Foi inaugurada na última quarta-feira, em Pernambuco, a primeira operação industrial de geração de energia elétrica a partir da vinhaça, subproduto obtido durante o processo de destilação do etanol. O projeto foi desenvolvido em uma parceria entre a Companhia Alcoolquímica Nacional, usina do grupo pernambucano JB, e a empresa baiana Cetrel, controlada pela Braskem (Odebrecht) e especializada em tratamento de resíduos e aproveitamento energético.
Caso se consolide em larga escala, o aproveitamento da vinhaça como insumo energético poderá representar um ganho financeiro importante para as usinas de cana-de-açúcar. O setor terá a chance de incrementar significativamente a geração própria de eletricidade, que já é obtida a partir do bagaço e da palha da cana. “Para consumo próprio ou venda no mercado livre, será uma alternativa a mais”, acredita Carlos Beltrão, diretor-presidente do grupo JB.
A geração de energia se dá a partir da biodigestão da vinhaça, que é armazenada em um reator desenvolvido pela Cetrel. A digestão das propriedades orgânicas da vinhaça pelas bactérias resulta em um biogás com 80% de metano, gás com grande potencial energético. “O gás veicular, por exemplo, tem 95% de metano”, comparou Suzana Domingues, gerente de bioenergia da Cetrel.
Após o processamento no reator, o biogás resultante é injetado em um motogerador, que o transforma na energia elétrica que, em seguida, é lançada na rede de distribuição. Suzana ressalta que o sistema é mais eficiente do que o aproveitamento do bagaço da cana, que se dá pela utilização de caldeiras.
Cada litro de álcool produzido durante a destilação resulta em 12 litros de vinhaça, o que pode dar uma ideia do potencial de geração de energia deste sistema. “Na safra 2010/11 foram produzidos 25 bilhões de litros de álcool no país, o que corresponde à geração de 300 bilhões de litros de vinhaça. Este volume seria suficiente para gerar algo em torno de 1.600 MW de energia, cerca de 45% da capacidade de uma hidrelétrica como a de Jirau”, comparou Suzana.
Atualmente, a vinhaça é aproveitada pelas usinas como fertilizante, especialmente em função de suas propriedades minerais. Muitas vezes, entretanto, o volume de vinhaça disponível é bastante superior às necessidades da usina, o que obriga os empresários e transportar o subproduto para irrigar áreas mais distantes do canavial, o que eleva os custos da empresa.
A gerente defende que a aplicação da vinhaça no solo é ofensiva ao meio ambiente. Isso porque o processo de biodigestão da parte orgânica do subproduto ocorre da mesma forma, só que com o gás resultante (metano) sendo lançado na atmosfera.
Com o uso do reator, após a ação das bactérias, a vinhaça pode ser lançada ao solo. No entanto, restarão nela apenas suas propriedades minerais, justamente as que oferecem nutrientes ao solo, diz Suzana. “Usamos a bactéria a nosso favor”, resume a gerente.
O projeto desenvolvido na Companhia Alcoolquímica, instalada na cidade de Vitória de Santo Antão, a 50 quilômetros do Recife, ainda está funcionando em escala semi-industrial, com utilização de apenas 20% da vinhaça disponível para geração elétrica, algo em torno de 1 milhão de litros por dia. “Vamos observar o desempenho nesse primeiro momento. A intenção é estar operando a 100% já na safra 2013/14”, projetou Beltrão.
Após a primeira experiência, a Cetrel trabalha agora no desenvolvimento de um sistema com uma capacidade de processamento cinco vezes maior, de olho nas grandes usinas instaladas, sobretudo no Centro-Sul do país.
Segundo Suzana Domingues, o projeto pernambucano foi viabilizado com cerca de R$ 15 milhões em recursos da Cetrel, incluindo a parte de pesquisa e desenvolvimento do processo e todos os equipamentos.
Em dezembro do ano passado, a empresa obteve R$ 130 milhões com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para desenvolver soluções de aproveitamento de resíduos industriais como matéria prima. O grupo JB, segundo seu presidente, contribuiu para o negócio com a terra e com o fornecimento da vinhaça.