Um projeto está transformando a vida de pequenos agricultores do Nordeste: com o esterco dos animais, eles produzem o biogás para usar na cozinha.
Da boca do fogão sai um fogo azul, uma chama forte… E sem botijão! O gás vem de um tanque do lado de fora das casas. É o Biodigestor. Nele, o esterco dos animais gera biogás, uma energia renovável e que não polui o meio ambiente.
Para conhecer a experiência, o Globo Rural foi até São Bento do Una, no agreste de Pernambuco. A engenhoca está deixando muito agricultor desconfiado. “Quem já viu esterco de gado dar gás, né? Eles não imaginavam que poderiam aproveitar o esterco das vacas de outra forma – até agora, o que eles tiram do curral vai direto para plantação de palma. Porém, logo isso vai mudar. Eles vão continuar adubando a lavoura, mas de outro jeito, que será explicado mais adiante.
As obras do Biodigestor no sítio de Edivaldo já começaram. E ele, que vive da produção de leite, pensa na economia: não precisarão mais comprar o botijão de gás. Edivaldo já calcula: “Vai ser uma economia de R$ 100 a R$ 150 por mês. Tem que fazer contas de centavo, porque a gente ganha em centavo e gasta em real”.
A mão de obra é da comunidade e o próprio agricultor pode ajudar. O técnico em agroecologia, Wanderlei Nunes, acompanha os trabalhos. Segundo ele, o local deve ser escolhido com cuidado. “O primeiro passo é a escolha de um bom lugar, um lugar que seja ensolarado, perto da casa. O sol é o fator ideal, é o fator mais importante para a fermentação do gás”.
Escolhido o local, escava-se um buraco com 1,80 metro de profundidade e 3,5 metros de diâmetro. Dentro dele, é erguido o tanque principal. “É utilizando o mesmo sistema [da cisterna], sem a cobertura da cisterna, mas é o mesmo material, placa, ferro, cimento, areia”, conta Wanderlei.
São construídos mais dois reservatórios menores. O de abastecimento, onde serão colocados esterco e água, e o de descarga, num nível mais baixo do que o de entrada dos dejetos, por onde vai sair o que sobra: o biofertilizante. Dentro do tanque principal, vai a caixa onde o biogás será armazenado. Bem no centro, um cano guia serve como eixo, já que ela se movimenta quando o gás é produzido. A caixa de 3 mil litros deve ser de fibra, que é um material leve e bem resistente. “Ela é a peça principal do biodigestor, porque ela é quem armazena, ela é quem retém o gás. Ela tem a capacidade, dependendo da forma que é abastecida, de 2 botijões de gás por mês, isso vai depender da família que está usando”, explica Wanderlei.
Uma tábua de madeira é fixada na caixa, para segurar o cano guia. Um outro cano, menor, é para a saída do gás. No sítio do Edivaldo, o mesmo biodigestor vai abastecer duas casas: a do próprio Edivaldo com a esposa, dona Sônia, e a do filho deles. Dona Sônia está aliviada, porque buscar o botijão de gás é sempre um transtorno. Segundo ela, a distribuidora fica a cerca de meia hora do sítio e não é possível trazer à pé. “Eu tô achando uma beleza, eu não vejo a hora. Eu tenho certeza que vai mudar tudo”.
Carmo Fuchs é o coordenador do programa da ONG Diaconia, uma organização não-governamental mantida por 11 igrejas evangélicas, que desenvolve ações sustentáveis no campo. É comum o aproveitamento do esterco de animais em fazendas de gado, aves e suínos, onde o biogás é produzido em grandes reservatórios. A diferença é que o biodigestor é menor, adaptado para uso das famílias. “A principal parceria é com a família. Depois de instalado, quem se responsabiliza pelo cuidado da tecnologia são as famílias”, explica Carmo Fuchs.
Desde 2009, já foram construídos pela ONG mais de 500 biodigestores. A maioria em Pernambuco e Rio Grande do Norte. Mas já tem unidades na Bahia, Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Além de eliminar o uso da lenha, o projeto tem outra função ambiental: as fezes dos animais quando se decompõem, emitem gases de efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global. Ao serem armazenados, sem entrada de ar, os dejetos são fermentados pelas bactérias presentes no estrume. Os gases sobem e vão para o fogão. O metano, ao ser queimado, se transforma em gás carbônico, que tem impacto 28 vezes menor no efeito estufa.
Um filtro é o que dá segurança ao sistema. O agricultor vai precisar de canos de PVC e um galão de fibra de vidro de 20 litros. Bastam 10 centímetros de água. O biogás chega por um cano, entra em contato com a água, que limpa as impurezas e tira o cheiro forte dos gases. Depois, ele sobe e sai por um cano até a casa. Se houver qualquer incêndio no fogão, o gás retorna e o fogo é barrado pela água. Como a pressão do biogás é menor que a do gás comum, coloca-se terra cima da caixa, para fazer peso. E o fogão tem que ser adaptado – é preciso aumentar o furo por onde o biogás vai passar.
Para uma casa com cinco pessoas, são suficientes as fezes de dois bovinos adultos, 10 suínos ou 100 aves. Sempre 1 kg de dejetos para um litro de água. Mas para a primeira vez, o recomendado são 3,4 mil quilos de esterco e 3,4 mil litros de água. Depois do primeiro abastecimento, o biodigestor demora 15 dias para começar a emitir o gás. Depois, o produtor precisa ficar de olho na caixa: quando ela sobe é que tem gás, quando desce a produção diminuiu. É o que o Paulinho faz todos os dias. Dez quilos por dia são suficientes para a casa dele e da mãe.
No tanque de descarga, sai o biofertilizante – um esterco já com uma quantidade menor de gases e rico em nutrientes. Com um filtro, dá separar o fertilizante líquido do sólido e adubar a lavoura.