com a Basf. Nenhuma está no mercado.

A velocidade que os produtores adotam a nova tecnologia impressiona. Na safra 2011/12, os OGMs responderam por 85% da soja, 67% do milho e 32% do algodão cultivados no Brasil, segundo a consultoria Céleres. No caso do milho, desde 2009 mais de três quartos de todos os registros de novas sementes são híbridos transgênicos.

Entre analistas e pessoas próximas à empresa, prevalece a opinião de que faltam recursos para que a companhia enfrente de igual para igual as grandes multinacionais do setor, embora os recursos destinados à estatal tenham mais que dobrado na última década.

Apenas a Monsanto investe mais de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 1,7 bilhão) anualmente em pesquisa e desenvolvimento de novas sementes, montante próximo ao que gastam suas principais concorrentes. A quantia corresponde a quase todo o orçamento da Embrapa para 2012, de R$ 2 bilhões. De acordo com a estatal, no ano passado, os recursos destinados diretamente à pesquisa ficaram próximos de R$ 170 milhões, montante aquém do necessário para fazer frente ao poder de fogo das gigantes.

Desde 2008 tramita no Congresso um projeto de lei, de autoria do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que propõe a capitalização da Embrapa por meio de uma abertura de capital, transformando-a em uma empresa de economia mista com ações negociadas na bolsa – modelo semelhante ao da Petrobras e do Banco do Brasil. A proposta foi rejeitada pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, em 2009, e aguarda uma data para ser apreciado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O parecer do relator, o senador Gim Argello (PTB-DF), já está pronto e é favorável à ideia.

A abertura de capital enfrenta enormes resistências na cúpula da estatal que, segundo apurou o Valor, atua para derrubar a proposta. Para o presidente da estatal, Pedro Arraes, a Embrapa deve continuar a ser 100% pública. “Essa é uma convicção minha e dos servidores da estatal”, defende. Segundo ele, a proposta do senador petista também não tem o respaldo do Planalto. Arraes afirma, ainda, que a discussão começou de maneira equivocada. “A proposta tem um problema de mérito. Qualquer mudança na questão jurídica de empresa pública tem que ser iniciativa do Executivo e não do Legislativo”.

Amaral garante que não abre mão da proposta. “Posso me sentar para debater e, quem sabe, formular um substitutivo, mas o conceito vai permanecer”, garante o senador. “Existe muita falta de informação sobre o assunto e alegações de que se trata de uma privatização, algo que não é verdade. Mais da metade das ações ficará na mão do governo”, explica. Para Argello, a alocação de recursos para pesquisa agropecuária “tem sido muito prejudicada e tende a continuar assim” se nada for feito.

Para seus opositores, a proposta de abertura de capital da estatal, que poderia, em tese, culminar na entrada de empresas concorrentes no conselho da Embrapa, colocaria em risco os interesses e a soberania alimentar do país. “O modelo de economia mista tem sido bem-sucedido no Brasil, mas Banco do Brasil e Petrobras vendem produtos e serviços acabados. O negócio da Embrapa é o conhecimento agregado, o futuro e a segurança alimentar do país”, afirma Vicente Almeida, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf).

Almeida, ele próprio um pesquisador da Embrapa, observa que, sob a égide do mercado, a Embrapa estaria pressionada a investir apenas nos segmentos mais rentáveis do agronegócio, deixando a agricultura familiar, que responde pela maior parte dos alimentos consumidos no país, à margem do processo de inovação.

Segundo ele, essa pressão já acontece, ainda que de modo indireto. “Hoje, apenas 4% do orçamento para pesquisa é destinado aos segmentos da agricultura familiar. Onde está o foco na segurança alimentar? A Embrapa não precisa de mais recursos, mas redirecionar suas ações e atender efetivamente ao interesse público. Se a empresa quer competir no segmento das commodities, pode criar uma subsidiária, com capital aberto, para isso”, defende.

Um ex-membro da cúpula da Embrapa afirma que a estatal vive um momento de redefinição de seu papel. “Restringir a Embrapa à sua agenda social é o fim da empresa, porque quem banca é o Estado, e os recursos são escassos. Em contrapartida, o perigo de ser uma S.A. é o mercado impor uma agenda estritamente comercial”, afirma. “Ir aonde o mercado não vai é o papel da Embrapa, mas ela perde importância estratégica se abrir mão dos mercados economicamente mais importantes”, afirma um ex-ministro da Agricultura.

Além disso, o governo Lula intensificou o papel da Embrapa como instrumento de política diplomática, com diversos acordos de cooperação com países pobres, sobretudo no continente africano, um território de crescente interesse por parte das multinacionais. Não fica claro qual seria o espaço para a empresa cumprir essa agenda após uma abertura de capital.

Uma alternativa para levantar recursos, prevista na Lei de Inovação, seria a constituição de Empresas de Propósito Específico (EPEs). Nas EPEs, empresas públicas e privadas se associam em projetos exclusivos, como o desenvolvimento de uma semente de soja resistente à seca ou uma variedade de milho com maior teor de proteína.

Mas o modelo esbarra em questões burocráticas e jurídicas. De acordo com o estatuto da Embrapa, para sair do papel, cada parceria depende da autorização do presidente da República. Além disso, explica um ex-dirigente da Embrapa, há dificuldades técnicas para se avaliar os ativos da estatal disponibilizados nessas associações e dúvidas sobre qual é o limite de atuação dos órgãos públicos de fiscalização sobre essas sociedades. “Nenhuma empresa privada quer abrir suas contas, torná-las públicas para seus concorrentes. Ainda é preciso esclarecer qual é o limite do Tribunal de Contas nesses casos”, diz a fonte.