Da Redação 25/05/2004 – 09h27 – Os problemas detectados nas últimas semanas em carregamentos brasileiros de soja em grão destinados ao mercado chinês reabriram as discussões em torno da eficiência dos sistemas nacionais de controle sanitário de produtos vegetais e animais destinados à exportação. Especialistas concordam que governo e iniciativa privada têm trabalhado para melhorar esses sistemas e garantir a integridade dos produtos, mas dizem que o país está atrasado e que a estrutura existente mostra fragilidades num momento delicado. Isso porque, junto à tendência de redução de tarifas e subsídios, principalmente em países desenvolvidos, erguem-se nos importadores padrões de qualidade cada vez mais rígidos, que, para fontes ouvidas pelo Valor, já começam a servir como uma nova forma de protecionismo.
O caso da soja exportada em março a partir do Brasil pelas empresas Cargill Agrícola, Bianchini, Irmãos Trevisan e Noble Grain (com sede em Hong Kong) é exemplar. Mesmo contaminada com sementes tratadas com agrotóxico, a carga de 59 mil toneladas deixou o porto de Rio Grande (RS) com certificado fitossanitário expedido pelo Ministério da Agricultura. Só no porto de Xiamen foi constatada a contaminação, e o carregamento foi barrado. O incidente fez com que o governo intensificasse os procedimentos de vistoria das cargas que deixam o país, e só assim foi possível evitar a chegada na China de outros carregamentos contaminados.
“Se o governo quiser atuar nessa área com eficiência, tem que organizar estratégias setoriais. E a iniciativa privada tem que participar”, afirma César Borges de Souza, vice-presidente da Caramuru Alimentos, empresa brasileira que faturou R$ 1,2 bilhão em 2003 – a maior parte proveniente de embarques de soja. Como outras exportadoras de grãos, a Caramuru vem investindo recursos próprios para permitir a rastreabilidade da soja que exporta da lavoura aos portos. Até agora, foram aplicados R$ 15 milhões.
“A procura por serviços de análise e certificação de qualidade vem crescendo nos últimos dois anos e tem potencial para aumentar, à medida que se ampliam as exigências de certificação de qualidade no mercado interno”, afirma Pablo Molloy, gerente operacional da certificadora Genescan do Brasil, credenciada pelo Ministério da Agricultura. Atualmente, os pedidos de teste fitossanitário e toxicológico, que detectam antibióticos, pesticidas e microtoxinas, são analisados na matriz do grupo, na Alemanha.
Além de não ter condições de garantir a qualidade de todos os produtos que são exportados, o governo também tem dificuldades para fiscalizar as as cadeias produtivas. Toda a fiscalização dos produtos de origem animal e vegetal destinados à exportação é feita por 2,7 mil fiscais federais do Ministério da Agricultura, que atuam principalmente em portos, aeroportos e postos de fronteira. O número é considerado insuficiente e, mesmo com a decisão de contratar mais 200 fiscais até julho, o governo admite que, sem a participação de produtores, cooperativas e agroindústrias, a tarefa fica praticamente impossível.
“A cooperativa tem de ter o controle do produto que está recebendo. A trading precisa ter o controle do que está comprando. E a rastreabilidade de todo esse sistema deve permitir que o Ministério da Agricultura faça uma certificação fidedigna do produto que será comercializado”, afirma Odilson Luiz Ribeiro, chefe da Divisão de Cooperação Técnica e Acordos Internacionais do ministério. Conforme Ribeiro, há avanços. Ainda este ano, o Brasil deve começar a exportar manga para o Japão, após quase 20 anos de negociações. Os japoneses aprovaram a certificação da manga depois que o Brasil conseguiu demonstrar a eficiência do controle da “mosca-da-fruta”, uma das principais pragas da fruticultura. Outro exemplo: a cadeia da castanha-do-Pará também está sendo certificada para que o país possa retomar as vendas para a Europa. E, no setor de carnes “in natura”, o sistema de rastreamento de bovinos em implantação no país e os mecanismos de controle sanitário devem permitir a abertura, em breve, do mercado dos EUA.
Para Júlio Cardoso, presidente da Abef, entidade que reúne exportadores de carne de frango, é preciso um monitoramento constante dos controles de sanidade no país. Só assim, diz, eventuais problemas podem ser resolvidos logo no início e restrições podem ser evitadas. Para ele, o sistema existente hoje no setor de aves – que inclui o controle dos órgãos oficiais e também das empresas privadas – é suficiente. No entanto, é preciso estar “sempre preparado para emergências”. Exemplo de “emergência” ocorreu recentemente na Ásia, onde vários plantéis tiveram de ser sacrificados devido à influenza aviária. A enfermidade, que não existe no Brasil, levou vários países a suspenderem as importações de frango de nações asiáticas. Cardoso também defende veterinários “bem remunerados e motivados” no controle sanitário para evitar greves como a de março passado, que colocou em risco os trabalhos.
Ainda que os controles sejam considerados eficazes pelas indústrias de carnes, especialistas não descartam que os países que importam produtos brasileiros criem novas restrições. Há dois anos, a descoberta de resíduos do antibiótico nitrofurano na carne de frango levou a UE a testar amostras de todo o produto brasileiro que chegasse aos seus portos. Hoje, 20% das cargas são testadas. Sem avisar, os europeus passaram a utilizar um sistema de detecção de resíduos mais rigoroso do que o usado até então no Brasil, o que pegou o país de calças curtas. E o país foi obrigado a ser mais rigoroso. Para fontes do setor, a Europa usou o problema como uma desculpa para reduzir a oferta de frango na região, já que o Brasil tinha “inundado” o mercado o mercado europeu com produtos a preços mais baixos.
Também por temer uma superoferta de produto e consequente redução de preços, os europeus não facilitam a entrada do suíno brasileiro, lembram analistas. A alegação é o risco de febre aftosa e febre suína. Como grandes exportadores, os europeus temem a concorrência com o Brasil, acrescentam os analistas. O motivo é que a abertura para o suíno brasileiro na UE poderia levar o Japão a também aprovar o produto. E ocorre que o Japão é um importante mercado para os europeus.
No caso da soja barrada na China, Ribeiro, da Agricultura, afirmou que a contaminação foi um ato de má-fé que deixou uma lição. Mas, ainda assim, a fiscalização no porto de Rio Grande será reforçada. Segundo Francisco Signor, delegado federal da Agricultura no Rio Grande do Sul, a fiscalização será pedagógica, mas os produtores que forem flagrados com sementes junto com grãos serão processados com base no Código Penal porque estão “misturando veneno com comida”. Para Antônio Sartori, da corretora Brasoja, o Brasil precisa de uma política de “tolerância zero” interna para não dar aos compradores ou concorrentes da soja brasileira “pretextos” para derrubar os preços.
Segundo Signor, o trabalho que será feito com a soja assemelha-se ao do trânsito de animais na fronteira. Para evitar a entrada de doenças, o ministério mantém fiscais nos pontos oficiais de passagem, mas é obrigado a apelar para os moradores das regiões.