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Lições importantes

<p>Em entrevista exclusiva para o site Avicultura Industrial, Ariel Antonio Mendes, vice-presidente técnico-científico da UBA, fala sobre o foco de Newcastle, registrado em Jaraguari (MS).</p>

Redação AI (13/06/2005) – O veterinário e professor Ariel Antonio Mendes, vice-presidente técnico-científico da União Brasileira de Avicultura (UBA), fala nesta entrevista sobre o foco de Newcastle, registrado há algumas semanas numa granja em Jaraguari (MS), a 50 km da capital Campo Grande. Mendes também aborda os impactos que esta ocorrência poderá ter sobre o mercado internacional da carne de frango brasileira e sobre as lições que o País pode tirar do episódio, entre outros assuntos. Confira:

Avicultura Industrial: O Sr. poderia falar sobre o registro de Newcastle em Jaraguari, no Mato Grosso do Sul?

Ariel Antonio Mendes: Esse foi um caso bastante preocupante. Desde o início havia suspeita de Newcastle e, por esse motivo, foi aberto um Formin [Formulário de Informação], o Iagro [Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Mato Grosso do Sul] e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) entraram, isolaram a área, de acordo com os procedimentos previstos pela Instrução Normativa no. 32, que é o Plano de Vigilância Ativa de Influenza Aviaria e Newcastle e o Plano de Contingência, que o próprio Mapa dispõe. Havia resultado positivo para Newcastle através de sorologia e já os primeiros resultados descartaram a incidência de Influenza Aviária.

Posteriormente, no dia 8 de junho, saiu uma nota do Mapa divulgando o resultado oficial, que foi totalmente negativo para Influenza Aviária. O que se encontrou na verdade foi um vírus de Newcastle lentogênico, ou seja, compatível com vírus vacinal, sugerindo uma cepa LaSota, uma das cepas utilizadas para a produção de vacinas. Praticamente, em momento algum se pensou em Influenza Aviária, a suspeita maior era Newcastle mesmo.

AI – Mas a notícia da ocorrência da doença teve bastante repercussão na comunidade avícola mundial. Muitos acreditaram que a Influenza Aviária tinha mesmo chegado ao Brasil.

AAM – Os resultados são demorados e levaram um tempo até serem confirmados pelo Lanagro [Laboratório Nacional Agropecuário] e nesse meio tempo a notícia vazou para a imprensa. A maneira como a mídia veiculou essa informação, afirmando se tratar de uma doença misteriosa criou um grande estardalhaço, uma vez que o mundo vive uma paranóia em relação à Influenza Aviária. A notícia correu rapidamente pelo mundo inteiro e teve grande repercussão. Especulou-se que a Influenza Aviária tinha chegado ao Brasil. A partir do momento que percebemos que as notícias veiculadas estavam desencontradas ficamos preocupados. A União Brasileira de Avicultura (UBA) convocou a imprensa e procurou esclarecer o ocorrido o mais rapidamente possível, já que o Mapa foi um pouco lento ao passar as informações. Depois da coletiva da UBA o mercado se acalmou.

AI – O Ministério da Agricultura identificou um tipo de vírus “não patogênico” da doença de Newcastle, ou seja, incapaz de produzir a mortalidade verificada sem a ocorrência de outros fatores associados. Na opinião do Sr. o que explica essa alta mortalidade das aves?

AAM Uma série de fatores pode explicar essa alta mortalidade. Tem-se o diagnóstico de Bronquite Infecciosa feito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, tem também um diagnóstico de micotoxinas, uma suspeita forte de Gumboro. Provavelmente houve uma imunosupressão e várias coisas juntas acabaram levando a essa mortalidade.

AI – Quais os impactos que essa ocorrência trará para a avicultura brasileira no mercado internacional?

AAM – Acredito que essa ocorrência não se refletirá na relação do Brasil com os países importadores. Não deve haver nenhuma suspensão das exportações brasileiras, embora tenha havido pedidos de informações por parte da Comunidade Européia e de outros países.

Esses pedidos são normais, isso é praxe. Normalmente quando se tem um boato, uma suspeita de alguma enfermidade preocupante, é natural que os países importadores peçam informações imediatamente. De qualquer maneira, acho que essa ocorrência serve como lição para o Brasil.

AI – Que tipo de lição o Brasil e a avicultura brasileira podem tirar desse episódio?

AAM – Nosso País vem há uns três anos preparando sua estrutura de defesa sanitária, justamente para atuar no caso de uma emergência, de um foco de Newcastle ou de Influenza Aviaria. Alguns procedimentos se mostraram acertados, como foi o caso do isolamento da área. O Ministério [da Agricultura] agiu rápida e corretamente. O Iagro também agiu corretamente, isolando imediatamente o foco. Agora, houveram grandes erros no sentido da divulgação da ocorrência sanitária. Muita gente falou e esse tipo de informação tem que ser dada por no máximo duas ou três pessoas. É natural a curiosidade da imprensa, afinal ela está fazendo o seu trabalho. Mas para falar as pessoas têm que ter conhecimento, já que informações erradas ou desencontradas podem trazer sérios danos para o setor e para País.

Aquela primeira notícia que dizia que uma doença misteriosa com sintomas respiratórios tinha sido registrada numa granja no Mato Grosso do Sul foi veiculada no mundo inteiro e as pessoas automaticamente já associaram com Influenza Aviária. E sabemos que não existem doenças misteriosas na avicultura. As doenças que podem acometer as aves são amplamente conhecidas e é preciso apenas alguns dias para se chegar a um diagnóstico correto. A forma como a notícia foi divulgada fez as pessoas pensarem no pior.

AI Essas foram as principais lições…

AAM – O lado positivo dessa história é que mostra que o País tem que realmente se preparar para esse tipo de emergência. Temos que reformular todo o nosso sistema de defesa sanitária, principalmente no que diz respeito ao diagnóstico de laboratório. Temos que agilizar esse diagnóstico. Não podemos num caso como este levar tanto tempo para fazer um diagnóstico. Temos que fazer um diagnóstico mais rápido, justamente para poder informar correta e imediatamente. O Brasil tem uma credibilidade muito grande no mercado internacional no que se refere à comunicação imediata do registro de qualquer tipo de enfermidade. Essa credibilidade foi construída com os trabalhos que o País realiza com a Febre Aftosa e a própria Newcastle. Então, em primeiro lugar, precisamos acelerar o diagnóstico de laboratório e, em segundo lugar, deixar bem claro no Plano de Contingência quem será o responsável pela comunicação da ocorrência.

AI – O que o Ministério da Agricultura está fazendo para melhorar a estrutura e defesa sanitária do Brasil?

AAM – O Mapa fará uma reunião no dia 14 de junho, em Brasília (DF), com todo o pessoal de Defesa Animal para identificar o que aconteceu de certo e errado nesse episódio e também para estudar formas para corrigir esses erros. Será discutido ainda o tratamento de focos de emergência ou de casos de emergência específicos da área avícola. O Brasil tem uma grande experiência em lidar com a incidência de Aftosa, mas não tem experiência em lidar com doenças avícolas. Então o Ministério da Agricultura vai tentar analisar minuciosamente esse caso para tirar ensinamentos para o futuro. Outro ponto que será discutido na reunião é como melhorar a questão do Programa Nacional de Sanidade Avícola (PNSA). Esse caso no Mato Grosso do Sul mostrou que estamos vulneráveis. Se o Brasil tiver efetivamente um problema sanitário suas exportações serão afetadas. Por fim, será também discutida nessa reunião, a questão da regionalização da avicultura brasileira. Ou seja, como implantar o mais rapidamente um programa de regionalização no Brasil.

AI – O Mapa reconhece a verdadeira importância da regionalização para a avicultura brasileira?

AAM – O evento sanitário ocorrido em Jaraguari serviu para mostrar que se tivéssemos um problema mais sério no Mato Grosso do Sul todo o País seria afetado, embora esse Estado não seja responsável nem por 2% das exportações avícolas brasileiras.  Agora o Mapa está convencido de que a questão da regionalização deve ser prioritária entre as ações do Governo Federal. O setor já fez a sua parte, o programa está pronto e é só uma questão de implementá-lo. Uma vez terminada essa reunião, o Mapa vai formatar um plano específico para avicultura, chamarão o setor privado para discuti-lo. Isso é importante para se definir as formas como o setor avícola poderá interagir com as instituições oficiais para que essas propostas sejam implementadas.

AI – A Organização Internacional de Epizootias (OIE) está prestes a aprovar o conceito de compartimentalização. Esse conceito interessa para avicultura brasileira?

AAM – Sim, a compartimentalização nos interessa. O Brasil é um país muito grande, que possui uma avicultura muito diversificada. Na região Sul, Sudeste e Centro-Oeste existe uma avicultura bem tecnificada, mas o Brasil tem outras regiões nas quais estão implantadas aviculturas que não são para exportação e, consequentemente, onde os Estados não se preocupam tanto com as questões de defesa sanitária. Temos algumas questões que fogem ao nosso controle, como por exemplo, o trânsito de aves migratórias, a questão das visitas, ou seja, por mais que recomendemos que esse tipo de prática deva ser rigorosamente evitado trata-se de uma questão imponderável, a entrada de resíduos de material orgânico etc. Temos, por exemplo, vários aeroportos internacionais no Brasil e não há efetivamente um controle em nenhum deles. É realmente difícil evitar a entrada da Influenza Aviária no País e temos a noção exata disso. Trabalhar somente com o conceito de compartimentalização é preocupante. Esse conceito nos interessa, as empresas vão trabalhá-lo muito seriamente, mas quem garante que os importadores, num primeiro momento, vão aceitar a compartimentalização? Então, entendemos que devemos promover a compartimentalização e a regionalização da avicultura brasileira.

AI – Essa ocorrência no Mato Grosso do Sul serviu para reforçar a necessidade de implantação de um programa de regionalização da avicultura brasileira?

AAM – Sim. Entendemos que um programa regionalização seria um plus para o setor, um diferencial do Brasil em relação aos outros países. O Brasil é grande, tem uma avicultura diversificada e a regionalização seria um algo a mais.  A regionalização vai servir para melhorar nossa condição sanitária, os Estados brasileiros terão que investir em biosseguridade, em sanidade avícola para manter a condição de livres de Influenza Aviária e Doença de Newcastle. Para isso terão que fazer monitoria, terão que contratar gente, implantar realmente o PNSA em seu Estado e isso será muito positivo para a avicultura nacional. A própria restrição do trânsito interno de aves é uma medida que vai ajudar muito a avicultura brasileira. Só o fato de não se ter galinhas de postura, aves de descarte circulando de um Estado para outro, de uma região para outra, já se limita à circulação de doenças pelo País. O Brasil tem a melhor avicultura do mundo e tem que pensar grande. A OIE está propondo a implantação de um programa de compartimentalização vamos fazê-lo, mas vamos implementar também um programa de regionalização. Essa é a decisão do setor.

AI – O setor avícola já vem trabalhando nesse sentido….

AAM – Estamos apenas esperando o esclarecimento completo desse episódio do Mato Grosso do Sul para fazer uma reunião em São Paulo. Ela será na sede da UBA e participarão os presidentes das entidades estaduais de avicultura, os presidentes de empresas avícolas e o pessoal de material genético. Nessa reunião iremos discutir como implantar esse programa de regionalização. A idéia, nas conversas que temos tido com o Mapa, é que o setor ponha em prática algumas medidas do programa de regionalização antes mesmo que isso seja feito oficialmente pelo Mapa. Eu falo de medidas possíveis, porque muitas delas necessitam de legislação, de portarias que têm que ser publicadas, de consulta pública, o que torna o processo demorado. Então é sugestão do próprio Ministério da Agricultura que o setor comece a implementar o programa de regionalização informalmente, até para se ir testando a eficácia das medidas, do programa levantando o que precisará ser corrigido.

AI Que medidas do programa de regionalização já poderiam ser implementadas?

AAM – Tenho conversado com algumas integrações e uma de nossas idéias, por exemplo, é não mandar mais aves de descarte (poedeiras e matrizes) para fora do Estado. Vamos proibir o trânsito interestadual de aves de descarte. Podemos adotar novos procedimentos para a comercialização de material genético. As empresas só aceitarão pintinhos de matrizeiros que estejam devidamente registrados. Então, o pintinho já virá de uma granja registrada e certificada pelo PNSA e com atestado negativo para Influenza Aviária e Newcastle nos últimos 90 dias, como prevê uma das regras da regionalização.  Também já podemos criar os corredores de trânsito avícola. Os caminhões irão circular por esses corredores de trânsito, até para que possamos ver se esses corredores são os mais adequados. Já definimos três corredores de trânsito, dependendo dos estados, mas na medida em que os caminhões começarem a circular poderemos avaliar se eles são os mais adequados. Algumas empresas já estão assumindo compromissos de começar a implementar o programa de regionalização antes mesmo do governo federal. Esse será o tema principal de nossa reunião em São Paulo.