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Newcastle em aves domésticas

<p>Isolamento e caracterização biológica da amostra JAP99 do vírus da doença de Newcastle isolada de patos domésticos (Neta sp) no Rio de Janeiro.</p>

por Jorge Granja de Oliveira Júnior1 Paula Amorin Schiavo2 Luciano Doretto Júnior3
Maria Ângela Orsi4 Carlos Mazur5 Cláudio de Moraes Andrade6

*Estudo originalmente publicado na revista Ciência Rural, Santa Maria (RS), v35, pág. 948-951, Jul/Ago 2005.

A doença de Newcastle é uma enfermidade viral, aguda, altamente contagiosa, que acomete aves comerciais e outras espécies aviárias, com sinais respiratórios, freqüentemente, seguidos por síndromes nervosas e entéricas. A manifestação clínica e a mortalidade variam segundo a patogenicidade da amostra viral (FIELDS et al., 1996). Como amostras virais de campo podem originar quadros clínicopatológicos que incluem desde mortalidade aguda a infecções respiratórias e entéricas brandas ou inaparentes (ALEXANDER, 1991), o diagnóstico laboratorial do vírus da doença de Newcastle (VDN) compreende o isolamento viral, seguido da
caracterização biológica da patogenicidade do novo isolado (BRASIL, 1994).

Para isolamento viral, ovos embrionados SPF foram adquiridos da Granja Rezende, Uberlândia (MG). As hemácias utilizadas nas provas laboratoriais foram obtidas de galinhas soronegativas para o VDN, criadas a partir da incubação de ovos embrionados SPF, e mantidas em isolamento nas dependências do Laboratório de Viroses Veterinárias (LVV) do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública, do Instituto de Veterinária da UFRRJ. Para a identificação do isolado, o soro padrão positivo e soro negativo para VDN, e o antígeno viral empregado nas provas (VDN, amostra Ulster inativada) foram cedidos pelo Laboratório Regional Animal (Lara) Mapa (SP).

A investigação se originou a partir da notificação do proprietário de uma pequena propriedade rural no município de Japeri (RJ) com aproximadamente 150 aves (galinhas, patos e gansos) que apresentavam sinais e sintomas sugestivos de um surto de doença de Newcastle. Foi observada sintomatologia nervosa e respiratória caracterizada, principalmente, por incoordenação motora, forte diarréia e secreção respiratória. Mais de cem aves morreram, principalmente, patos domésticos (Neta sp). Esta propriedade apresentava manejo zootécnico inadequado, marcado por uma séria deficiência nos cuidados sanitários. Como fonte de água, as aves utilizavam um pequeno lago local freqüentado por aves silvestres, entre outros animais. Foram coletadas
amostras de fezes e de sangue (punção da veia radial da asa) das aves doentes, que foram transportadas sob refrigeração para o LVV.

Metodologias
Para o isolamento em ovos embrionados, diluições decimais (de 10-1 a 10-3) de suspensões clarificadas de fezes foram inoculadas em cinco ovos embrionados SPF de 8 a 11 dias de incubação, na dose de 0,1mL via alantóica. Os embriões inoculados foram observados por ovoscopia duas vezes ao dia, por três dias consecutivos ou até a morte do embrião. Após este período, o líquido alantóico foi coletado e testado pela prova de hemaglutinação (HA). A prova de HÁ foi empregada para detecção da presença de vírus hemaglutinantes e sua titulação nos líquidos alantóicos dos embriões inoculados com material suspeito. A prova de HA foi realizada em placas de 96 cavidades com fundo em “U”. Para determinação da identidade viral, foi utilizada a prova de inibição da hemaglutinação (HI) (ALEXANDER, 1989). Os soros positivo e negativo para VDN foram empregados como controles internos.

Para caracterização biológica do isolado, alíquotas do líquido alantóico hemaglutinante foram enviadas para o LARA-Campinas, onde foram realizados os testes de patogenicidade. Para obtenção do Índice de Patogenicidade Intracerebral (IPIC), 2 grupos de 10 pintos de 1 dia foram inoculados via intracerebral (IC) com líquido alantóico hemaglutinante, com título superior a 24UHA 50μL-1. O período de observação foi oito dias ou até a morte.

Para o cálculo do IPIC, utilizou-se uma escala de pontuação na qual cada ave sadia corresponde a 0,0 (zero) pontos, aves doentes 1 ponto e aves mortas, 2 pontos, acumulados diariamente até o fim do experimento. O IPIC é definido pela média das pontuações dos grupos dividida pelo total acumulado de aves. Para determinação do Índice de Patogenicidade Intravenoso (IPIV), 2 grupos de 10 aves de 6 semanas de idade foram inoculados via intravenosa (IV), com o líquido alantóico hemaglutinante, com título superior a 24 UHA 50μL-1. O período de observação das aves inoculadas foi de 10 dias, ou até a morte. Aves normais não recebem pontos, doentes recebem 1 ponto, paralíticas 2 pontos e mortas 3 pontos. O IPIV é definido pela média das pontuações dos grupos dividida pelo total acumulado de aves.

Para obtenção do Tempo Médio de Morte Embrionária (TMME), após a realização de diluições decimais, 0,1mL de cada diluição do líquido alantóico hemaglutinante foi inoculado em 5 ovos embrionados SPF com 8 a 11 dias de incubação, via alantóica, e incubados a 37oC. Os embriões foram observados por ovoscopia durante sete dias, duas vezes por dia, registrando-se o tempo decorrido em que cada embrião morto foi observado pela primeira vez. A morte dos embriões possibilita a obtenção da dose letal mínima, que corresponde à maior diluição capaz de matar todos os embriões. O TMME é o tempo médio em que a dose letal mínima mata os embriões inoculados. A inoculação em ovos embrionados com suspensões de fezes provocou a morte dos embriões em 48 horas. O líquido alantóico coletado destes embriões foi analisado pela prova de HA, que indicou a presença de vírus hemaglutinante. Em seguida, a suspeita da presença do VDN nas amostras de fezes foi comprovada através da prova de HI, utilizando-se o soro padrão positivo. Como resultado das provas de caracterização biológica, o IPIC encontrado foi de 1,42, o IPIV foi 0,0 e o TMME foi de 62 horas. De acordo com o PNSA (BRASIL, 1994), o TMME de 60 a 90 horas caracteriza um isolado viral mesogênico.

Conclusões
Concluindo, o resultado comprova a circulação do VDN no Estado do Rio de Janeiro, oferecendo risco potencial para indústria avícola. Também se pode reafirmar que criações aviárias domésticas, comuns no interior e periferia de centros urbanos, com trânsito de aves silvestres e baixo nível zootécnico de manejo, podem atuar como reservatórios do VDN. O isolado JAP99 foi considerado patogênico, em função das provas biológicas descritas e da elevada mortalidade promovida a campo observada.

A doença de Newcastle, chamada velogênica, com IPIC acima de 0,7 (indicador de virulência viral) faz parte da Lista da OIE (Organização Internacional de Epizootias) e é de notificação obrigatória para os países signatários da Organização Mundial do Comércio (OMC). Desde 1953, a partir da sua primeira identificação no Brasil (CUNHA & SILVA, 1955), a disseminação do VDN foi observada em todo território nacional, tendo representado um sério obstáculo para o desenvolvimento da indústria avícola nacional. A ocorrência desta doença no País acarreta a imediata suspensão das exportações de produtos avícolas, com graves prejuízos para os países dependentes do comércio internacional, como o Brasil. Apesar de todos os esforços, diante do difícil acesso aos reservatórios silvestres e domésticos, o status internacional do Brasil como
área livre está sempre ameaçado, carecendo portanto de providências adicionais. Entre estas, as pesquisas sorológicas e tentativas de isolamento nas populações citadas, embora esparsas, apontam a importância deste tipo de investigação, direcionando, eventualmente, as autoridades sanitárias para os possíveis focos, como ocorreu em Japeri, após o isolamento aqui relatado. Neste caso, a propriedade foi interditada, todas aves foram sacrificadas e outras medidas profiláticas foram tomadas pelos agentes sanitários do MAPA. Contudo, a questão justifica um esforço conjunto dos pesquisadores, em nível nacional, incluindo o esclarecimento sobre o controle do VDN, veiculado pelos reservatórios referidos.

A característica destes hospedeiros alternativos, normalmente populações flutuantes, pressupõe uma vigilância perene. A vacinação e melhoria das condições zootécnicas, para os pequenos criadores de aves caipiras, o isolamento sanitário de criações industriais das aves de vida livre e a vigilância sorológica e virológica constante poderiam contribuir para redução do problema. O controle sanitário de aves silvestres apreendidas, antes da sua reintrodução na natureza também deve ser considerado. Com base neste trabalho e outros citados, pode-se preconizar uma colaboração, em nível nacional, de pesquisadores do assunto que implementem um sistema integrado de vigilância nestes reservatórios alternativos, em consonância com o PNSA. Esta complementação poderá ser extremamente oportuna e favoreceria de sobremaneira a manutenção da condição de área livre, bem como a credibilidade do Brasil, junto à comunidade científica e comercial internacional.

1Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal do Ministério da Saúde.
2Médico Veterinária, MSc, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Seropédica, RJ, Brasil.
3Médico Veterinário, PhD, Laboratório Regional Animal de Campinas (LARA – MAPA), Campinas, SP, Brasil.
4Médico Veterinário, PhD, Laboratório Regional Animal de Campinas (LARA – MAPA), Campinas, SP, Brasil.
5Professor Adjunto, PhD, Instituto de Veterinária, UFRRJ, autor para correspondência UFRRJ, Br 465, Km 07, 23890-000,
Seropédica, RJ, Brasil. E-mail:
[email protected]. Autor para correspondência.
6Instituto de Veterinária, UFRRJ, Seropédica, RJ, Brasil.