Redação AI 04/11/2005 – Depois de anos defendendo a implantação de um programa de regionalização da avicultura, empresários do setor passaram a pleitear junto ao governo federal a estadualização da produção. Alarmados com as recentes conseqüências comerciais da crise da aftosa, eles pretendem impedir que ocorra com a carne de frango o que ocorreu com a bovina caso a gripe das aves chegue de fato ao Brasil. Com a medida proposta, os frigoríficos têm esperanças de que, em caso de constatação da doença em um Estado, os demais fiquem protegidos de embargos internacionais.
Segundo Bento Zanoni, vice-presidente da Associação Catarinense de Avicultura (Acav), a idéia é que o Ministério da Agricultura vá além da regionalização. “Também estamos pedindo que, em caso da doença constatada, um raio de 25 quilômetros seja interditado, não o Estado todo”. Santa Catarina é um dos Estados que mais concentram granjas de aves no país – e a Acav, neste caso, é a porta-voz dos interesses locais.
As indústrias têm evitado conversar com a imprensa sobre o tema. Algumas alegam que não é hora para discussão, já que a gripe do frango não chegou ao Brasil. Mas a maioria vem tomando medidas adicionais nas suas instalações, ainda que as granjas certificadas sejam vistas como extremamente tecnificadas e onde dificilmente se espera o aparecimento de um primeiro foco. Este, aliás, foi um dos argumentos usados em comunicado divulgado ontem (dia 3) pela Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (Abef) e pela União Brasileira de Avicultura (Uba) para tranqüilizar consumidores no país e no exterior.
No comunicado, as entidades lembram que nunca houve um caso de gripe aviária no Brasil – apesar de variantes leves do vírus (tipos H3 e H4, e não o letal H5N1) já terem sido isoladas em quatro oportunidades em aves migratórias encontradas em regiões distantes de pólos de produção -, e que as ações que estão sendo adotadas pelo Ministério da Agricultura, em parceria com as empresas, estão no caminho certo.
Procuradas pelo Valor, Sadia, Perdigão e Coopercentral Aurora preferiram não se pronunciar diretamente sobre o assunto. Mas em geral, além de medidas já existentes como desinfecção de veículos que adentram granjas e roupas especiais para quem chega às unidades, houve reforços como impedimentos de visitas internacionais aos frigoríficos e quarentena para funcionários que voltam de viagens ao exterior antes da retomada ao trabalho normal.
A Macedo, empresa do setor com sede em São José (SC), por exemplo, determinou para funcionários que voltam de viagens internacionais o cumprimento de um “vazio sanitário”, longe da companhia, de quatro dias. Para Flávio Médici, diretor-comercial da Macedo, um dos maiores riscos no momento para as indústrias brasileiras é o temor dos consumidores em geral em relação à carne de frango. Segundo ele, três contêineres da empresa para a Europa tiveram o embarque postergado por uma semana a pedido do cliente varejista europeu, que ainda tinha estoque de frango nas prateleiras. O Valor já informou que supermercados de países da União Européia chegam a estimar queda de cerca de 20% no consumo de carne de frango. Nesse contexto, Médici afirma que espera do governo neste momento atitudes preventivas. E contraria as posições de Abef e Uba: “Não é o que se vê. O governo está agora muito preocupado com a febre aftosa”, diz.
Zanoni, da Acav, também usa a própria crise da aftosa – deflagrada pelo ressurgimento de focos no Mato Grosso do Sul e ainda viva pelas suspeitas que persistem no Paraná – para embasar raciocínio semelhante. “Se o governo federal tivesse liberado antes os R$ 33 milhões que liberou agora, a febre aftosa não teria acontecido. Acho que ainda dá tempo de o Brasil se preparar contra a gripe aviária”.
Osler Desouzart, consultor do setor e ex-executivo de Sadia e Perdigão, reitera que a ocorrência de casos de gripe das aves no Brasil teria conseqüências econômicas “terríveis”, até porque o setor é muito competitivo e no mercado internacional ninguém está “vendo com bons olhos a grande chegada do Brasil”. Conforme ele, um episódio de influenza aviária será muito pior do que o episódio de aftosa. Por isso defende inclusive que o país acabe com as galinhas criadas ao relento e redobre cuidados com as produções em assentamentos do Movimento Sem Terra. “Nos países em que foram descobertos focos, eles foram constatados em áreas livres e não em granjas tecnificadas”, observa.
Desde 1901, quando foi constatado o primeiro caso de influenza aviária no mundo, o Brasil se manteve longe da doença. Além da Ásia, atualmente o vírus já foi identificado na União Européia e bateu às portas, com a descoberta de tipos não letais, da América do Norte (casos no Canadá) e da América do Sul (três casos na Colômbia)