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Seqüência de aminoácidos

Unicamp cria substância para controle de coccidiose em granjas de frangos de corte.

Redação AI 23/06/2003Doze aminoácidos numa combinação certeira resultaram numa descoberta científica que poderá livrar a terceira mais importante atividade do agronegócio brasileiro de um prejuízo de aproximadamente US$ 60 milhões por ano. A coccidiose aviária, uma doença de importância econômica que provoca uma diminuição na eficiência de crescimento normal do frango de corte, poderá ser tratada sem o uso de medicamentos convencionais, estratégia esta que começa a demonstrar fadiga. Cepas do parasita Eimeria já são parcial ou totalmente resistentes aos remédios administrados pelas granjas comerciais. A nova técnica, em desenvolvimento na Unicamp, permite ainda a produção de animais menos sujeitos às barreiras impostas por importadores europeus e asiáticos, que já vetam o acesso ao mercado de produtos com resíduos de substâncias medicamentosas na carne de frango. A restrição é uma das importantes barreiras comerciais para acesso à União Européia e ao mercado asiático.

Para o Brasil, a descoberta é mais que promissora. A despeito da doença, a produção nacional de frangos de corte no País tem crescido num ritmo vertiginoso. Em 2001, a produção de frangos – segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) – foi de 6,73 milhões de toneladas. Elevou-se para 7,51 milhões de toneladas em 2002 e pode chegar a 7,89 milhões de toneladas neste ano, um volume que deve oferecer ao setor um valor bruto da produção (VBP) – faturamento – de R$ 12,6 bilhões. O combate à doença pode incrementar ainda mais este resultado nos próximos anos.

Pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e do Departamento de Parasitologia do Instituto de Biologia da Unicamp conseguiram criar em laboratório um peptídeo, batizado de PW2 – em resumo uma seqüência de aminoácidos -, capaz de romper a membrana protetora do protozoário antes deste iniciar o processo de reprodução assexuada no intestino do frango. O ritmo de reprodução no intestino é acentuado. Varia conforme a espécie do parasita. No total, existem sete espécies do parasita Eimeria capazes de infectar o frango. As mais comuns nas granjas dos principais países produtores, incluído o Brasil, são a Eimeria acervulina, Eimeria máxima e Eimeria tenella.

Segundo Arnaldo da Silva Júnior, responsável pela tese de doutoramento que resultou na descoberta da seqüência de aminoácidos, a estratégia inicial foi atacar o protozoário antes deste invadir a célula intestinal do animal. Ao passar pelo aparelho digestivo do frango, o oocisto utilizado pelo parasita para o desenvolvimento no meio ambiente é triturado. A partir de então, o esporozoíto, a primeira forma do protozoário, se encaminha para percorrer o intestino do animal, identificar a região de fixação e em seguida a penetração na célula. Para isso, a membrana do parasita expele substância para promover esta adesão, momentos antes da invasão da célula.

Já dentro, inicia-se a reprodução assexuada. “Dependendo da espécie, esta reprodução pode variar de dois ciclos a quatro ciclos. Um parasita pode resultar em centenas de milhares de cópias”, explica Urara Kawazoe, professora associada do Departamento de Parasitologia, e responsável pelo desenvolvimento na unidade das cepas de parasitas que serviram aos experimentos. Em cada um destes ciclos, uma legião de parasitas já reproduzidos em progressão geométrica rompe a célula da parede intestinal e se encaminha para outras células do intestino. Algumas espécies provocam neste entra-e-sai de células sadias o rompimento de vasos sanguíneos, gerando a hemorragia nas aves. É neste momento que a capacidade do frango em ganhar peso é comprometida. Os nutrientes presentes na ração ingerida pelo frango não são absorvidos pelo organismo, há perda de peso final e a geração de animais com baixo valor comercial.

O último ciclo de reprodução é feito de forma sexuada, que resulta nas formas finais do protozoário os quais serão excretados com as fezes. Antes de deixar o animal, a Eimeria ganha um encapsulamento duplo, mais resistente ao ambiente externo. É esta forma que permitirá o amadurecimento do parasita antes de infectar novamente um frango sadio que ingere o material. “O amadurecimento deste, fora do organismo dos animais, ocorre em 48 horas e é preciso ter oxigênio, luz e temperatura entre 25 e 30 graus”, explica Urara. O protozoário apenas produz danos no organismo do frango quando ingerido na forma amadurecida.

In vitro – Nas pesquisas in vitro descobriu-se que o peptídeo pode romper a membrana da primeira forma infectante do parasita, o esporozoíto. Segundo Silva Júnior, sem esta proteção a Eimeria não tem mais como desencadear o processo de adesão na parede intestinal e a conseqüente entrada do parasita no ponto mais propício para organizar a reprodução assexuada, desencadeando a multiplicação do parasita. Com isso, a ave até pode ser infectada, mas não desenvolverá a doença e não terá a interrupção da capacidade de o organismo reter nutrientes da ração, processo chave para a obtenção do peso comercial de 1,5 a 2 quilos num prazo de 45 dias.

Há outras vantagens da seqüência de aminoácidos (peptídeo) criada na pesquisa desenvolvida na Unicamp para a aplicação na avicultura. Além de controlar a doença, o produto não deixa rastros de substâncias estranhas na carne.

A combinação de aminoácidos é absorvida pelo organismo como proteína, não sobrando nenhuma substância que possa ser rastreada posteriormente. Esta é uma condição para o acesso a mercados importantes, principalmente o europeu e o asiático. O PW2 – batismo científico da descoberta – contém ainda dois aminoácidos necessários ao desenvolvimento do frango, a Lisina e o Triptofano. Estes dois aminoácidos essenciais são servidos ao plantel como complemento alimentar. A oferta do peptídeo sintetizado em laboratório pode, portanto, suprir a demanda destes aminoácidos e, de quebra, proteger a ave contra a coccidiose.

Novos passos – Para isso, a pesquisa entrará numa fase fundamental – a produção maciça da substância sintetizada para o uso em aves comerciais. Segundo Silva Júnior, uma negociação com algumas indústrias farmacêuticas tenta viabilizar um acordo para a produção do peptídeo em escala. Entre as opções para a produção desta substância, está a inclusão da seqüência codificadora do peptídeo PW2 no DNA do milho, o que exigiria a produção de milho geneticamente modificado.

Como a legislação brasileira para transgênicos tem-se tornado restritiva, a alternativa passou a ser a de licenciar a descoberta para indústrias farmacêuticas internacionais, de países onde o desenvolvimento é permitido. O interesse mundial por tratamento alternativo da coccidiose aviária é grande. Estima-se que o custo de perdas comerciais ou de controle da doença atinja, no mundo, algo em torno de US$ 1,5 bilhão por ano.

Da técnica – Se o resultado da pesquisa por si só significa uma inovação (considerando a inédita forma de combate à doença sem o uso de medicamentos) o percurso traçado pelos pesquisadores, coordenados pelo professor Adilson Leite – falecido no início deste ano -, também não deixa de ser inédito. A técnica de phage display (exposição em fago) para a obtenção dos peptídeos ideais destinados à tarefa de atacar os esporozoítos de Eimeria (primeira fase do parasita no intestino da ave) jamais havia sido utilizada para este fim. Para se ter idéia do que isso significa, a técnica foi utilizada para o desenvolvimento de um dos medicamentos do coquetel antiaids.

Boa parte da pesquisa, explica Silva Júnior, demandou tempo para identificar numa biblioteca de peptídeos aqueles com “encaixe” adequado para adesão à membrana do agente patológico. Para conseguir isso, utilizaram um vírus que infecta a bactéria Escherichia coli (tipo de vírus chamado de bacteriófago M13). Em uma das proteínas expressa no vírus havia todas as combinações de aminoácidos necessários para iniciar uma varredura, capaz de, na fase final, resultar numa combinação dos 12 aminoácidos com poder de operar como um agente antimicrobiano. “Na verdade, o que descobrimos aqui foi algo que abre um leque enorme de possibilidades para uso biotecnológico”, explica Silva Júnior.

A partir desta fase, a pesquisa contou com a ajuda do Centro Nacional de Ressonância Magnética Nuclear da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A equipe coordenada pelo grupo do pesquisador Fábio Almeida determinou a estrutura tridimensional da molécula do peptídeo desenhado na Unicamp.

A descoberta já foi protegida. Um pedido de patente já foi depositado nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. O financiamento para isso foi liberado pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), organismo da Fapesp. A patente assegura os direitos sobre o peptídeo, suas variáveis e o método utilizado para identificá-lo.

Pesquisadora desenvolve vacina viva


O Departamento de Parasitologia, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, desenvolve uma versão brasileira de uma vacina viva para o combate à coccidiose aviária. Todas
as versões de vacinas deste tipo administradas no Brasil são importadas. A pesquisa consiste no desenvolvimento de cepas de Eimeria, o parasita que provoca a doença com o seu ciclo de vida abreviado. A pesquisa cobrirá três das sete espécies de protozoário existente. O critério de escolha observou as espécies mais freqüentes e importantes nas granjas comerciais do Brasil, a Eimeria acervulina, E. maxima e E. tenella.

Segundo a pesquisadora Urara Kawazoe, o trabalho entrou na fase final, com o desenvolvimento da cepa de E. tenella, uma das espécies do gênero Eimeria que produz a hemorragia quando ataca as células intestinais do frango. “Esta etapa do trabalho deverá durar cerca de dois anos”, afirma Urara.

Com o desenvolvimento prematuro destas colônias de protozoários, é possível criar uma vacina do tipo atenuada, pela qual o frango chega a ser infectado, desenvolvendo o parasita, mas com danos comerciais mínimos, produzindo imunidade protetora nas aves. O abreviamento do ciclo do parasita pode chegar a 20% do tempo normal, com variações que dependem da espécie. O protozoário de Eimeria com ciclo de desenvolvimento precoce poderá, com a conclusão da pesquisa, virar a primeira vacina viva com esta técnica desenvolvida no Brasil. A versão administrada hoje em parte do plantel brasileiro é feita com uma vacina importada. Esta não é a única forma de vacinação. Uma segunda, mais usada, batizada de virulenta, também tem espaço importante no mercado brasileiro.

Consiste na pulverização de uma pequena quantidade da forma final do parasita no frango. O objetivo neste caso é fazer com que o sistema imunológico do animal produza anticorpos contra a Eimeria, permitindo uma imunidade parcialmente protetora contra novas infecções. Neste caso, poderá haver problema se o manejo na vacinação não for feito de forma adequada. “Uma dosagem errada pode produzir a doença no frango ao invés de imunizá-lo”, explica Urara.