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1978: o ano da peste

O diagnóstico da Peste Suína Africana (PSA) no Brasil atrapalhou o setor suinícola tanto no mercado interno como externo, mas também contribuiu para acelerar o seu processo de modernização, que já estava em curso.

Redação SI (Edição 166/2003) – A revista Suinocultura Industrial acompanha o setor há 25 anos, compartilhando os bons e os maus momentos do mercado. Em seus arquivos, encontramos a trajetória da exótica Peste Suína Africana no Brasil, no final da década de 70, relatando os impactos que a doença causou à atividade na época. E, embora tenha trazido uma série de prejuízos à suinocultura, o surto da peste serviu para acelerar o processo de modernização que estava em curso no setor suinícola. Veja esta retrospectiva.

Q
uando a imprensa começou a divulgar os primeiros casos de Peste Suína Africana (PSA), identificados no Brasil em 1978, havia muitas informações desencontradas e exageros, o que praticamente levou a população ao pânico. O medo de contágio fez o consumo interno da carne suína, e de seus derivados, despencar cerca de 40%. De nada adiantou informar que o vírus era inofensivo ao ser humano, muito menos que todo suíno suspeito seria sumariamente abatido e cremado. Mesmo assim, as pessoas continuariam desconfiadas.

A imagem da suinocultura nacional também foi arranhada no exterior. As exportações, que vinham experimentando um rápido crescimento, passando de 3,2 toneladas em 1973 para 12,3 toneladas em 1977, foram todas suspensas. Como reflexo, outros produtos brasileiros como sorgo, farinha de soja, ovos férteis e pintos de um dia também tiveram suas importações restritas por diversos países.

O produtor ficou perdido. Ele viu o preço do suíno desabar de uma hora para outra, além de não ter onde escoar sua produção, porque a indústria diminuiu suas compras em função do menor consumo. Isto fez com que o governo federal intervisse, oferecendo indenizações aos suinocultores que tiveram seus plantéis infectados, o que também era uma forma de garantir que o produtor realmente informasse a presença de animais doentes em sua propriedade.

Posteriormente, o governo brasileiro também destinou cerca de 500 milhões de cruzeiros (o equivalente a US$ 25 milhões na época) para o fornecimento de crédito de capital de trabalho para as empresas e para o pagamento de preços pré-estabelecidos aos produtores, calculados a partir do que era pago antes do surto de PSA.

Origem – Não há, até hoje, uma hipótese precisa de como o vírus chegou ao País. Ele poderia ter vindo com algum produto de origem suína, como presunto ou a própria carne in natura, em bagagens de refugiados angolanos, que chegavam ao Brasil fugindo da guerra civil em Angola. Outra hipótese indica que a contaminação pode ter ocorrido por meio de restos alimentares de vôos internacionais, que eram depois servidos aos suínos no País.

O primeiro caso foi diagnosticado em Paracambi, no Rio de Janeiro, sendo depois detectado em outras cidades fluminenses: São Gonçalo, Teresópolis e Campos, além da favela Nova Brasília, na capital carioca. Em São Paulo, foram encontrados focos em Ourinhos, Leme e Roseira. No Estado de Minas Gerais, a cidade de Volta Grande teve casos confirmados.

Embora tenha trazido uma série de prejuízos à suinocultura, o surto de PSA serviu para acelerar o processo de modernização que estava em curso na atividade. Algumas medidas do, na época, Ministério da Agricultura, contribuíram para isto como a de reprimir a alimentação de suínos com lixo e lavagem, reprimir a criação de suínos na zona urbana e coibir a matança e a comercialização clandestina de suínos e subprodutos.

Em novembro de 1978, a Sociedade de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro, juntamente com a Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento, promoveu o 1 Congresso Brasileiro de Problemas da Suinocultura. Inicialmente idealizada para discutir a PSA, o seu temário foi ampliado até a sua realização, o que o tornou um palco para debater todas as etapas da cadeia produtiva, contando com um grande número de participantes e com representantes internacionais de diversos países, como Japão e França. Cerca de um ano depois, também no Rio de Janeiro, a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), em colaboração com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, Ministério da Agricultura e Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizou um curso de diagnóstico laboratorial da PSA, com nove especialistas de laboratórios da América Latina. Mais uma iniciativa, entre tantas, que contribuiu para que fosse decretada a completa erradicação da PSA do Brasil no início de 1980.

Pesquisa realizada por Humberto Luís Marques, nos arquivos da revista Suinocultura Industrial dos anos de 1978, 1979 e 1980.

DIFERENTES PESTES

Quando foi diagnosticada pela primeira vez, acreditava-se que a Peste Suína Africana (PSA) fosse uma forma hiperaguda da Peste Suína Clássica (PSC). Embora se assemelhem em aspectos clínicos, há algumas diferenças entre as duas. A diarréia, por exemplo, nos casos de PSC é pastosa e amarelada, diferentemente da outra, que é sangüinolenta.

Nos dois casos, os animais apresentam lesões cutâneas, febre e andar cambaleante, mas os comportamentos se diferem. Em casos de PSA, como a anorexia é menor, o suíno tende a se isolar dos demais, enquanto que na PSC a anorexia é mais acentuada, levando o animal a se aglutinar com outros.

Sua transmissão ocorre por via direta, ocasionada pelo contato ou convivência com suínos doentes. Ela também pode ser transmitida pelo consumo de subprodutos de matadouros sem cozimento ou por restos alimentares provenientes de locais onde há suínos enfermos ou com o vírus em fase de incubação. A mosca doméstica também pode ser um vetor, contaminando água e alimentos dos animais.

A PSA é também conhecida como moléstia de Montgomery, pesquisador que a diagnosticou pela primeira vez no Quênia, país africano, em 1910, vindo a descrevê-la em 1921. Ela permaneceu confinada naquele Continente até 1957, quando foi identificado o primeiro caso em Portugal. Três anos depois, a doença atingiu a Espanha e dali chegou à França, Inglaterra e Itália.

Em 1971, a PSA praticamente destruiu a suinocultura em Cuba, matando 12,2 mil animais, o que representava quase metade de seu rebanho. Era a primeira vez que se diagnosticava a doença no Continente Americano. O governo cubano erradicou a PSA matando todos os suínos da área de foco e mais cerca de 400 mil animais num raio de 5 quilômetros das propriedades atingidas. Em 1978 ela chegou ao Brasil.