Da Redação 24/10/2005 – O que começou como um crise sanitária localizada, deflagrada em uma fronteira marcada por descontrole e fiscalização deficiente, começa a ganhar contornos de um problema de envergadura nacional capaz de desestruturar a cadeia produtiva da carne bovina em regiões importantes do país e de deixar seqüelas na suinocultura. Mesmo ainda sem confirmação oficial, os diversos prováveis focos de febre aftosa sob investigação no Paraná fizeram a crise invadir o Circuito Pecuário Sul (que reúne Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e acenderam o sinal amarelo em São Paulo, uma vez que há casos suspeitos nas cidades paranaenses de Loanda e Amaporã, próximas à divisa dos dois Estados.
Segundo Antônio Camardelli, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), se houver a confirmação dos focos no Paraná ficará escancarar a fragilidade do controle sanitário no país e agravar ainda mais a reabertura de mercados para a exportação. “Nos países onde o Brasil havia iniciado um trabalho de convencimento técnico para reverter o embargo, a negociação volta à estaca zero”, lamentou. Camardelli disse que ainda é difícil saber a extensão do problema, principalmente por conta da possibilidade, levantada pela Secretaria de Agricultura do Paraná, de que os animais provavelmente infectados tiveram contado com gado sul-mato-grossense doente durante a feira agropecuária Expozebu, em Londrina entre 4 e 9 de outubro.
Jerry O”Callaghan, diretor da unidade de carnes da trading Coimex e respeitado especialista do setor, observou que, se de fato for confirmada na região de Londrina, a aftosa terá chegado a uma grande cidade, e que, nesse caso, o isolamento do vírus é mais difícil. E ele reiterou que a proximidade de alguns focos suspeitos com São Paulo – responsável por quase 60% das exportações brasileiras de carne bovina – torna a situação bem mais complicada. “O problema da aftosa é grave porque [pode gerar] um desemprego alto em muitos frigoríficos e perda de exportação”, disse ontem o governador paulista Geraldo Alckmin. “Estamos entrando em uma fase de grande teste para as empresas de carnes bovina e suína, que pode fortalecer as mais estruturadas e provocar até a quebra de outras”. Para O”Callaghan, só será possível dimensionar o estrago que a aftosa causará depois do controle total dos focos, que permitirá aos frigoríficos replanejar abates e exportações, e da posição russa.
Segundo a Abiec, a Rússia absorve pouco mais de 20% das exportações de carne bovina do Brasil. No caso dos suínos, a participação russa é de quase 65%, conforme a Abipecs, que reúne empresas exportadoras. O executivo da Coimex lembra que os principais pólos brasileiros de produção e exportação de carne suína estão no Paraná e em Santa Catarina, que contam em seus limites com grandes operações de Sadia e Perdigão, entre outras empresas e cooperativas. É de se esperar, conforme especialistas, que a Rússia proíba as carnes paranaenses, e que o veto de Moscou alcance outros Estados.
“Se isso acontecer, será o tiro de misericórdia nas exportações, porque São Paulo e Paraná eram as grandes opções de exportação por não terem sido vetados”, afirmou O”Callaghan. Sem São Paulo e Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás poderiam até ter uma vantagem temporária, que diante das dificuldades que se abrirão não serão mais que um alento. Conforme ele, se não houver novos focos, como procura sustentar o Ministério da Agricultura, o Brasil pode reverter os embargos dentro de três meses.
Se forem confirmados os focos no Paraná, perdas das exportações podem ultrapassar a barreira de US$ 1 bilhão
Deve chegar hoje próximo de 50 o número de países com embargos parcial ou totais sobre a carne bovina brasileira – em alguns casos, foram suspensas as importações de outras carnes e produtos agrícolas. E, se antes do surgimento das suspeitas no Paraná os prejuízos às exportações carne bovina estavam estimados entre US$ 200 milhões e US$ 500 milhões em 2005, a possibilidade de a doença ser identificada em São Paulo pode levar as perdas a superar US$ 1 bilhão já neste ano. Até setembro, os embarques do complexo carnes (bovina, suína e frango) renderam US$ 5,967 bilhões, 33% mais que em igual período de 2004. No ano-móvel encerrado em setembro passado, foram US$ 7,624 bilhões, 33,5% mais que no intervalo de doze meses até setembro do ano passado.
Ainda que grandes frigoríficos exportadores de carne bovina como Bertin e Friboi, responsáveis por mais de 40% dos embarques do pais, já tenham redirecionado negócios para áreas até sexta-feira livres da doença, ambos mantêm operações importantes em São Paulo, e eventuais focos no Estado complicarão muito a situação, de acordo com analistas. Mesmo Sadia e Perdigão, grandes exportadoras de carnes de frango e suína, entrarão na lista dos prejudicados em caso de disseminação. Em primeiro lugar, por terem anunciado recentemente investimentos em carne bovina; em segundo, porque no Paraná e em Santa Catarina a produção de suínos e frango é vasta. Em 2005, as ações preferenciais da Sadia subiam 8,24% na Bovespa até 7 de outubro, a sexta-feira anterior à crise. Do dia 10 até a última sexta, houve queda de 3,98%. No caso de Perdigão PN, havia alta de 27,66%, e a baixa desde o dia 10 é de 11,06%, segundo o Valor Data.
Do ponto de vista das contas do governo, este sintoma negativo decorrente da crise da aftosa deverá encontrar alguma contrapartida “positiva” apenas na inflação, uma vez que a tendência de recuperação dos preços domésticos da carne bovina, contida pela descoberta a aftosa no Mato Grosso do Sul, agora pode ser revertida apesar das incertezas quanto ao futuro das barreiras externas e domésticas (interestaduais) aos produtos das regiões afetadas. Estudo do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP) divulgado na semana passada mostrou que, em virtude dos primeiros focos, houve queda dos preços do boi em praticamente todas as principais praças de comercialização do país. Em São Paulo, por exemplo, a arroba do boi gordo caiu de R$ 58,98, em 13 de outubro, para a média de R$ 57,41 no dia 19. No atacado paulista também já houve recuo de preços, e a tendência deve começar a ser registrada no varejo.
Qualquer “comemoração”, contudo, esbarrará nos reflexos do problema sobre economias locais. Antes da aftosa, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Cepea/USP previam que o PIB da pecuária alcançaria R$ 64,92 bilhões em 2005, 0,5% menos que em 2004 (R$ 65,22 bilhões). Com as exportações mais ameaçadas, o número poderá ser revisto.(